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Por Lara Viviane Silva de Lima*
Número 22
"Toda
a nossa ciência, comparada com a realidade, é primitiva e infantil
– e, no entanto, é a coisa mais preciosa que temos."
Albert Einstein (1879-1955)
A partir da década
de 80, grandes jornais americanos passaram a fundamentar suas notícias
e reportagens em pesquisas próprias, em parte por desacreditarem
nas pesquisas solicitadas por políticos (Meyer, 1993, p. 28). Baixas
tiragens também levaram os editores desses jornais a procurar o
aperfeiçoamento do produto jornalístico por meio de cobertura mais
científica (Idem, p. 31). O começo dessa busca coincidiu com o acesso,
pelos jornais, a computadores e bases de dados, nos anos 70. Em
1989, The Washington Post, USA Today, Los Angeles
Times e The New York Times inauguraram suas seções de
bases de dados, conforme relata José Luis Dader (Idem).
Aplicando ferramentas do Jornalismo
de Precisão, alguns veículos tiveram suas reportagens premiadas
com o Pulitzer: Em 1985, o Dallas Morning News obteve tal
reconhecimento pela reportagem em que denunciou a segregação racial
em habitações públicas do Texas e, três anos depois, o prêmio foi
concedido ao Atlanta Constitution, que provou haver discriminação
entre raças nos empréstimos hipotecários feitos pelo governo federal
(Idem, p. 45). Meyer publicou o primeiro livro sobre o assunto,
Precision Journalism. A Reporter's Introduction to Social Science
Methods, em 1973.
Muito antes de influenciar a grande
imprensa americana, as idéias de Meyer provocaram mudanças no próprio
meio em que foram geradas, o acadêmico, e nos jornais de médio porte
onde foram testadas. Segundo Meyer, tudo começou com o curso que
fez na Universidade de Harvard entre 1966 e 1967, sobre métodos
empíricos de investigação social. Neste último ano, teve oportunidade
de aplicar tais métodos na cobertura jornalística dos distúrbios
de rua de Detroit, reportagem publicada pelo Detroit Free Press
(Idem, p. 22).
A pesquisa feita para essa reportagem
derrubou as duas teorias até então aceitas sobre os atos de vandalismo
na cidade. Ao contrário do que se pensava, as depredações não partiam
predominantemente de pessoas com baixo nível de instrução e de negros
oriundos do Sul (Idem, 43). Com o cruzamento de dados, o Detroit
Free Press "descobriu que as pessoas com nível superior
haviam participado dos distúrbios em percentagens similares às que
não tinham chegado a completar o segundo grau" (Idem).
A experiência havia mostrado que
os métodos de investigação social são aplicáveis ao jornalismo.
Segundo Meyer,
Tal como foi originalmente concebido,
durante os movimentos de protesto social dos anos 60, o Jornalismo
de Precisão era uma via de ampliação do equipamento instrumental
para que o repórter convertesse em material de indagação minuciosa
os assuntos até então inacessíveis ou somente acessíveis de maneira
muito vaga. Esta forma jornalística resultou de especial utilidade
para escutar a voz dos grupos dissidentes e minoritários que estavam
lutando pelo reconhecimento de uma representação (Idem, p. 294).
Os experimentos de Meyer resultaram
num manuscrito entitulado provisoriamente A aplicação dos métodos
científicos de investigação social e psicossocial na atividade jornalística
(Idem p. 22). Foi neste formato que as conclusões obtidas pelo
jornalista foram reproduzidas em fotocópias e difundidas entre estudantes
das universidades de Dakota do Norte e Óregon. O nome "Jornalismo
de Precisão" foi empregado por Everette Dennis, em 1971, para
explicar aos estudantes desta última instituição o "novo jornalismo"
proposto por Meyer. De acordo com o próprio Meyer, Dennis usou o
adjetivo "de precisão" para diferenciar este jornalismo,
baseado no método científico, daquele "novo jornalismo"
de enfoque literário que tornou famosos jornalistas comoTom Wolfe
nos anos 60 (Idem).
"Decidimos que o termo descritivo
de Dennis era o que melhor soava e, assim, o adotamos". Em
seguida à publicação do manuscrito, sob o título Precision Journalism.
A Reporter's Introduction to Social Science Methods (1973),
outros autores trataram do assunto. McCombs, Shaw e Grey publicaram
Handbook of Reporting Methods, em 1976 (Idem, p. 12). Em
parceria com Weaver, McCombs também publicou, quatro anos mais tarde,
o artigo "Journalism and Social Science: A New Relationship?".
Em 1981, McCombs, Shaw, Cole e Stevenson divulgaram o Jornalismo
de Precisão na Europa, publicando na revista Gazette o artigo
"Precision Journalism: An Emerging Theory and Technique of
News Reporting". Três anos depois, este artigo foi publicado
pela revista italiana Problemi dell' Informazione (Idem).
De acordo com Meyer, o Jornalismo
de Precisão foi bem recebido no ambiente acadêmico. Assim como jornais
e revistas, escolas de jornalismo americanas criaram departamentos
de Jornalismo de Precisão ou de Database Jornalism (Idem,
p. 12). Aos estudantes e professores de jornalismo, o Jornalismo
de Precisão
Demonstrava a aplicabilidade dos
métodos científicos de investigação social aos problemas reais
mais característicos da elaboração de notícias numa sociedade
crescentemente complexa (Idem p. 27).
Entre os profissionais, contudo,
a aplicação do Jornalismo de Precisão encontrou forte resistência,
sobretudo devido a uma compreensão estreita dos ideais de objetividade
dos jornalistas. Para os que pregam a objetividade no jornalismo,
não cabe aos repórteres e editores assumir posição diante dos fatos,
mas apenas apresentar diferentes opiniões sobre os temas contraditórios.
Partindo dessa premissa, muitos jornalistas concluíram que os meios
de comunicação não devem fazer pesquisas de opinião, e sim publicar
as sondagens feitas por outros órgãos (Idem p. 28).
Meyer contra-argumenta que "o
modelo da objetividade foi desenhado para um mundo muito mais simples,
onde os fatos desnudos poderiam falar por si mesmos" (Idem).
Tanto esse modelo é inadequado que, já nos anos 60, "a frustração
com o inalcançável ideal da objetividade" levou parte dos jornalistas
a aderirem ao "novo jornalismo", aquele de caráter literário.
Na opinião do autor, apesar de os esforços nesse sentido serem válidos,
a literatura não oferece a disciplina que o jornalismo requer.
Uma solução melhor consiste em
aproximar o jornalismo do método científico, incorporando os poderosos
instrumentos de que a ciência dispõe, tanto para a coleta como
para a análise de dados, assim como sua busca sistematizada de
uma verdade verificável (Idem. p. 29).
Após ter ministrado 16 cursos acadêmicos
sobre o tema, Meyer publicou, em 1991, seu segundo livro sobre Jornalismo
de Precisão, The New Precision Journalism, que traz exemplos
práticos da aplicação de metodologias das ciências sociais, como
a estatística, no jornalismo. Meyer contou com o apoio do jornal
USA Today e com os serviços informativos da CBS para testar
a teoria em experiências jornalísticas (Idem . p.23).
Neste livro, o autor trata também
da Reportagem Assistida por Computador (Computer Assisted Reporting,),
variante do Jornalismo de Precisão que prevê a realização de reportagens
a partir de informações de bases de dados. Para usar este recurso,
os jornalistas têm que saber de que forma acessar e como interpretar
informações dessa procedência. Segundo José Luis Dader, tradutor
de The New Precision Journalism para o espanhol, a Reportagem
Assistida por Computador (CAR), ou "jornalismo de rastreo de
dados por computador é, sem dúvida, o que mais espetacularmente
está crescendo, dentro da ampla gama de atuações de precisão"
(Idem, p. 13).
A legislação americana, favorável
ao livre acesso às bases de dados custeadas pelo Estado, contribui
para isso. Mesmo os pequenos jornais, que a princípio não teriam
condições econômicas para dispor da tecnologia necessária, contratam
os serviços de escolas de jornalismo equipadas com máquinas sofisticadas
(Idem). Os principais argumentos dos que desaconselham a adoção
do Jornalismo de Precisão pelos países iberoamericanos são as legislações
que dificultam o acesso às informações e a inexistência de bancos
informatizados de informação pública (Idem, p. 16). "Essa é
grande cartada para dizer que se passarão décadas antes que possamos
imitar trabalhos como os citados no livro apresentado", antecipa
Luis Dader. Ele esclarece que:
A primeira e fundamental ferramenta
do Jornalismo de Precisão é a imaginação e a segunda, a aprendizagem
de certas regras - tampouco demasiadas - da metodologia científica.
Só com ambas pode-se abordar uma infinidade de projetos de pressuposto
insuficiente, reduzido volume de dados e acesso aberto a qualquer
curioso. O Jornalismo de Precisão não é só para empresas jornalísticas
ricas e sociedades ultratecnologizadas, mas também para qualquer
jornalista anticonvencional e anti-rotineiro com um mínimo de
treinamento nos rigores da análise sistemática de dados objetivados
(Idem, p. 16).
A realidade que Luis Dader observa
nos países europeus é comparável à brasileira. Ele identifica "evidências
isoladas de trabalhos de precisão em diferentes meios europeus,
mas, salvo o que pudesse contribuir alguma investigação hipoteticamente
em curso, o panorama europeu ainda está muito distante de oferecer
um movimento de perscepção coletiva e atuação generalizada nesta
linha" (Idem, p. 13). Na Espanha, jornalistas publicam reportagens
de relativa precisão, mesmo sem ter consciência da sua classificação
como Jornalismo de Precisão (Idem. p. 14).
No Brasil esse direcionamento do
jornalismo ainda é pouco conhecido, até porque nenhum dos livros
sobre o assunto foi traduzido para o português. Acreditamos que
muitos jornalistas se aproximam dos ideais do Jornalismo de Precisão,
na medida em que se empenham em apurar informações com rigor, com
o objetivo de melhorar o produto final. Alguns deles certamente
usaram métodos científicos na elaboração de suas matérias antes
do surgimento de qualquer teoria a respeito.
Uma lista de discussão sobre Jornalismo
de Precisão, criada recentemente na Internet,
é coordenada pelo jornalista Marcelo
Soares, repórter, na época, do Corrêio do Povo de Porto Alegre
que desenvolvia monografia sobre o tema na Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (URGS). Apesar de este conceito ser praticamente
desconhecido no país, Marcelo acredita que "existe lugar para
o Jornalismo de Precisão no Brasil"; o fato de as redações
dos jornais e a maioria dos departamentos da administração pública
estarem informatizados facilitaria esse processo. A opinião de Soares
é reforçada pela opinião do próprio Meyer, que foi contatado pelo
brasileiro via e-mail:
Uma democracia em desenvolvimento
cria forte demanda tanto por medições da opinião pública quanto
por jornalismo investigativo, logo o momento é excelente. Ficaria
mais otimista quanto às possibilidades se o sistema não fosse
tão hostil às inovações.
A única exceção à regra de que as
empresas de comunicação brasileiras ignoram o Jornalismo de Precisão
é a Folha de São Paulo. Segundo Soares, dois jornalistas
da organização mexicana Periodistas de Investigação, filiada à Investigative
Reporters and Editors, visitam o jornal três vezes por ano para
difundir a Reportagem Assistida por Computador (CAR). "Porém,
até hoje apenas um repórter deles, chamado José Roberto de Toledo,
demonstra intimidade com o uso do computador como ferramenta de
reportagem", afirma Soares, que ainda não publicou seus textos
sobre o assunto.
Segundo Meyer, Jornalismo de Precisão
é a aplicação de métodos científicos de investigação social e comportamental
à prática do jornalismo (Meyer 1993, p. 14). De acordo com Luis
Dader, os métodos referidos por Meyer são a sondagem ou pesquisa
de opinião, o experimento psicossocial e a análise de conteúdo.
No ponto do jornalista espanhol, também autor de trabalhos sobre
o assunto, o Jornalismo de Precisão excede o campo da sociologia.
Outras áreas da investigação científica já foram abordadas com os
métodos do Jornalismo de Precisão. Exemplifica com a investigação
médica ou biológica e estudos sobre meio ambiente. Luis Dader resume
que "é o controle e a indagação sobre o método, em definitivo,
o que permite falar de Jornalismo de Precisão" (Idem, p. 15).
*Lara Viviane Silva de Lima
obtuvo el grado de Maestría en Ingeniería
de Producción en la Universidade Federal de
Santa Catarina (Florianópolis, Brasil, abril de 2000) con la
tesis Jornalismo de precisção e jornalismo científico:
estudo da aplicabilidade, del que reproducimos un fragmento
del capítulo I. Este texto fue publicado en Sala
de Prensa. (http://www.saladeprensa.org
No. 21, julio de 2000, Año III, Vol. 2). |