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Agosto - Septiembre 2002

 

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Tim Lopes: o narcisismo da miséria com sinal trocado
 

Por José Afonso Jr.
Número 28

Depois de sessenta dias do assassinato do repórter Tim Lopes, uma série de lacunas permanece excluída do debate/ polêmica. Algumas provocações serão feitas aqui, como forma de refletir esses vácuos existentes sobre o tema e mapear alguns equívocos da cobertura da mídia sobre o assunto.

A despeito da morte absolutamente trágica de um repórter em plena atividade, amplificada ainda mais pelas circunstâncias de hiper-violência presentes no caso, o jornalismo que ele praticava -e que ainda tem fervorosos discípulos- já deveria ter morrido há muito tempo.

A pretensa elevação aos céus da memória da Tim Lopes, associada e derivada da sua prática jornalística é o primeiro equívoco. O patético espetáculo de encerramento do jornal Nacional -no dia em que se confirmou a sua morte- capitaneada por William Bonner, com homenagem póstuma de mais valia jornalística, é digno de entrar para o bestiário da imprensa brasileira, no quesito unilateralidade informativa. A lógica da lavagem de honra utilizada pelo JN é provavelmente a mesma que orientava Tim Lopes na sua sede pretensamente investigativa.

Denunciar primeiro e conferir depois, está em absoluta igualdade e superficialidade para chorar e santificar primeiro sem verificar o contexto da morte do jornalista. Espécie de praga que infesta o jornalismo brasileiro, o denuncismo travestido de investigação encontra forte ecos no adesionismo de primeira linha presente no espírito corporativo dos coleguinhas.

O segundo equívoco e que provavelmente causou a morte de Tim Lopes, é a confusão generalizada entre denúncia e investigação. Investigar pressupõe: conferir informações, mapear situações e concatenações dentro do sistema investigado, estabelecer elos entre os atores e agentes envolvidos. Enfim, investigar é compleixificar uma relação que pode parecer evidente, mas não o é. Por trás de um baile funk onde haja prática de sexo (a pretensa investigação de Tim era motivada supostamente por isso), um papelote de cocaína, uma dolinha de maconha, venda de armas ou centro de prostituição, ocorrem certamente relações muito mais profundas e tentaculares do que uma micro-camera de lapela pode alcançar.

Esse desvio de função operado por Tim Lopes certamente mais cedo ou tarde resultaria em algo na proporção do que ocorreu, fosse com ele ou outro repórter. E, em absoluto, está excluído de se repetir. Usar uma micro-câmera a pretexto de dissecar um shopping de drogas ao ar livre, gravar adolescentes pobres da periferia em um baile funk é cair na tentação mais fácil do jornalista: portar-se como franco atirador da informação, flagrando o inusitado e trágico do que a nossa sociedade está dependente e transformando-o em espetáculo no horário das 20 horas. Um big brother às avessas. Sem gente bonita, sem gincanas, sem prêmios. Mas com doses de bizarrices e condições infra-humanas para sintetizar qualquer catarse.

Tim Lopes agia como um Narciso ao contrário. Ele usava a nossa miséria como forma de espelho da nossa corroída sociedade e, ao transformar em espetáculo, cuspia nessa própria imagem. Reforçava discursos viciados contra a tríade: negro, pobre e favelado. No momento de choque e de impasse diante do inexplicável ou do estapafúrdio, emergia como o profeta que tinha operado essa epifania das trevas. Para ampliar esse aspecto, vale conferir a matéria desse mês (agosto de 2002) que saiu na Trip, com o Discípulo-colega do Tim Lopes, Marcelo Rezende.

Na entrevista Rezende reforça alguns pontos de vista que indicam para a incompletude e o nevoeiro que paira sobre o caso. Ele afirma que Tim era do morro, usava e conhecia as gírias do lugar e "tinha a manha". Ora, algumas perguntas aqui não querem calar. Vamos a elas.

1 - Se ele tinha esse sovoir-faire o que levou ele a pagar esse vacilo? Erro na avaliação da situação? - Não creio. Era jornalista há 30 anos e provavelmente dominava os códigos endogênicos da vida do narcotráfico.
2 - Será que ele estava "investigando" o que realmente foi alardeado?
3 - Quais práticas ele adotou e que preços estava disposto a pagar em nome da denúncia?
4 - por que, a Rede Globo só caiu verdadeiramente no assunto depois de um repórter seu estar desaparecido fazia 4 dias? Vivemos em um mundo de redes, telefonia móvel e, nada mais ponderável, para uma mega-corporação das telecomunicações, ter para casos como estes, uma estrutura mínima montada para garantir a integridade física do Repórter.

Fico por aqui na sessão de perguntas. Não adianta mais respondê-las, pois o problema é mais profundo. Porém, vale ponderar um pouco em cima dessas hipóteses.

Voltemos para o problema do investigativo e do jornalismo que não o é.

Um dos problemas centrais é que essa prática investigativa ou denuncista fica sob completo controle do repórter e dos seus achismos, indiossincrasias, "manhas" e, por que não, preconceitos e vícios de uma profissão que, menos sabe acompanhar e explicar processos (como o tráfico de drogas, por exemplo) e mais sabe pontuar fatos-bomba e profecias auto-anunciadas.

Se você prestar atenção, verá que esse equívoco ético de prática jornalística, nas nossas sociedades ávidas por violência, espetáculo, sexo e denuncismo, podem e são facilmente adotados como modelo de prática jornalística. Atire primeiro, confira depois. Fique tranqüilo, pois o desmentido nunca tem a mesma força da denúncia, logo, se alguém sair ganhando será você: meu inescrupuloso repórter.

Segundo equívoco. Jornalismo e espetáculo são, ou deveriam ser, a princípio, esferas distintas. Ao optar em uma estratégia mais denuncista que investigativa, motivada mais pelos índices de audiência que pelo desmonte e explicitação de redes de tráfico, corrupção, etc. Cai se em territórios mais próximos do entretenimento do que da noticiabilidade. Que pertinência - a não ser pela tentação do sensacionalismo - a cobertura de um baile funk da periferia carioca - pode suscitar? Audiência, sem dúvida.

O próprio Marcelo Rezende, há alguns anos protagonizou uma série de reportagens sobre tráfico de armas que inovou no formato: nem era um documentário no estilo globo-repórter, nem uma matéria especial, mais longa, daquelas que fecham a edição de um jornal. Era uma série. Ia ao ar em blocos, dentro do JN, durante uma semana. Uma telenovela da corrupção, mercado da violência, fracionada. Inclusive com as mesmas técnicas do jogo dramático: ganchos, elipses, flash backs. Aos pedaços, o denuncismo "rende" mais. Algo mais para o jantar...?

Terceiro equívoco. A pertinência da denúncia e sua mimetização em notícia. Uma atitude de apurar informações pesadas e fortes não se converte necessariamente em investigação. Tim Lopes parecia ignorar esse aspecto. Ao confundir isso com prática válida de jornalismo, pode se ter dificuldades em reconhecer a face do jornalismo em si. Cercar a morte trágica de Tim Lopes de uma aura de "nobreza" investigativa é um exercício tosco, justificado apenas pelo drama e tragédia do dia-a-dia.

A função dessa espécie de jornalismo na esfera psicossocial, pode ser mais facilmente entendida se compararmos ela a uma tourada. Onde temos, na consumação de uma imagem de bravura que recai sobre o toureiro. Lembremos porém, que tanto na tourada, como no jornalismo denuncista, temos uma série de pressupostos. No denuncismo temos o clichê social, o preconceito como um à priori e o flagrante sem compromisso com as causas que levam a sua verificação. Por outro lado, os pressupostos da tourada são: surrar e espetar o touro previamente, deixá-lo fraco, para finalmente, ser finalizado pelo toureador. Em ambos exemplos o que justifica os pressupostos é o espetáculo para a platéia e/ ou a tele-audiência.

Na verdade, em ambos os casos, o que temos é uma farsa. Em ambos os casos temos a falsa idéia que se trata de um embate entre a brutalidade (o tráfico-crime/ touro) e a astúcia inteligente (o repórter/ toureador). Vítima de inúmeros procedimentos visando a unilateralidade do conflito, o touro/ crime, já está derrotado de antemão. É uma dinâmica sustentada para o espetáculo e paga com a moeda da trapaça. Mais uma vez, em ambos os casos, o toureiro com seu sabre e Tim Lopes com sua micro-camera não são heróis operando cenas de um épico. São ambos, seres fracos que transformam a covardia em espetáculo de coragem. É um charlatanismo em rara sofisticação.

Esse é precisamente o quarto equívoco. A tourada e o jornalismo-denuncista operam em cima de pressupostos, de teses já prontas à busca de sua confirmação. Um espetáculo que só se completa em sentido com a aniquilação do objeto, seja o touro o a exibição de cenas de narcotráfico.

Mas, o preço a se pagar em ambos os casos é alto. O jornalista de denúncia, paga o preço de ser um instrumento de catarse pagã de uma civilização suja e doente. Conforme o próprio Marcelo Rezende coloca na matéria da Revista Trip, não pode ter vida pública, vive se escondendo, mudando de casa, dormindo em hotéis, longe de amigos, sem chance de ir ao cinema, supermercado, enfim.

Para terminar, gostaria de lembrar-lhes que, vez por outra, o touro vence. Foi isso que aconteceu..


José Afonso Jr.
Professor de jornalismo da UFPE e doutorando em Comunicação na FACOM-UFBA, Brasil..