|
Por Juliana de Brum
Número 35
Resumo
A hipótese do agenda setting é um tipo de efeito
social da mídia que compreende a seleção, disposição
e incidência de notícias sobre os temas que o público
falará e discutirá. O presente artigo pretende apresentar
uma revisão teórica e uma análise crítica
da hipótese do agenda setting, partindo deste conceito
e percorrendo caminhos que levam a um breve histórico dos
estudos e o funcionamento do processo de agendamento. Com isso,
espera-se obter uma compreensão deste conceito assim como
de suas características e limitações.
Palavras-chave: agenda setting, mídia, efeitos dos meios
de comunicação
Abstract
The agenda setting hypothesis is a kind of social effect of the
media that embodies the selection, disposition, and incidence of
news about the issues people will discuss and talk about. The present
article presents a literature review and a critical analysis of
the agenda setting hypothesis, starting with this concept and walking
ways that take to a brief historical description of the studies
and functioning of the agenda setting process. We hope to comprehend
this concept as well as its characteristics and limitations.
Key words: agenda setting, media, effects of communication means
Introdução
O estudo dos efeitos dos meios de comunicação tem
importância para a sociedade, uma vez que se compreende como
estes meios trabalham na formação da opinião
pública. É inegável a influência dos
meios de comunicação no cotidiano das pessoas, visto
que temos uma infinidade de informações que são
disseminadas por estes canais. A pauta das conversas interpessoais
é sugerida pelos jornais, televisão, rádio
e internet, propiciando aos receptores a hierarquização
dos assuntos que devem ser pensados/falados. A realidade social
passa a ser representada por um cenário montado a partir
dos meios de comunicação de massa.
A corrente de investigação que estuda sobre o quê
e como os assuntos devem ser pensados é a hipótese
do agenda setting. Com origem americana, o primeiro estudo
foi desenvolvido pelos pesquisadores Maxwell McCombs e Donald Shaw
em 1972, embora sua essência tenha sido indicada no ano de
1922 por Walter Lippmann em sua obra clássica Public Opinion.
A curiosidade pelos efeitos dos meios de comunicação
na opinião pública produziu uma vasta literatura sobre
o agenda setting. Os estudos são aplicados, em sua
maioria, em períodos de campanhas eleitorais. Entende-se
que uma eleição fornece subsídios suficientes
para uma análise de influência dos meios de comunicação
sobre a opinião pública, pois são produzidas
muitas informações que serão assimiladas pelo
público.
Inserido neste contexto, este artigo pretende apresentar uma revisão
teórica e uma análise crítica da hipótese
do agenda setting, englobando seu conceito, principais estudos
e o funcionamento do processo de agendamento. Com isso, espera-se
obter uma compreensão deste conceito assim como de suas características
e limitações.
A Hipótese Do Agenda Setting
Dentro do contexto dos estudos sobre os efeitos dos meios de comunicação
na sociedade, surge nos anos 70 a investigação da
hipótese do agenda setting. Esta linha de pesquisa
propõe uma nova etapa de investigação sobre
os efeitos da comunicação de massa. Desta maneira,
tem-se um conceito do poder que o jornalismo [leia-se também
que a mídia] exerce sobre a opinião pública.
Este conceito remete à hipótese do agenda setting,
que em definição simples é "... um tipo
de efeito social da mídia. É a hipótese segundo
a qual a mídia, pela seleção, disposição
e incidência de suas notícias, vem determinar os temas
sobre os quais o público falará e discutirá"
(Barros Filho, 2001, p. 169). A essência do conceito não
está muito longe da realidade, pois se tem, constantemente
uma enxurrada de informações que são selecionadas
e dispostas de maneira que algumas notícias recebem uma ênfase
maior, como é o caso das notícias que aparecem na
capa dos jornais, revistas, telejornais.
Os pesquisadores Maxwell McCombs e Donald Shaw, pioneiros na apresentação
da hipótese do agendamento, ao tratar deste tema, confirmam
que a mídia tem a capacidade de influenciar a projeção
dos acontecimentos na opinião pública, estabelecendo
um pseudo-ambiente fabricado e montado pelos meios de comunicação.
Em um estudo realizado em 1979, Shaw relata que a hipótese
do agenda setting, em conseqüência da ação
dos meios de informação, realça ou negligencia
elementos específicos dos cenários públicos.
As pessoas têm tendência para incluir ou excluir dos
seus próprios conhecimentos aquilo que os mass media
incluem ou excluem do seu próprio conteúdo. Além
disso, o público tende a atribuir àquilo que esse
conteúdo inclui uma importância que reflete de perto
a ênfase atribuída pelos mass media aos acontecimentos,
aos problemas, às pessoas (Shaw, E. apud Wolf, 2001, p.144).
Observa-se uma convergência na conceitualização
dos autores sobre a hipótese do agenda setting. A
mídia é apresentada como agente modificador da realidade
social, apontando para o público receptor sobre o quê
se deve estar informado. Na perspectiva dos autores, esta construção
configura-se como um poder que os meios de comunicação
exercem sobre a opinião pública, a sociedade.
Os pioneiros na apresentação da hipótese do
agenda setting foram Maxwell McCombs e Donald Shaw em seu artigo
intitulado The Agenda Setting Function of Mass Media (1972).
Este estudo tinha o propósito de investigar a capacidade
de agendamento dos media na campanha presidencial de 1968
nos Estados Unidos, além de confrontar o que os eleitores
de Chapel Hill (local escolhido para a realização
da pesquisa) afirmaram serem as questões chaves da campanha
com o conteúdo expresso pelos medias (McCOMBS e SHAW,
1972 In: TRAQUINA, 2000, p. 49). Os autores pretendiam averiguar
também se as idéias que os votantes julgavam como
temas mais relevantes eram moldadas pela cobertura jornalística
dos meios de comunicação (Weaver, 1996, p. 2).
Para a realização da pesquisa, foi feita uma pergunta
de triagem com a finalidade de identificar os eleitores que não
tinham seu candidato definido. A opção por estes eleitores
justifica-se como sendo provavelmente os mais abertos ou suscetíveis
à informação eleitoral. (McCOMBS e SHAW, 1972
In: TRAQUINA, 2000, p. 49).
Na seqüência da entrevista pediu-se para os entrevistados
ordenarem as questões que eles achavam mais importantes.
A questão era colocada da seguinte maneira: "O que é
que o tem preocupado mais durante estes dias? Isto é, sem
ter em conta aquilo que os políticos dizem, quais são
as duas ou três questões sobre cuja resolução
acha que o Governo deveria se empenhar?" (McCOMBS e SHAW, 1972
In: TRAQUINA, 2000, p. 50).
Paralelamente à realização das entrevistas,
foi feita uma análise de conteúdo nos meios de comunicação
local, regional e nacional. O material analisado foi codificado
entre mais importante e menos importante. Os itens menos importantes
eram notícias de natureza política, mais reduzidas
em termos de espaço, tempo ou divulgação. Na
codificação de conteúdos mais importantes,
McCombs e Shaw (1972, pp. 50-51) classificaram como segue abaixo:
- Televisão:
qualquer notícia de 45 segundos ou mais e/ou uma das três
notícias de abertura.
- Jornais:
qualquer notícia que surgisse como manchete na primeira
página ou em qualquer página sob um cabeçalho
a três colunas em que pelo menos um terço da notícia
(num mínimo de cinco parágrafos) fosse dedicado
à cobertura de caráter político.
- Revistas
informativas: qualquer notícia com mais de uma coluna ou
qualquer item que surgisse no cabeçalho no início
da seção noticiosa da revista.
- Cobertura
da Página Editorial de jornais e revistas: qualquer item
na posição do editorial principal (o canto superior
esquerdo da página editorial), mais todos os itens em que
um terço (pelo menos cinco parágrafos) de um comentário
editorial ou de um colunista era dedicado à cobertura de
campanha política.
Neste estudo, McCombs e Shaw (1972) concluíram que
o
mundo político é reproduzido de modo imperfeito
pelos diversos órgãos de informação.
Contudo, as provas deste estudo, de que os eleitores tendem a
partilhar a definição composta dos media
acerca do que é importante, sugerem fortemente a sua função
de agendamento (McCombs e Shaw, 1972, In: Traquina, 2000, p.57).
Weaver
(1996, p. 2) descreve que McCombs e Shaw (1972) encontraram uma
forte correlação entre a hierarquia dos temas estabelecidos
pelos meios de comunicação e a hierarquia temática
expressada pelos votantes. Esta conclusão sugere que os media
têm uma boa influência sobre os eleitores ou uma sensibilidade
acerca das preocupações dos eleitores. Se avaliado
desta forma, os meios teriam uma influência direta sobre as
opiniões das pessoas, retornando à teoria hipodérmica.
Mas a essência do agenda setting procura identificar
se os temas que são expostos na grande mídia tornam-se
importantes para os receptores, assim como se são pauta das
conversas diárias.
Apesar da hipótese do agenda setting ter sido avançada
por McCombs e Shaw (1972), muitos pesquisadores já estudavam
a atenção que o público dirigia para os temas
propostos pela imprensa. Em 1922, Walter Lippmann, em Public
Opinion, já destacava o papel da imprensa no enquadramento
da atenção dos leitores em direção a
temas por ela impostos como "de maior interesse coletivo".
No capítulo inicial do livro de Lippmann, ele faz menção
ao modo como as pessoas chegam a conhecer o mundo exterior e sua
própria existência, como formam as imagens em suas
mentes. Os meios de difusão (meios de comunicação)
modelam essas imagens ao selecionar e organizar símbolos
de um mundo real (Barros Filho, 2001, p. 174).
Também antecipando a idéia central da hipótese
do agenda setting, Park (1925), em sua obra The City,
destacava que os meios de comunicação definiam uma
certa ordem de preferências temáticas. Já em
1958, em artigo escrito por Long, a hipótese do agendamento
temático foi claramente enunciada: "o jornal é
o primeiro motor da fixação da agenda territorial.
Ele tem grande participação na definição
do que a maioria das pessoas conversarão, o que as pessoas
pensarão que são os fatos e como se deve lidar com
os problemas" (Long apud Barros Filho, 2001, p. 175).
De acordo com McCombs e Shaw (1972), o conceito mais sucinto, anterior
ao primeiro estudo empírico do agenda setting, é
formulado por Cohen em 1963: "embora a imprensa, na maior parte
das vezes, possa não ser bem sucedida ao indicar às
pessoas como pensar, é espantosamente eficaz ao dizer aos
seus leitores sobre o que pensar" (McCombs e Shaw, 1972 In:
Traquina, 2000, p.49).
Dentro da perspectiva histórica de estudos pré-McCombs
e Shaw sobre o agenda setting, Lang e Lang (1966) também
denunciavam a hierarquização temática dos meios
de comunicação:
Os
mass media centram a atenção em certas questões.
Constroem imagens públicas de figuras políticas.
Apresentam constantemente objetos que sugerem em que deveríamos
pensar, o que deveríamos saber e o que deveríamos
sentir....Os materiais que os meios de comunicação
selecionam podem nos dar uma semelhança de um 'conhecimento'
do mundo político (Lang e Lang, 1966 In: Moragas, 1985,
pp.89-90).
Todos
estes estudos já identificavam a coincidência dos temas
da mídia e dos temas das conversas interpessoais, mas não
conceitualizavam como agenda setting. Muito antes de se ter
o conceito de agenda setting, a imprensa já exercia
seu papel de "estruturadora" de percepções
e cognições a respeito dos acontecimentos da realidade
social. Nos dias atuais a mídia também desempenha
este papel, como por exemplo, em coberturas de eleições
ou um fato inusitado, fazendo enquadramentos (frames) do
assunto, ou seja, acentuando um ou outro ângulo.
Na seção seguinte é abordado o principal estudo
após a pesquisa seminal de McCombs e Shaw, assim como indicações
de estudos mais recentes sobre o agenda setting.
Estudos
Pós-McCombs e Shaw
McCombs
e Shaw desenvolveram outra pesquisa durante as eleições
presidenciais de 1972, que ficou conhecida como Charlotte
Study. Houve duas diferenças do estudo anterior: a
amostra foi mais abrangente e representativa (pessoas que já
tinham o voto decidido, assim como os indecisos) e os respondentes
foram entrevistados em momentos sucessivos da campanha (Barros Filho,
2001, p. 178).
O objetivo desse estudo era constatar as alterações
da agenda do público em momentos diferentes e com isso comprovar
que a cobertura midiática antecede os temas em relação
aos temas das relações interpessoais. Dessa maneira,
a mesma amostragem foi ouvida três vezes: antes das convenções
dos partidos, no momento mais intenso da campanha e durante as eleições
(Barros Filho, 2001, p. 178). Outro ponto verificado no estudo de
Charlotte é que a conversa interpessoal também
influencia na escolha do candidato. A agenda interpessoal reforça
a dos media, pois as pessoas acabam conversando sobre o que
é exposto pelos meios de comunicação. Neste
estudo foi constatado que algumas pessoas se expõem mais
do que outras aos media (Rodrigues, 1997, p. 3).
A explicação de McCombs e Shaw tem três componentes:
interesse pelo conteúdo da mensagem, incerteza sobre o objeto
da mensagem e esforço para compreendê-la. Os dois últimos
componentes foram utilizados pelo agenda setting para explicar
o que os autores chamam de "necessidade de orientação"
(Rodrigues, 1997, p. 3).
Desde o estudo de Chapel Hill, McCombs e Shaw abriram novas
linhas de investigação que vieram motivar a produção
de mais de 350 artigos e livros na pesquisa sobre o agendamento.
Trabalhos similares sobre a determinação do repertório
temático dos meios de comunicação, utilizando
metodologias diferentes, períodos de análises, instrumentos
de medida e técnicas de análise de dados foram realizados.
Estes estudos são encontrados em Roessler, 1999; Golan e
Wanta, 2001; Rössler e Schenk, 1999; Kiousis et al. 1999; McCombs
et al., 1997; McCombs et al., 2000; Althaus e Tewksbury, 2002 entre
outros.
Para se estudar as relações entre público e
imprensa ou somente os movimentos da imprensa, o estudo do agenda
setting compreende um processo que pode ser chamado de processo
de agendamento. Este processo é descrito através de
uma tipologia de estudos, agendas e conceitos de determinação
do agenda setting que serão descritos a seguir.
Tipos
de Estudos e Tipos de Agenda
Após o estudo de Charlotte (1977), McCombs estabeleceu
uma tipologia de estudos sobre o agenda setting que recebeu
o nome de "Tipologia de Acapulco", pois foi apresentada
no congresso da International Communication Association em
Acapulco (Barros Filho, 2001, p. 179). Essa tipologia tem dois referenciais:
o número de temas analisados e o número de pessoas
perguntadas. Conforme Barros Filho (2001, p. 179), esses dois referenciais,
combinados dois a dois, fazem quatro tipos de estudos que são:
a) o primeiro, que envolve vários temas com uma população
de mais de um indivíduo (Chapel Hill e Charlotte);
b) o segundo, que envolve vários temas, mas estudados em
função da agenda de um só indivíduo;
c) o terceiro, em que se elege um tema específico e se analisa
seu posicionamento da agenda de um grupo e d) o quarto tipo, em
que um só tema é classificado na agenda de um só
indivíduo.
Em relação aos tipos de agendas, também se
tem uma classificação: a) agenda individual ou intrapessoal
- corresponde às preocupações sobre as questões
públicas que cada indivíduo interioriza; b) agenda
interpessoal - são os temas mencionados nas relações
interpessoais, percebidos por cada sujeito e discutidos nas suas
relações; c) agenda da mídia - é o elenco
temático selecionado pelos meios de comunicação;
d) agenda pública - é o conjunto de temas que a sociedade
como um todo estabelece como relevante e lhes dá atenção
e e) agenda institucional - são as prioridades temáticas
de uma instituição (Barros Filho, 2001, p. 179).
Os estudos referentes ao agenda setting, em sua maioria,
são respeitantes à relação entre a agenda
da mídia e a agenda pública. É uma preocupação
constante dos pesquisadores analisar os efeitos da mídia
na opinião pública.
A seguir, cada uma destas agendas - agenda da mídia
e agenda pública - será explicitada para uma
maior compreensão do processo de agendamento.
A
Agenda da Mídia e a Agenda Pública
O processo de agendamento pode ser descrito como um processo interativo.
A influência da agenda pública sobre a agenda da mídia
é um processo gradual através do qual, a longo prazo,
se criam critérios de noticiabilidade, enquanto a influência
da agenda da mídia sobre a agenda pública é
direta e imediata, principalmente quando envolve questões
que o público não tem uma experiência direta.
Desta maneira, propõe-se que a problemática do efeito
do agendamento seja diferente de acordo com a natureza da questão
(Ebring et al. apud Traquina, 2000, p. 33).
Ferreira (2000, p. 13) explica que a imposição do
agendamento forma-se através de dois vieses: (1) a "tematização
proposta pelos mass media", conhecida como ordem do
dia, que serão os assuntos propostos pela mídia e
que se tornarão objeto das conversas das pessoas, da agenda
pública; (2) a hierarquização temática,
que são os temas em relevo na agenda da mídia e que
estarão também em relevo na agenda pública,
assim como os temas sem grande relevância estabelecida pelos
mass media terão a mesma correspondência junto
ao público.
Outra questão-chave no processo de agendamento diz respeito
às pessoas. A agenda da mídia tem maior efeito nas
pessoas que participam de conversas sobre questões levantadas
pelos meios de comunicação social do que nas pessoas
que não participam deste tipo de conversas (McLeod et al.
apud Traquina, 2000, p. 33). Além do acesso aos meios de
comunicação e às conversas interpessoais, as
pessoas possuem uma necessidade de orientação, que
segundo McCombs e Weaver (1977) é definida por: "uma
junção de duas variáveis: alto interesse e
um alto nível de incerteza. Assim, o efeito de agendamento
ocorre com pessoas que têm uma grande necessidade de obter
informação sobre um assunto; devido a esta 'necessidade
de orientação', estas pessoas expõem-se mais
aos media noticiosos, provocando maiores efeitos de agendamento"
(McCombs e Weaver apud Traquina, 2000, p. 33-34).
Em outro estudo de Weaver et al. (1975, p. 67), os autores sublinham
que o impacto da função do agendamento não
é igual para todas as pessoas e depende da necessidade de
orientação. Para as pessoas com grande necessidade
de orientação, os meios de comunicação
social fazem mais do que reforçar opiniões existentes,
eles podem orientar a atenção para questões
e tópicos específicos.
Outro aspecto na pesquisa sobre o agendamento é que o efeito
da agenda da mídia varia segundo a natureza do assunto, distinguindo
entre questões envolventes, ou seja, que as pessoas
podem mobilizar a sua experiência direta e questões
não envolventes, que estão mais distantes das
pessoas, que elas não tem experiência direta. Esta
classificação foi estabelecida por Zucker (1978) em
um estudo que comprovou a influência dos medias nas
questões não envolventes (Zucker apud Traquina,
2000, pp. 34-35).
Conceitos
de Determinação da Hipótese do Agenda Setting
Em estudos realizados por autores brasileiros (Golembiewski, 2001;
Jahn, 2001; Hohlfeldt, 1997), alguns conceitos básicos são
apontados e utilizados para determinar o efeito do agenda setting.
Baseado em estudos anteriores, Hohlfeldt (1997, pp. 49-50) aponta
os seguintes conceitos:
-
Acumulação: capacidade que a mídia tem de
dar relevância a um determinado tema, destacando-o do imenso
conjunto de acontecimentos diários;
- Consonância:
apesar de suas diferenças e especificidades, os mídias
possuem traços em comum e semelhanças na maneira
pela qual atuam na transformação do relato de um
acontecimento que se torna notícia;
- Onipresença:
um acontecimento que, transformado em notícia, ultrapassa
os espaços tradicionalmente ocupados a ele. O acontecimento
de polícia pode ser abordado em outras editorias dos meios
de comunicação;
- Relevância:
quando um determinado acontecimento é noticiado por todos
os diferentes mídias, independente do enfoque que lhe seja
atribuído;
- Frame
Temporal: o período de levantamento de dados das duas ou
mais agendas (isto é, a agenda da mídia e a agenda
pública, por exemplo);
- Time-lag:
é o intervalo decorrente entre o período de levantamento
da agenda da mídia e a agenda do público, ou seja,
como se pressupõe a existência e um efeito da mídia
sobre o público;
- Centralidade:
capacidade que os mídias têm de colocar como algo
importante determinado assunto;
- Tematização:
está implicitamente ligado à centralidade, pois
é a capacidade de dar o destaque necessário (sua
formulação, a maneira pela qual o assunto é
exposto), de modo a chamar a atenção. Um dos desdobramentos
deste item é a suíte de uma matéria, ou seja,
múltiplos enfoques que a informação vai recebendo
para manter presa a atenção do receptor;
- Saliência:
valorização individual dada pelo receptor a um determinado
assunto noticiado;
- Focalização:
é a maneira pela qual a mídia aborda determinado
assunto, utilizando uma determinada linguagem, recursos de editoração.
Eyal
et al. (1981) estabelecem mais um conceito dentro dos parâmetros
temporais do efeito do agenda setting: duração
do efeito ótimo. Este conceito aborda o período
em que se estabelece a máxima associação entre
o ápice dos temas, por parte dos meios de comunicação,
e o seu realce nos conhecimentos do público (Eyal et al.
apud Wolf, 2000, p.170).
Limitações
Metodológicas da Hipótese do Agenda Setting
A base metodológica dos estudos sobre o agenda setting
se fundamenta em dois procedimentos: a análise de conteúdo
dos meios de comunicação e a pesquisa de opinião.
Entre estes dois aspectos muitas variáveis são definidas,
o que provavelmente causa discussão com relação
aos determinantes dos efeitos do agenda setting.
Segundo Barros Filho (2001, p. 180), a primeira variável
das pesquisas de agenda setting diz respeito ao período
de eficácia, ou como foi definido anteriormente, duração
do efeito ótimo. Não há uma harmonia na definição
de prazos para a constatação dos efeitos. Muitos autores
se limitam à análise de prazos curtos, embora o agenda
setting esteja no rol dos efeitos a longo prazo.
Outro ponto que causa desentendimentos sobre a hipótese,
é a falta de rigor na utilização dos termos.
Conforme aponta Barros Filho (2001, pp.180-181),
observamos
que essa falta de rigor costuma começar pela própria
noção de agendamento. O que é a determinação
da agenda (agenda setting)? Trata-se de dar a conhecer
ao receptor (que, não fosse pelos meios, não se
inteiraria do fato)? Ou se trata de uma hierarquização
temática (quando os meios determinam qual a importância
a dar a este ou àquele fato)? Ou ainda de impor uma abordagem
específica ao fato, enfocando o tema desta ou daquela maneira?
A
última crítica que Barros Filho (2001, p. 181) faz
à hipótese do agenda setting é a pouca
diversidade de temas estudados pelas pesquisas comprobatórias.
Os pesquisadores têm grande fascínio por estudos que
envolvam as campanhas eleitorais, negligenciando outros temas, como
por exemplo, esporte, economia, variedades.
Uma outra discussão que se faz necessária e oportuna
é quanto à definição de hipótese
ou teoria. Para Hohlfeldt (1997, p.43),
teoria
é um paradigma fechado, um modo 'acabado', e neste sentido
infenso a complementações ou conjugações,
pela qual 'traduzimos' uma determinada realidade segundo um certo
'modelo'. Uma hipótese, ao contrário, é um
sistema aberto, sempre inacabado, infenso ao conceito de 'erro'
característico de uma teoria.
Para
o autor, a hipótese é sempre uma experiência,
um caminho a ser comprovado e que se não 'der certo' em uma
situação específica, não invalida a
perspectiva teórica. Conforme Trumbo (1995), o agenda
setting não pode ser considerado uma teoria, pois ainda
está na trajetória da investigação e
da descoberta (Trumbo apud Rodrigues, 1997, p. 2). Por este motivo,
convencionou utilizar-se neste artigo o termo hipótese ao
termo teoria.
A escolha do campo político como preferido para as investigações
revela o potencial que este tema possui. Uma vez que a cobertura
de uma campanha eleitoral compreende seis meses ou mais, os pesquisadores
possuem material suficiente para aplicar os esquemas metodológicos
na busca pela comprovação da hipótese do agendamento.
Durante o período eleitoral, muitos elementos podem emergir
de uma cobertura jornalística e refletir na opinião
dos receptores. É neste momento que os candidatos e partidos
estão mais vulneráveis ao julgamento da imprensa e
da sociedade.
Outra justificativa do fascínio pelo tema, principalmente
as eleições, é devido à natureza do
assunto. As eleições possuem um caráter democrático,
mobilizando a população de um país, estado
ou município. Mais do que um acontecimento ideológico
pode-se dizer que as eleições funcionam como um acontecimento
afetivo, ou seja, as pessoas podem se identificar com um candidato
pela sua maneira de ser ou por suas idéias.
Discussão
O objetivo deste artigo foi apresentar uma revisão teórica
e uma análise crítica dos elementos que compõem
a noção de agenda setting. Isto foi possível
por caminhos percorridos através do conceito, apresentação
dos principais estudos da área e o processo de agendamento,
assim como suas limitações. Com isso, espera-se estimular
pesquisas nesta linha de investigação, para que se
possa desvendar as relações estabelecidas entre público
e imprensa.
Sintetizando as idéias expostas, verifica-se que o conceito
de agendamento é muito mais abrangente e complexo do que
o proposto inicialmente. O artigo seminal de McCombs e Shaw (1972)
proporcionou diversas linhas de investigação em torno
da hipótese. Nesta perspectiva, segundo o filósofo
da ciência James Conant (1951), "a marca distintiva de
uma teoria de sucesso é a sua capacidade para gerar continuamente
novas questões e identificar novos percursos de pesquisa
acadêmica" (McCombs e Shaw, 1993 In: Traquina, 2000,
p.126).
Neste sentido, observa-se que a hipótese do agenda setting
torna-se relevante nos estudos de comunicação. Embora
não seja a única linha de investigação
que estuda as relações da mídia com a sociedade,
é relevante e pertinente o aprofundamento de suas características.
No rol das investigações sobre a relação
mídia-sociedade têm-se atualmente os Estudos de Recepção,
que possuem como marca distintiva a pesquisa etnográfica.
Este tipo de pesquisa fundamenta-se em metodologias que utilizam
entrevistas em profundidade e observação participante,
que objetivam o entendimento da produção de sentido
realizada pelos receptores no momento de assistência a um
produto midiático.Nos estudos de recepção,
parte-se do princípio que o receptor é ativo e que
interage com a mensagem transmitida pelos meios de comunicação.
Com este princípio bem definido, a partir dos anos 80, grupos
de investigadores da América Latina resolveram fazer uma
abordagem que superasse o modelo tradicional da comunicação.
Ou seja, superar de vez o pensamento de efeitos diretos e imediatos
sobre o receptor (Gomes e Cogo, 1998, p. 17).
Desta forma, o estudo da hipótese do agenda setting
é apenas uma maneira de se observar as relações
mídia-sociedade. Conforme a sociedade e os meios de comunicação
modificam-se, surgem novas perspectivas para o entendimento desta
relação. Assim, os estudos de recepção
podem complementar os estudos do agenda setting, assim como
o inverso.
Referencias:
ALTHAUS,
Scott L.; TEWKSBURY, David. Agenda Setting and the "New"
News: Patterns of issue importance among readers of the paper and
online versions of the New York Times. Communication Research,
vol. 29, n. 2, p. 180-207, abr. 2002.
BARROS FILHO, Clóvis de. Ética na Comunicação:
da informação ao receptor. São Paulo: Moderna,
2001.
FERREIRA, Giovandro Marcus. Os Meios de Comunicação
pelo viés do Paradigma da Sociedade de Massa. Disponível
em: <http://www.intercom.org.br/papers/xxiiici/gt20/gt20a8.pdf>
Acesso em: 17 abr. 2002.
GOLAN, Guy; WANTA, Wayne. Second-Level agenda setting in the New
Hampshire primary: a comparison of coverage in three newspapers
and public perceptions of candidates. Journalism & Mass Communication
Quarterly, vol. 78, n. 2, p. 247-259, summer, 2001.
GOLEMBIEWSKI, Carlos. O Impeachment na mídia: o caso Paulo
Afonso em Santa Catarina. Disponível em: <http://cehcom.univali.br/monitordemidia/artigos/golemba.pdf>
Acesso em: 22 jul. 2002.
GOMES, Pedro Gilberto. COGO, Denise Maria. O adolescente e a
televisão. Porto Alegre: Editora Unisinos, 1998.
HOHLFELDT, Antonio. Os estudos sobre a hipótese de agendamento.
Revista Famecos, Porto Alegre, n. 7, p. 42-51, nov. 1997.
JAHN, Carlos Alberto. Hipótese Agenda Setting: estudo
do caso "apagão" segundo Zero Hora. Porto Alegre:
PUCRS, 2001. Trabalho de Pós-Graduação não
publicado, Faculdade de Comunicação Social, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2001.
KIOUSIS, Spiro; BANTIMAROUDIS, Philemon; BAN, Hyun. Candidate Images
Attributes: experiments on the substantive dimension of second level
agenda setting. Communication Research, vol 26, n. 4, p.
414-428, ago. 1999.
LANG, K.; LANG, G. Los mass media y las elecciones,1966 In: MORAGAS,
M. de (ed). Sociologia de la Comunicación de Masas: propaganda
política y opinión pública. Barcelona:
Gustavo Gili, 1985. 3v.
McCOMBS, Maxwell E.; SHAW, Donald L. A evolução da
pesquisa sobre o agendamento: vinte e cinco anos no mercado de idéias,1993
In: TRAQUINA, Nelson. O Poder do Jornalismo: análise e
textos da teoria do agendamento. Coimbra: Minerva, 2000.
McCOMBS, Maxwell E.; SHAW, Donald L. A função do agendamento
dos media,1972 In: TRAQUINA, Nelson. O Poder do Jornalismo: análise
e textos da teoria do agendamento. Coimbra: Minerva, 2000.
McCOMBS, Maxwell; LLAMAS, Juan Pablo; LOPEZ-ESCOBAR, Esteban; REY,
Frederico. Candidate Images in Spanish Elections: second-level agenda-setting
effects. Journalism & Mass Communication Quarterly, vol
74, n. 4, p. 703-717, winter. 1997.
McCOMBS, Maxwell E.; LOPEZ-ESCOBAR, Esteban; LLAMAS, Juan Pablo.
Setting the agenda of attributes in the 1996 Spanish general election.
Journal of Communication, vol 50, n. 2, p. 77-92, spring.
2000.
MORAGAS, M. de (ed). Sociologia de la Comunicación de
Masas: propaganda política y opinión pública.
Barcelona: Gustavo Gili, 1985. 3v.
RODRIGUES, Malena Rehbein. Do Agenda Setting ao Congresso Nacional:
um processo de muitas vias. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/xxi-ci/gt03/gt0304.pdf>
Acesso em: 22 jul. 2002.
ROESSLER, Patrick. The individual agenda-designing process: How
interpersonal communication, egocentric networks, and mass media
shape the perception of political issues by individuals. Communication
Research, Londres, v. 26, n. 6, p. 666-700, dez, 1999.
RÖSSLER, Patrick; SCHENK, Michel. Cognitive bonding and
the German Reunification: Agenda-Setting and persuasion effects
of mass media. Disponível em: <http://www3.oup.co.uk/search97cgi/s97_cgi>
Acesso em: 14 nov. 2001.
TRAQUINA, Nelson. O Poder do Jornalismo: análise e textos
da teoria do agendamento. Coimbra: Minerva, 2000.
WEAVER, David H.. Canalización Mediática ("Agenda
Setting") y Elecciones en Estados Unidos. Disponível
em: <http://www.ucm.es/info/per3/cic/cic3ar12.htm>
Acesso em: 20 nov. 2001.
WEAVER, David H.; McCOMBS, Maxwell E.; SPELLMAN, Charles. Watergate
e os media: análise de um caso de agendamento,1975 In: TRAQUINA,
Nelson. O Poder do Jornalismo: análise e textos da teoria
do agendamento. Coimbra: Minerva, 2000.
WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. 6.ed.
Lisboa: Presença, 2001.
Mtra.
Juliana de Brum Fernandes
Universidade
do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos, Brasil. |