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Por André Lemos
Número 41
Não estamos
na era da informação. Não estamos na era da
Internet. Nós estamos na era das conexões. Ser conectado
está no cerne da nossa democracia e nossa economia. Quanto
maior e melhor forem essas conexões, mais forte serão
nossos governos, negócios, ciência, cultura, educação...
David Weinberger
Introdução
Estamos vivenciando profundas modificações no espaço
urbano, nas formas sociais e nas práticas da cibercultura
com a emergência das novas formas de comunicação
sem fio. Duas formas técnicas e correlatos fenômenos
sociais serão analisados aqui: as práticas com telefonia
celular, que estão transformando o telefone móvel
em um “controle remoto do quotidiano”, e as práticas
de conexão à internet sem fio, conhecido como “Wi-Fi”,
oferecendo novas dinâmicas de acesso e de uso da rede nas
metrópoles contemporâneas. A partir dessas tecnologias
de comunicação sem fio, analisaremos as práticas
conhecidas como “smart mobs” e “flash mobs”.
O que pretendemos mostrar é que a era da informação,
caracterizada pela transformação de átomos
em bits (Negroponte, 1995), pela convergência tecnológica
e pela informatização total das sociedades contemporâneas
(Castells, 1996) passa hoje por uma nova fase, a dos computadores
coletivos móveis, que chamaremos aqui de “era da conexão”
(Weinberger, 2003), caracterizando-se pela emergência da computação
ubíqua, pervasiva (“pervasive computing”, permeante,
disseminada) ou senciente3.
Cidade, cibercultura e conexão
A informatização da sociedade, que começa na
década de 70 do século XX, parece já estar
estabelecida nas principais cidades ocidentais desenvolvidas. O
que está em jogo nesse começo de século XXI
é o surgimento de uma nova fase da sociedade da informação,
iniciada com a popularização da internet na década
de 80, e radicalizada com o desenvolvimento da computação
sem fio, pervasiva e ubíqua, a partir da popularização
dos telefones celulares, das redes de acesso à internet sem
fio (“Wi-Fi” e “Wi-Max”) e das redes caseiras
de proximidade com a tecnologia “bluetooth”4.
Trata-se de transformações nas práticas sociais,
na vivência do espaço urbano e na forma de produzir
e consumir informação. A cibercultura (Lemos, 2002)
solta as amarras e desenvolve-se de forma onipresente, fazendo com
que não seja mais o usuário que se desloca até
a rede, mas a rede que passa a envolver os usuários e os
objetos numa conexão generalizada.
O desenvolvimento da cibercultura
se dá com o surgimento da micro-informática nos anos
70, com a convergência tecnológica e o estabelecimento
do personal computer (PC). Nos anos 80-90, assistimos a popularização
da internet e a transformação do PC em um “computador
coletivo”, conectado ao ciberespaço, a substituição
do PC pelo CC (Lemos 2003). Aqui, a rede é o computador e
o computador uma máquina de conexão. Agora, em pleno
século XXI, com o desenvolvimento da computação
móvel e das novas tecnologias nômades (laptops,
palms, celulares), o que está em marcha é
a fase da computação ubíqua, pervasiva e senciente,
insistindo na mobilidade. Estamos na era da conexão. Ela
não é apenas a era da expansão dos contatos
sobre forma de relação telemática. Isso caracterizou
a primeira fase da internet, a dos “computadores coletivos”
(CC). Agora temos os “computadores coletivos móveis
(CCm)”. Podemos esboçar uma pequena cronologia.
Na primeira fase da micro-informática,
nos anos 70-80, surgem os PC. Na segunda fase, com a decolagem da
internet, surgem os CC, nos anos 80 e 90. Aqui a idéia é
que os computadores sem conexão são instrumentos sub-aproveitados
e que, na verdade, o verdadeiro computador é a grande rede.
Agora, com o desenvolvimento das tecnologias móveis, o CCm
estabelece-se com a computação ubíqua sem fio.
Trata-se da ampliação de formas de conexão
entre homens e homens, máquinas e homens, e máquinas
e máquinas motivadas pelo nomadismo tecnológico da
cultura contemporânea e pelo desenvolvimento da computação
ubíqua (3G, Wi-Fi), da computação
senciente (RFID5, bluetooth)
e da computação pervasiva, além da continuação
natural de processos de emissão generalizada e de trabalho
cooperativos da primeira fase dos CC (blogs, fóruns, chats,
software livres, peer to peer, etc). Na era da conexão, do
CCm, a rede transforma-se em um “ambiente” generalizado
de conexão, envolvendo o usuário em plena mobilidade.
Para W. Mitchell (Mitchell, 2003),
... nós entramos no mundo
dos serviços de celulares GSM e G3, redes de áreas
locais IEEE 802.11 a e 802.11 b (a ‘Internet wireless’),
redes Bluetooth que substituem os cabos seriais e USB que vinham
interconectando os aparelhos eletrônicos adjacentes, e redes
de banda-larga UWB. (p. 48).
... a possibilidade de uma reinvenção radical, reconstrução
de um tipo eletrônico de nomadismo emerge gradualmente de
forma desorganizada mas irresistível, na extensão
da cobertura wireless – uma forma que se fundamenta não
somente no terreno que a natureza nos deu, mas na sofisticada
e bem integrada infraestrutura wireless, combinada com outras
redes e usadas efetivamente numa escala global (p. 57).
Em outro artigo mostramos como as
cidades contemporâneas, pela sua relação estreita
com as redes telemáticas, estabelece-se como uma cidade ciborgue
(Lemos, 2004). A cidade é desde sempre artefato, e a particularidade
atual está na sua relação estreita com as redes
telemáticas. As tecnologias digitais, e as novas formas de
conexão sem fio, criam usos flexíveis do espaço
urbano: acesso nômade à internet, conectividade permanente
com os telefones celulares, objetos sencientes que passam informações
aos diversos dispositivos, etiquetas de rádio freqüência
(RFID) que permitem o “tracking” de objetos, equipamentos
com bluetooth que criam redes caseiras, etc. Os impactos
estão se fazendo perceber a cada dia. A cidade contemporânea
torna-se, cada vez mais, uma cidade da mobilidade onde as tecnologias
móveis passam a fazer parte de suas paisagens (Furtado, 2002;
Puglisi1999; Horan, 2000).
Das formas de isolamento e fragmentação
da vida moderna, a introdução de tecnologias móveis
estão nos levando a um re-exame do que significa proximidade,
distância e mobilidade. Define-se mobilidade como o movimento
do corpo entre espaços, entre localidades, entre espaços
privados e públicos. Parece que novas práticas do
espaço urbano surgem com a interface entre mobilidade, espaço
físico e ciberespaço, como veremos adiante. As conseqüências
devem interessar os estudiosos da comunicação, do
urbanismo e da sociologia, sem falar no desenvolvimento técnico
dos aparelhos. Como afirmam Cooper, Green, Murtagh e Harper (2002),
... quando pensamos no impacto
empírico do fenômeno dos celulares/aparelhos móveis
na vida cotidiana, nós descobrimos que a sociologia e a
filosofia contém termos que parecem apropriados, mas que
têm ou tiveram algumas conotações diferentes:
por exemplo, mobilidade social, a problematização
da distinção entre público/privado , a transformação
estrutural da esfera pública, a metafísica da presença,
o fonocentrismo, e, claro, a mobilidade imutável (p. 288).
Nessa interface das cidades contemporâneas
com as novas tecnologias de comunicação e informação,
desde a gestão do planejamento urbano, até as práticas
corriqueiras do quotidiano como terminais públicos, telefonia
celular, smart cards, surgem as diversas facetas da era da conexão.
A mobilidade é vista como a principal característica
das tecnologias digitais. As tecnologias móveis,
…são vendidas na
promessa de propiciar uma conexão a ‘qualquer hora’
e em ‘qualquer lugar’, tanto através de voz
ou dados. Os anúncios apresentam as tecnologias móveis
como capazes de transcender as ‘limitações’
geográficas e de distância, incluindo as diferenças
geográficas nos locais de trabalho e demais atividades
(2002, p. 296).
A era da conexão é
a era da mobilidade. A internet sem fio, os objetos sencientes e
a telefonia celular de última geração trazem
novas questões em relação ao espaço
público e espaço privado, como a privatização
do espaço público (onde estamos quando nos conectamos
à internet em uma praça ou quando falamos no celular
em meio à multidão das ruas?), a privacidade (cada
vez mais deixaremos rastros dos nossos percursos pelo quotidiano),
a relação social em grupo com as smart mobs,
etc. As novas formas de comunicação sem fio estão
redefinindo o uso do espaço de lugar e dos espaços
de fluxos (Castells, 1996). Nas cidades contemporâneas, os
tradicionais espaços de lugar (rua, praças, avenidas,
monumentos) estão, pouco a pouco, transformando-se em espaços
de fluxos, espaços flexíveis, comunicacionais, “lugares
digitais” (Horan, 2000). Em relação às
formas de comunicação móveis, podemos dizer
que,
... uma reconfiguração
do espaço e tempo está aparecendo, uma reconfiguração
que implica que a forma e o propósito da comunicação
definem o ‘publico’ e ‘privado’, e não
o espaço no qual a comunicação acontece (Cooper,
Green, Murtagh, Harper, 2002, p. 295).
Era da conexão: cultura
móvel e práticas da mobilidade
As práticas contemporâneas ligadas às
tecnologias da cibercultura têm configurado a cultura contemporânea
como uma cultura da mobilidade. Vários autores mostraram
como as sociedades contemporâneas estão imersas em
um processo de territorializações e desterritorializações
sucessivas (Deleuze e Guattari, 1986), de práticas nômades
e tribais, tanto em termos de subjetividade como de deslocamentos
e afinidades (Maffesoli, 1997); de reconfiguração
dos espaços urbanos (Mitchell, 2003; Horan, 2000; Meyrowitz,
2004) e de constituição de uma sociologia da mobilidade
(Urry, 2000; Urry, 2003, Cooper, Green, Murtagh, Harper, 2002).
No que se refere às novas tecnologias em interface com o
espaço público, a idéia de mobilidade é
central para conhecer as novas características das cidades
contemporâneas.
As ciências sociais, incluindo
aí as ciências da comunicação, devem
empreender esforços para compreender as transformações
atuais que colocam em sinergia mobilidade e tecnologias de comunicação
sem fio. As novas tecnologias digitais sem fio trazem à tona
a era da ubiqüidade, cuja origem está nos trabalhos
de Mark Weiser. Seu trabalho pioneiro, de 1991, lançou as
bases do que ele chamou de “Ubicomp”, ou computação
ubíqua. Para Weiser a “Ubicomp”, “takes
into account the natural human environment and allow computers themselves
“to vanish into the background” (Weiser, 1991:1). A
idéia da computação ubíqua é
de agir de forma oposta à tecnologia de realidade virtual
(RV), que necessita da imersão do usuário no mundo
simulado em 3D por computadores. Na “Ubicomp” de Weiser,
é o computador que desaparece nos objetos. Como afirma o
autor na abertura do seu visionário artigo, “the most
profound technologies are those that disappear. They weave themselves
into the fabric of everyday life until they are indistinguishable
from it” (Weiser, 1991). Estamos hoje na era da conexão
em que a “Ubicomp” profetizada por Weiser torna-se uma
realidade. Esta é, verdadeiramente, a computação
do século XXI, da era da conexão. Trata-se de colocar
as máquinas e objetos computacionais imersos no quotidiano
de forma onipresente6.
Exemplos dessa computação
ubíqua tornam-se evidentes: objetos que trocam informações
por redes bluetooth ou RFID, o uso de telefones celular
como uma espécie de “teletudo”, a expansão
das redes Wi-Fi que faz com que a rede envolva os usuário.
Projetos em cidades estão em expansão (“Amble
Time”, “Sonic City”, “Tejp”, “Texting
Glances”, “Urban Tapistries”), e mostram bem essa
transição (Galloway, 2003). Trata-se, efetivamente,
de uma fusão, do surgimento de práticas híbridas
entre o espaço físico e o espaço eletrônico.
Essa nova configuração vai disseminar práticas
de nomadismo tecnológico onde as tecnologias tornam-se cada
vez mais pervasivas, transparentes e ubíquas. A era da conexão
configura a cultura da mobilidade contemporânea.
É nesse sentido que J. Meyrowitz
fala de uma volta à cultura nômade primitiva, transformando-nos
em “global nomads in the digital veldt” (Meyrowitz,
2004). O ponto central da argüição de Meyrowitz
é que o mundo atual, marcado pelas tecnologias móveis
e pelas diversas formas de flexibilidade social, está colocando
a cultura contemporânea numa forma de organização
social mais fluida, com papéis menos rígidos e lugares
sociais intercambiáveis que se aproxima em muito da forma
social dos primeiros agrupamentos humanos. Para Meyrowitz, com desenvolvimento
da era da conexão,
De várias maneiras, nós
retornamos a experiências semelhantes e aos papéis
imprecisos dos nômades. Mais uma vez, nós enfrentamos
a dificuldade de escapar uns dos outros. De fato, é cada
vez mais difícil separar uma esfera social da outra, uma
atividade da outra, uma área de conhecimento e experiência
da outra (Meyrowitz, 2004.p.25).
Embora a tese seja controversa,
o que nos interessa aqui é o reconhecimento da mobilidade
enquanto figura central para compreender a cibercultura e a comunicação
contemporâneas. Isso nos leva à necessidade de análise
dessa sociedade da mobilidade, tendo que buscar a construção
do que o sociólogo inglês John Urry chama de uma “mobile
sociology” (Urry, 2000).
As diversas formas de mobilidade
contemporâneas (de pessoas, de objetos, de informação,
de dejetos, de produtos e de serviços) exigem esforços
de compreensão por parte das ciências sociais. Para
Urry, passamos efetivamente do dilema do “social como sociedade”
(polêmica central do campo sociológico), para termos
que pensar no novo paradigma do “social como mobilidade”.
Esse esforço deve ser empreendido, já que a sociedade
da mobilidade se configura como um fluxo internacional de imagens,
informação, migrações, turismo, fluxo
de capital financeiro, que nos coloca em meio a uma sociedade dos
fluxos planetários (Castells, 1996). A era da conexão
acelera essa mobilidade ambiente. As novas tecnologias de comunicação
e informação são os vetores principais desse
fluxo generalizado e dessa circulação virótica
de informação, dinheiro, pessoas, produtos e processos
- o que é uma radicalização do processo de
globalização que se inicia com as grandes navegações
do século XVI.
Esses fluxos globais já haviam
sido detectados por pensadores como Deleuze (1986), Lefebvre (1986),
Augé (1995), Sasken (2001), Castells (1996), Graham e Marvin
(1996), Wheeler, J.O, Aoyama, Y. e Warf, B. (2000), entre outros,
trazendo a idéia de que pensar a sociedade é pensar
em termos de territorializações e desterritorializações,
em termos de mobilidade urbana, de não lugares intercambiáveis,
de cidades globais. A metáfora que mais se aproxima do estado
social atual é a da sociedade em rede. Para Castells, “networks
constitutes the new social morphology of our societies, and the
diffusion of networking logic substantially modifies the operation
and outcomes in process of production, experience, power and culture...”(Castells,
1996, p. 469).
Para Urry, essa sociedade complexa
e móvel exige um pensamento em movimento, complexo, fluido
e desterritorializado para que possa dar conta das pequenas perturbações
no sistema, conseqüência do uso das tecnologias móveis
e das práticas contemporâneas de flexibilidade social,
típicas da chamada pós-modernidade. A sociologia,
e as ciências da comunicação em particular como
uma ciência social aplicada, devem encarar o desafio de pensar
“new agendas for a discipline that is losing its central concept
of human society. It is a discipline organized around networks,
mobility and horizontal fluiditics...intellectual mobilities are
good for the social sciences”. (Urry, 2000, p. 200). A partir
desse desafio epistemológico é que podemos tentar
compreender as práticas sociais advindas da sociedade e da
cultura da mobilidade. O telefone celular é o “teletudo”
do novo nômade da era da conexão.
Celular – o controle
remoto do quotidiano
Há hoje mais usuários de celular do que internautas
no mundo e esse dado tende a crescer, sendo hoje o celular e a televisão
(os projetos de TV digital) vistos como formas de inclusão
digital. Alguns autores vão mesmo afirmar que estamos vendo
o fim da telefonia fixa, com o VoIP (“voice over internet
protocol”). Em países como Portugal ou Dinamarca, já
há mais celulares do que pessoas. Trata-se, como vimos, de
uma aderência crescente à mobilidade, criando uma nova
dinâmica social sobre a cidade. Instaura-se uma mudança
da percepção espaço-temporal. Como afirmam
Licoppe e Heurtin (2002),
Os usuários de telefones
celulares, como fonte de pesquisa chave para uma investigação
bem sucedida sobre espaço e tempo, origina-se, em parte,
no seu forte impacto na percepção espacial. Por
outro lado, o ponto o qual iremos tratar mais profundamente aqui,
a pessoa que chama ou é chamada no telefone celular não
pode sequer definir o local onde está a outra pessoa tanto
em perspectivas geográficas ou sociais. (p. 96).
O celular passa a ser um “teletudo”,
um equipamento que é ao mesmo tempo telefone, máquina
fotográfica, televisão, cinema, receptor de informações
jornalísticas, difusor de e-mails e SMS7,
WAP8, atualizador de sites (moblogs),
localizador por GPS, tocador de música (MP3 e outros formatos),
carteira eletrônica...Podemos agora falar, ver TV, pagar contas,
interagir com outras pessoas por SMS, tirar fotos, ouvir música,
pagar o estacionamento, comprar tickets para o cinema,
entrar em uma festa e até organizar mobilizações
políticas e/ou hedonistas (caso das smart e flash
mobs). O celular expressa a radicalização da
convergência digital, transformando-se em um "teletudo"
para a gestão móvel e informacional do quotidiano.
De media de contato inter-pessoal, o celular está se transformando
em um media massivo.
O celular é hoje, efetivamente,
mais do que uma máquina de contato oral e individual para
ser um verdadeiro centro de comunicação, um controle
remoto para diversas formas de ação no quotidiano,
uma forma de manter em contato permanente a sua “comunidade
individual” (Rheingold, 2002). Nesse sentido, podemos falar
de um artefato técnico que faz parte da linhagem de objetos
que prolongam a ação do homem, herdeiro dos primeiros
artefatos do homo sapiens sapiens. Mas, na era da conexão,
o que está em marcha são processos de ações
imateriais, onde a comunicação sem fio é sua
maior expressão. Como mostra o historiador da técnica
Bruno Jacomy,
...a mão continua segurando
um órgão material, mas a ligação com
a própria ferramenta se tornou imaterial. A técnica
é profundamente diferente, mas a função é
a mesma: prolongar os órgãos e os sentidos do homem.
Sem dúvida, a complexidade do telecomando, do ponto de
vista tanto material quanto informático, não tem
nada de comparável com a simplicidade estrutural do cabo
de ferramenta, mas essa diferença não deve ser interpretada
como um sinal de maior inteligência humana. (Jacomy, 2004,
p. 74).
No Japão e na Finlândia,
por exemplo, o uso de SMS é um fenômeno social (Reinhold,
2002; Ito, 2004; Katz e Aakhus, 2002), podendo ser usado como carteira
eletrônica para pagamentos, como forma de localizador de pessoas,
como o sistema “i-mode” da DoCoMo no Japão9,
permitindo que, pelo celular, pessoas saibam se amigos (cadastrados)
estão na mesma localidade, potencializando contatos. A idéia
forte aqui é de que o celular possibilita um contato permanente
com o mundo. A ubiqüidade, as estruturas em rede e o contato
social, motes da cibercultura, estão em plena prática
com o uso da telefonia celular mundial. Para a antropóloga
japonesa M. Ito (2003),
Devido sua portabilidade, espaço
virtual igual (virtual peer space), a cidade não é
mais um espaço urbano anônimo; até mesmo ao
sair para fazer compras, jovens irão mandar fotos aos amigos
dos pares de sapatos que compraram, ou mandar notícias
rápidas sobre as ótimas liquidações
que estão entrando. Após encontrarem-se face a face,
uma seqüência de mensagens de texto continuará
as conversas enquanto os amigos se dispersam em trens, ônibus
e a pé, dedos polegares datilografando em teclados portáteis
numéricos. (Ito, 2003).
Vários estudos apontam para
as diversas características do uso do telefone celular em
diversos países (Katz, Aakhus, 2002, Cooper, Green, Murtagh,
Harper, 2002). Apesar das particularidades culturais que determinam
formas de uso do telefone celular, parece ser uma unanimidade a
expansão do uso em número de usuários e em
formas de utilização (voz, SMS, compras, contatos,
etc.). Segundo Katz, desde a invenção do telefone
em 1876, o uso desse equipamento tem colocado em discussão
o papel social desse invento e as formas de relação
entre o espaço público e privado. A necessidade de
mobilidade e de contato permanentes parecem ser as grandes questões
propulsoras do consumo da telefonia celular.
Os telefones celulares têm
sido utilizados com vários propósitos. Estudos já
citados mostram que a ênfase se dá na possibilidade
de controle e coordenação sobre as ações
no quotidiano; como instrumento imprescindível ao mundo do
trabalho; como instrumento de mobilidade e rapidez na troca de informações;
como forma de manter um círculo de amigos em “perpetual
contact” (Katz, Aakhus, 2002); e como forma de aumentar a
segurança e o contato com familiares. Como afirma Katz,
O telefone mudou dramaticamente
o modo como as pessoas vivem suas vidas e enxergam o mundo. Outra
mudança, com talvez a mesma magnitude, está por
vir com a mobilização não somente do discurso
mas também com uma nova tendência de comunicação
e interação social mediada por computadores. (Katz,
Aakhus, 2002, p.1).
O fenômeno das “thumb
tribes” (“tribos do polegar”) na Finlândia
e no Japão, por exemplo, mostra um crescente uso do telefone
celular como um difusor de mensagens rápidas, inter-pessoal
e massiva. A rapidez das mensagens e dos contatos permite um questionamento
se o que está em jogo é um verdadeiro canal de comunicação,
ou se esse tipo de contato seria apenas para trocas rápidas
de informação, não caracterizando um verdadeiro
processo comunicacional. Em estudo sobre a telefonia na Itália,
uma pesquisa mostra que,
A comunicação falada
é raramente associada ao celular (3% dos casos); a maioria
associa-a ao telefone (11%). Evidentemente, o celular é
considerado um instrumento que não é muito apropriado
para a comunicação, mas é, talvez, mais apropriado
para uma troca rápida de informações. (Fortunati,
2002, p.44).
Embora essa pesquisa não
possa ser extrapolada para todas as culturas, vemos que a questão
sobre a comunicação e a informação está
no bojo da compreensão dos impactos da telefonia móvel
na cultura contemporânea, e sobre as diversas formas de relação
social na internet como chats, fóruns, blogs,
etc. Trata-se de saber se as formas ágeis de trocas na cibercultura
podem ser caracterizadas como comunicação. Vamos explorar
rapidamente essa questão.
Segundo Myerson (Myerson, 2001),
a estratégia das companhias de telefonia móvel (e
de suas agências de publicidade e marketing) é vender
esses instrumentos como um “centro de comunicação
pessoal” e móvel. Não há diferenciação
entre informação e comunicação, e a
ênfase na imagem de um aparelho de comunicação
parece estar recheada de uma ideologia que visa mostrar a revolução
“comunicacional” em marcha. Myerson vai, a partir da
filosofia da comunicação em Habermas (1978) e Heidegger
(1964), questionar se o celular, e por tabela, as diversas formas
de comunicação na internet, poderiam constituir processos
de comunicação.
Podemos dizer que as visões
de Habermas e de Heidegger são de que o homem é um
ser do discurso, e a ação comunicativa só se
dá entre indivíduos que estão engajados em
um processo comum onde, pela razão, serão possíveis,
argumentações e contra-argumentações,
buscando o consenso. A comunicação só se estabelece
pela troca entre consciências engajadas em uma ação
comum. Como afirma Luis Martino, o ato de comunicação
“refere-se ao processo de compartilhar um mesmo objeto de
consciência, ele exprime a relação entre consciências”
(Martino, 2001, in Hohlfeldt, A; Martino, L; França, V.,
2001, p.14-15). Para Myerson, a campanha massiva de “mobilization”
parece ser o mote principal dessa ideologia da comunicação.
Analisando diversas publicidades de operadores e de fabricantes
de aparelhos de telefonia celular, o autor mostra que não
se trata de processos de comunicação, mas de trocas
instantâneas de mensagens que impossibilitam a relação
intencional de busca de consenso guiada pela razão. Para
o autor, “the destiny of the mobile is to take us beyond the
‘world of talk’, into some other world where ‘communication’
means something far richer and also far quicker” (Myerson,
2001, p.9).
Nesse sentido, a filosofia de Heidegger,
que afirma que o homem é uma entidade que fala, sendo essa
a essência mesma da possibilidade de “estar-com”
o outro, não faz parte da prática de uso da telefonia
celular. Comunicar é por princípio um ato de ação
sobre consciências, e esse ato pressupõe uma relação
entre pessoas engajada em uma ação comum. No entanto,
o jargão publicitário tenta mostrar o telefone celular
como “your personal communication centre” (Myerson,
2001, p.21). Aqui “the really striking idea is ‘personal....centre’.
This is a fundamental principle of the mobilization of communication:
Communication is, at heart, a solitary action. You have your own
communication centre” (Myerson, 2001,p. 21). Chegamos ao paradoxo
em que a comunicação “works best when there
is only one person involved” (Myerson, 2001, p. 21).
Ora, a comunicação
tem por base a compreensão mútua, a construção
e a desconstrução de si no embate com o outro. Nesse
sentido, a idéia de um controle individual sobre o processo
de comunicação passa a ser autoritário e longe
dos princípios da ação comunicativa. Para Habermas,
a ação comunicativa é a busca, pela linguagem,
de um entendimento mútuo baseado na razão. A ação
comunicativa não é individual, já que ela é
sempre um processo de busca de compreensão e entendimento
entre sujeitos. Mais uma vez, a filosofia da comunicação
se afasta das visões da publicidade e do marketing próprias
da comunicação móvel.
A verdadeira comunicação
é improvável em diversas instâncias, desde o
face a face, passando pelo telefone fixo, pelos chats e
fóruns na internet, chegando hoje às mensagens SMS
e os “papos” rápidos pelo telefone celular10.
Para Luhmann (2001), a comunicação é improvável
por três fatores principais: 1. É “improvável
que alguém compreenda o que o outro quer dizer, tendo em
conta o isolamento e a individualização da sua consciência”;
2. É improvável “aceder aos receptores. É
improvável que uma comunicação chegue a mais
pessoas do que as que se encontram presentes numa situação
dada” e; 3. É improvável a obtenção
do “resultado desejado. Nem sequer o facto de que uma comunicação
tenha sido entendida garante que tenha sido também aceite.
Por ‘resultado desejado’ entendo o facto de que o receptor
adopte o conteúdo selectivo da comunicação
(a informação) como premissa do seu próprio
comportamento” (Luhmann, 2001, p. 42-43).
Luhmann refere-se a improbabilidades
gerais, que não são particulares das práticas
em telefonia móvel ou em relações mediadas
pela internet ou por qualquer outro media. Essas improbabilidades
se encontram em qualquer forma de ato relacional, em qualquer forma
de comunicação. Isso nos permite vislumbrar como se
torna ainda mais complicado o ato comunicativo através dos
media digitais e sem fio. Nessa perspectiva, os celulares devem
ser compreendidos como instrumentos que podem aumentar as possibilidades
de emissão e de recepção de informações,
ampliando as probabilidades de comunicação mas não
garantindo, necessariamente, um maior enriquecimento do processo
comunicativo. Isso vai contra os jargões da época
que insistem em nos dizer que estamos na sociedade da comunicação,
de uma ampliação das formas de comunicação
humana. Concordar com essa visão, seria insistir em uma utopia
ou em um determinismo positivo da tecnologia.
Vemos aqui o caráter ideológico
e economicista da cibercultura. Parece, assim, que a visão
de Luhmann e Myerson convergem para essa percepção
ideológica e tecnocrática da sociedade contemporânea.
Isso pode nos levar a algumas conclusões importantes: 1.
a disseminação de instrumentos de informação
não necessariamente melhoram a performance comunicativa;
2. não há determinismo técnico nesse sentido,
e o controle sobre o quotidiano, tendo o celular como um controle
remoto da vida, não garante a construção de
uma sociedade da comunicação aberta, melhor ou em
direção ao entendimento; 3. O determinismo tecnológico
deve ser aqui rechaçado e as máscaras da ideologia
reveladas. A era da conexão não é necessariamente
uma era da “comunicação”.
Cidade desplugada –
Internet Wi-Fi
As cidades contemporâneas estão vendo crescer
zonas de acesso à internet sem fio (Wi-Fi). Para acesso basta
um computador equipado com um modem sem fio. Novas práticas
e novos usos do espaço urbano vão, pouco a pouco,
constituindo os lugares centrais da era da conexão. O usuário
não vai mais ao ponto da rede. A rede é ubíqua,
envolvendo o usuário em um ambiente de acesso. Várias
cidades no mundo estão oferecendo Wi-Fi aos seus cidadãos
constituindo uma verdadeira “cidade desplugada”11.
Cidades da França, Suécia, Suíça, Inglaterra,
Estônia, Canadá, Itália, e diversas cidades
americanas estão colocando redes Wi-Fi em metrôs, ônibus,
barcos, no meio rural, nos centros das cidades. No Brasil começam
a aparecer experiências com Wi-Fi, como na cidade de Piraí
no Rio de Janeiro12, ou em cafés,
hotéis e restaurantes de várias capitais, assim com
na maioria dos aeroportos.
Recente número da revista
Newsweek (7 junho 2004) mostra a revolução
das tecnologias de conexão sem fio e elege as 10 cidades
mais wireless do mundo. São elas Hermiston (Oregon), San
Diego e São Francisco (Califórnia), Auckland (Nova
Zelândia), Las Vegas (Nevada), Londres (Inglaterra), NY (NY),
Washington DC, Tóquio (Japão) e Austin (Texas). A
era da conexão e do computador coletivo móvel está
alterando a relação prática e imaginária
do espaço. Como afirma Steven Levy, “when digital geography
teams up with wireless technology and the web, the world takes some
new dimensions” (Levy, 2004, p. 56). Essa é a nova
cara da cidade ciborgue. O exemplo abaixo é apenas uma entre
várias iniciativas em andamento:
A cidade CulverCity tem o prazer
de anunciar o surgimento do acesso gratuito à internet
wireless no Centro da Cidade de Culver numa quinta –feira,dia
9 de Setembro .Esse serviço , intitulado “Wi-Fi”
de “Wireless-Fidelity,”é a primeira banda larga
wireless no Oeste de Los Angeles. Ele oferece aos usuários
de laptop a habilidade de conectar-se a internet sem o uso de
linhas telefônicas ou qualquer cabo que delega à
casa ou ao escritório o uso maior da internet13.
As formas de conexão à
internet sem fio nascem na base de um movimento de “linuxização
do acesso”, onde cada usuário pode ser um hot spot,
dando acesso à rede de forma nômade e sem fio. A história
da cibercultura é marcada por uma forte sinergia entre as
instituições de pesquisa, as universidades, os militares,
as grandes empresas e a cultura popular (Castells, 1996). No entanto,
desta sinergia, a maior parte das grandes revoluções
foram feitas pela cultura popular: artistas, designers, escritores,
programadores, hackers e demais ciberativistas. Estes foram
fundamentais para a consolidação da sociedade da informação.
A invenção da micro-informática, a apropriação
social da internet e o movimento Wi-Fi comprovam esta hipótese.
Assim, desde o início de
2000, uma nova Zona Autônoma Temporária – TAZ
(Bay, 2001) está sendo gestada com as comunidades sem fio,
conhecidas como movimento Wi-Fi. A propagação se deu
com ativistas e hoje várias empresas e instituições
adotam o padrão. Mistura de rádio pirata e Web,
o movimento tem o intuito de liberar largura de banda ociosa (de
usuários e empresas) e o espectro de rádio. Esta zonas
são chamadas de wireless local area networks (WLAN). O grupo
NYC Wireless14 é um dos
responsáveis pela disseminação de zonas de
conexão livres, pequenas “WLANs” sem fio, em
Nova York. Outras experiências estão em curso ao redor
do globo onde várias cidades estão oferecendo essa
alternativa de acesso, as vezes de forma gratuita, aos seus cidadãos15.
O movimento de liberação
de banda larga pelas ondas de rádio não é tão
novo assim e remete aos pioneiros da ethernet, como Brewster Kahle,
fundador da SFLan. Hoje, os ativistas buscam construir redes sem
fio em diversos pontos das cidades dentro do espírito da
anarquia cooperativa e distributiva do sistema Linux, do Napster
e outros sistemas abertos ou de conexão ponto a ponto. Os
defensores do free wireless estão conclamando todos aqueles
que possuem uma conexão de alta velocidade (cabo, DSL, T1)
a “emprestarem”, gratuitamente, sua largura de banda
para o público. O compartilhamento de informação,
“a informação quer ser livre”, lema da
contracultura digital, é enriquecido agora pelo compartilhamento
de largura de banda, buscando democratizar o acesso ao ciberespaço.
Para Adam Shand do Portland's Personal Telco Project, de Portland,
Nós estamos tentando trazer
a Internet de volta aos velhos tempos, antes que o interesse comercial
a dominasse (...) Espera-se ainda criar redes ponto a ponto ligando
casas, escolas, cafeterias. Como afirma James Stevens, da London’s
Consumer em Londres, ‘a questão deve ser, como devemos
distribuir esses recursos às pessoas que não têm?.
Se você possui uma linha DSL de 2 megabits/s no seu trabalho
e todos fecham as portas as cinco, esta linha está disponível.
Ela pode ser ajustada para uso público’ (Krane, 2001).
O movimento Wi-Fi mostra que as
zonas de libertação do ciberespaço continuam
a existir, apesar do pessimismo e do descrédito atual. O
desafio é mundial e podemos mesmo pensar em crescimento geométrico
se cada computador pessoal virar um hot spot. Pode-se criar sistema
Wi-Fi de fonte aberta, um Linux do Wi-Fi, ou o ‘‘LI-FI’’
como prefere Michael Schrage (2003) da Technology Review:
“the concept is to create a Wi-Fi cooperative that turns individual
laptops into potential nodes, routers, and hub of a global network...”(p.20).
A era da conexão é efetivamente sem fio. O sistema
continua a evoluir. O que chamei de “napsterização”
da rede, que consiste em compartilhar dados com outros, ponto a
ponto, não morreu com o Napster e só faz crescer,
aumentando a capilarização das conexões no
ciberespaço (Lemos, 2003). Agora, o movimento Wi-Fi quer
compartilhar, gratuitamente, largura de banda. Como afirma uma ativista,
"você não pode estocar largura de banda. Se você
não a usa, ela é desperdiçada" (Krane,
2001). A liberdade do ciberespaço poderá estar vindo
pelos ares.
Em meio a debates crescentes sobre
exclusão digital, democratização e acesso às
novas tecnologias, os ativistas das comunidades sem fio estão
construindo soluções simples e criativas. A questão
do espectro passa a ser central para o desenvolvimento de sistemas
de internet sem fio (Albernaz, 2003). Para Weinberger (2003), a
liberalização do espectro está no centro da
era da conexão16 já
que “current spectrum policy is based on bad science enshrined
in obsolete ways of thinking. The basic metaphors we’ve used
are just plain wrong” (Weinberger, 2003). Autores como Larry
Press mostram que as formas de conexão Wi-Fi podem ser soluções
para países em desenvolvimento (Press, 2003). O que importa
é colocar em pauta a democratização do acesso
pelo espírito de compartilhamento que fez da internet um
fenômeno social. Para Anthony Townsend, responsável
pelo projeto NYWireless, o surgimento dessa “cidade desplugada”
(untethered city) deve-se ao desenvolvimento das tecnologias móveis.
Para Townsend,
...as implicações
do novo modelo de infra- estrutura estão apenas começando
a serem entendidas na primeira década do século
21. Ao invés de estar isolada em casas e escritórios,
a conectividade espalhou-se por árvores, parques, cafés
e outros espaços urbanos públicos de mediação
digital recentes. Ao invés de trazer o usuário para
a rede, pela primeira vez a rede está sendo levada ao usuário.
(Townsend, 2003).
A prática de colocar antenas
feitas em casa para aumentar o raio de ação ou para
localizar pontos de acesso na rua (práticas conhecidas como
warchalking e wardriving) estão em expansão
. Práticas inusitadas como bicicletas e mochilas que criam
zonas temporárias de acesso sem fio estão aparecendo
nos EUA e na Europa. Sobre a “bicicleta mágica”,
o autor afirma: “mixing public art with techno-activism, Magic
bikes are perfect for setting up ad hoc Internet connectivity for
art and culture events, emergency access, public demonstrations,
and communities on the struggling end of the digital divide”.
O mesmo acontece com o projeto Bedouin18,
uma mochila que fornece acesso wireless podendo ser usada em manifestações
políticas e/ou artísticas.
Mas há resistências.
Vários provedores proíbem a retransmissão,
vetando, em contrato, a disponibilização (eles consideram
como sublocação) da sua conexão a terceiros
(Thompson, 2001). Outros afirmam que a falta de segurança
é um limitador da idéia. Especialistas mostram que
a rede não é segura, já que vândalos
cibernéticos (crackers) poderiam se apropriar da
livre conexão para disseminar vírus ou roubar cartões
de crédito. Crackers e hackers, que dispõem
do acesso das áreas públicas destas redes podem, facilmente,
invadir sistemas através da criação de uma
falsa mensagem de desconexão.
O nirvana da ubiqüidade, no
entanto, ainda está longe de ser universal. O atual sonho
da cibercultura é a existência de uma nuvem de conexão
pairando sobre nossas cabeças, podendo ser acessada de qualquer
lugar, andando, sentado na praça ou dentro do ônibus.
Esse sonho chama-se “mobilidade e conexão”, como
vimos. O sistema reforça a tendência mundial da informática
nômade. O problema é ainda a falta de um modelo econômico,
pois a demanda social existe.
Desde 2001 empresas como a T-Mobile
americana tem colocado hot spots em cafés e lojas seguindo
a nova tendência da internet móvel. Um dos problemas
atuais reside na dificuldade das empresas em montar uma rede que
seja operacional em um determinado espaço urbano. Para isso
seriam necessários alguns milhares de hot spots, visto que
o alcance de centenas de metros é bem inferior à cobertura
da rede de telefonia celular. A idéia é fundir redes
GPRS, celular, e Wi-Fi, fazendo com que o usuário possa mudar
de rede de acordo com a necessidade. Se você está no
café, pode acessar a rede Wi-Fi e se está na praça
ou jardim, a rede GPRS, por exemplo. Para essa mudança constante
de IP (um endereço na rede), foi desenvolvido o “Mobile
IP”, que faz com que a conexão não caia ao passar
de uma rede para a outra. Outro problema são as várias
redes existentes que fazem com que o assinante de uma não
tenha acesso a todos os hot spots (por exemplo, no aeroporto
mas não na lanchonete da esquina). Uma solução
prevista são os “agregadores”, empresas que dão
acesso a vários provedores de Wi-Fi e de telefonia celular.
Assim o usuário pode mudar de rede sem mesmo prestar a atenção.
Surge aqui outro problema: como cobrar pelo uso em várias
redes ao mesmo tempo. Soluções estão em andamento.
O ciberespaço ainda não
é universal. A esperança no Wi-Fi parece encontrar
eco na dinâmica de conexão do ciberespaço que
faz de cada usuário não só consumidor, mas
emissor de informação. No Brasil, a “Vex”
controla praticamente todo o ambiente wireless (há
também a “Telefonica”, que se limita ao estado
de São Paulo, mas possui mais hot spots que a Vex).
A Vex monta o hot spot e agrega diversos provedores (IG,
Terra, Veloz, BrTurbo, entre outros). O usuário deve ter
uma conta (pré-pago ou pós-pago - podendo ser de horas,
dias ou meses) em um dos provedores e um computador com modem sem
fio19. Hotéis, restaurantes,
cafés e usuários comuns, no entanto, estão
disponibilizando acesso wireless gratuito como forma de
agregar valor aos seus serviços. A era da conexão
cresce a passos largos no Brasil.
As tecnologias sem fio, como os
celulares e as formas de conexão Wi-Fi à internet,
têm criado novas práticas de mobilização
social nas metrópoles contemporâneas. A era da conexão
relaciona assim tecnologia digital, comunicação, massa,
multidão, mobilidade e conexão. A era da conexão
é a era das “mobs”.
Mobs. Massa e multidão
na era da conexão
Práticas contemporâneas de agregação
social estão usando as tecnologias móveis para ações
que reúnem muitas pessoas, as vezes multidões, que
realizam um ato em conjunto e rapidamente se dispersam. Essas práticas
podem ter finalidades artísticas, como uma performance, ou
ter um objetivo mais engajado, de cunho político-ativista.
Esse conjunto de práticas tem sido denominado de smart mobs.
Trata-se simplesmente do uso de tecnologias móveis para formar
multidões ou massas com objetivo de ação no
espaço público das cidades. As primeiras, de caráter
hedonista, são as flash mobs, mobilizações
instantâneas com objetivo de enxamear (swarm) para um lugar
e rapidamente se dispersar, criando efeito de estupefação
no público. As segundas, ativistas, têm por objetivo
mobilizar multidões com fins de protesto político
em praça pública.
Smart mobs é o termo
criado por H. Rheingold (2002) para descrever as “novas”
formas de swarming usando tecnologias móveis como
celulares, com voz e SMS, pages, internet sem fio, blogs,
etc. Os objetivos são os mais diversos. Para Rheingold, as
smart mobs “consist of people who are able to act
in concert even if they don’t know each other. The people
who make up smart mobs cooperate in ways never before possible because
they carry devices that possess both communication and computing
capabilities“ (Rheingold, 2002, p. xii).
Casos de smart mobs “non sens”
(flash mobs) e políticas já aconteceram ao
redor do mundo. As mais impactantes foram as manifestação
que agregaram pessoas por SMS nos protestos anti-globalização,
nas Filipinas, e em Madri, pós atentado nos trens em 2004.
Nesses casos, as trocas de mensagens SMS causaram o deslocamento
de uma multidão para protestar, tendo como resultado a deposição
do presidente Estrada, das Filipinas, e a derrota do partido da
situação na Espanha. Embora não possamos atribuir
as conseqüências políticas apenas à mobilização
por tecnologias móveis, parece ser evidente que estas constituem-se
como ferramentas importantes de mobilização. O uso
é crescente e planetário. Agora, por exemplo, em plena
campanha eleitoral nos EUA, SMS (TXT mobs) são usadas como
forma de protesto. Matéria do NY Times mostra que:
Assim como os milhares de pessoas
que protestaram em marcha por Manhattan durante a Convenção
Republicana semana passada, muitos estavam equipados com dispositivos
wireless de comunicações táticas conectados
a um serviço de distribuição de informação
que fornecia atualizações detalhadas e quase instantâneas
das mudanças da rota, fechamentos da rua e ações
policiais. O dispositivo de comunicação era o telefone
celular comum. O serviço de informação, chamado
TXTMob, é uma coleção de scripts de programação
de código-aberto para a WWW, rodando em Linux, no armário
de alguém20.
As massas entram na era da conexão.
As smart mobs encaixam-se nas definições
de massa de Elias Canetti e na visão da revolução
das massas de Ortega y Gasset. Devemos, rapidamente, mostrar essa
filiação para não cairmos na visão ingênua
de um ineditismo do fenômeno. A novidade é instrumental:
o uso de tecnologias digitais móveis nas grandes metrópoles
contemporâneas. Vejamos.
Ortega y Gasset mostra, em livro
de fins da década de 20, o fato do “advento das massas
ao pleno poderio social” (Ortega y Gasset, 1962, p. 59). A
questão da multidão interessa o autor como fenômeno
urbano e das sociedades industriais. A frase que se segue poderia
muito bem expressar o que acontece hoje, na era da conexão:
a multidão, de repente,
tornou-se visível, e instalou-se nos lugares preferentes
da sociedade. Antes, se existia, passava inadvertida, ocupava
o fundo do cenário social; agora adiantou-se até
às gambiarras, ela é o personagem principal. Já
não há protagonistas: só há côro”
(Ortega y Gasset, 1962, p. 62). Mais ainda, “creio que as
inovações políticas dos mais recentes anos
não significam outra coisa senão o império
político das massas (...). Hoje assistimos ao triunfo de
uma hiperdemocracia em que a massa atua diretamente sem lei, por
meio de pressões materiais, impondo aspirações
e seus gostos” (p. 66). Vivemos sobre o brutal império
das massas (p. 69).
Elias Canetti, em obra seminal publicada
em Hamburgo em 1960, vai traçar uma radiografia das massas
que pode nos ajudar a compreender o conceito de “massas inteligentes”
proposto por Rheingold. Para Canetti, é pela massa que o
homem se libera da fobia do contato e por ela pode ser integrado
ao todo. Na massa o homem se sente “a l’intérieur
d’un même corps” (1966, p. 12).
Canetti vai mostrar que as massas
se constituem basicamente nos tipos “fechada” (limitada,
circunscrita, formalista, institucional) e “aberta”
(que agrega e não pára de crescer, a massa propriamente
dita), no qual a sua formação se dá pela “décharge”
(forma de descarga que agrega). É pelo “éclatement”
(explosão) que uma massa de tipo fechada pode se configurar
como uma massa ao tipo aberta. Canetti mostra então as quatro
propriedades da massa. São elas: 1. Ela tende sempre a crescer;
2. Na massa reina a igualdade; 3. A massa ama a densidade, e; 4.
A massa tem necessidade de uma direção. Essas características
levam a uma classificação das massas como: 1. Fechada
e aberta (referente a propriedade 1, crescimento e igualdade); 2.
Rítmica e estagnante (referentes às propriedades 2
e 3, densidade e direção); 3. Lenta e rápida
(refere-se aos objetivos).
Não temos espaço aqui
para aprofundarmos essas características mas, para o que
nos interessa no momento, podemos ver que o fenômeno das “smart
mobs” encaixa-se perfeitamente na dinâmica das massas
como analisada por Canetti. Podemos dizer que as “smart mobs”
são fenômenos de massa. Elas se caracterizam por serem:
1. abertas que tendem a crescer e onde reina a igualdade (a massa
formada é aberta à priori, constituída de indivíduos
que não pertencem ao mesmo grupo e que vão exercer
o sentimento de igualdade juntando-se); 2. elas são rítmicas
(vão no movimento da convocação – por
SMS, e-mails, blogs - onde “la densité est consciemment
structurée par esquive et rapprochement”) e; 3. Elas
são rápidas. Como mostra Canetti,
...as massas em questão,
constituem uma parte essencial na nossa vida moderna, as massas
políticas, desportivas, guerrilheiras, que observamos todos
os dias, são muito rápidas. Muito diferentes são
as massas religiosas, além das massas dos peregrinos; cujo
objetivo destas está na distância (Canetti, 1966,
p. 29).
Embora o fenômeno seja característico
de toda massa, conforme Canetti, o desenvolvimento atual de novas
tecnologias de conexão sem fio nos leva a crer que o uso
dessas tecnologias para a formação de massas irá
aumentar. O uso das tecnologias digitais ajudam a criar esse perfil
e criam a “décharge” necessária à
sua formação como massa aberta. Para Canetti, “le
processus le plus important qui se déroule à l’intérieur
de la masse est la décharge. Avant elle, la masse n’existe
pas vraiment, c’est la décharge qui la constitue réellement.
C’est l’instant où tous ceux qui en font partie
se défont de leurs différences et se sentent égaux”
(Canetti, 1966, p. 14).
O conceito “smart” é
questionável (seriam essas multidões inteligentes?),
revelando um certo exagero e caráter ideológico. A
novidade fica por conta das novas tecnologias que permitem coordenação
em tempo fluido, podendo ajustar lugares e tempos de forma flexível21.
Rheingold, como nas suas outras obras, nos dirige a atenção
a um fenômeno emergente, mas sem muita discussão ou
embasamento conceitual. O que caracteriza as “smart mobs”,
e as diferencia de outras formações de massa ou multidões,
é o uso das novas tecnologias móveis sem fio para
agregação social no espaço público.
As tecnologias são assim instrumentos de “décharge”,
de mobilização nas cidades contemporâneas.
O termo está associado ao
adjetivo “smart”, das “smart” tecnologias,
como cartões e outros equipamentos que utilizam dispositivos
“inteligentes”. Nesse sentido, jovens utilizam SMS como
forma de agregação social para fins diversos. As smart
mobs estão, pouco a pouco, difundindo-se na vida social a
partir da popularização dos telefones celulares e
da internet móvel. A era da conexão encontra nessas
práticas mais um ponto de ancoragem. H. Rheingold chama atenção
também para as diversas formas de vigilância daí
advindas, mas não esconde o seu otimismo. O fato é
que várias outras formas de mobilização usando
as tecnologias da era da conexão surgiram desde então,
como a prática do toothing22
na Inglaterra, os protestos anti-globalização, assim
como as flash mobs.
As práticas de flash
mobs podem ser consideradas formas de smart mobs. As flash
mobs foram uma febre em 2003 e diminuiu em 2004, mas não
está morta. Até instituições sérias
estão utilizando essa prática como forma de promoção
de eventos em lugares públicos. Notícia recente da
AFP mostra que a BBC está organizando uma ópera em
estilo flash mob.
« LONDRES (AFP) - 24/08/2004
15h52 - a BBC vai filmar e difundir ao vivo uma ópera de
rua surpreendida em uma das mais freqüentadas estações
de Londres, inspirada na moda atual dos "flash mobs",
agrupamentos relâmpagos de multidões, e anunciaram
terça-feira à sociedade audiovisual pública
britânica. Uma orquestra de 65 músicos e 3 cantores
líricos de ópera interpretará de improviso
“Flash mob - The Opera”, um espetáculo original
inspirado do mito de Orpheu e Eurídice. Os "flash
mobs" consistem em reunir uma multidão num lugar determinado
afim de realizar uma ação pontual antes de se dispersarem.
A ópera de rua recorrerá também a um coro
composto pelo público convidados no dia a participar por
SMS. Comportará também outras óperas conhecidas
como Senhora Butterfly, Dom Giovanni e La Traviata. A data e o
lugar do evento são secretos para preservar o efeito surpresa
por mais tempo possível».
Flash mobs são manifestações-relâmpago,
apolíticas, onde pessoas que não se conhecem marcam,
via rede (blogs, celular com uso de voz e SMS), locais públicos
para se reunir e se dispersar em seguida, causando estranheza e
perplexidade aos que passam. Flash mobs começaram em Nova
York e se espalharam pelo mundo. Cidades como Amsterdã, Berlim,
Boston, Budapeste, Chicago, Londres, Melbourne, Oslo, Roma, São
Francisco e Zurique já experimentaram essa nova prática.
No Brasil, flash mobs foram organizadas em São Paulo,
Rio de Janeiro, Salvador e outras capitais.
Trata-se aqui de um movimento mais
próximo das performances e happenings do que da
mobilização política tradicional. Como toda
smart mob, as flash mobs colocam em sinergia o
espaço virtual das redes telemáticas e os espaços
concretos da cidade, da mesma forma que uma nova prática
de jogos, os “wireless games”, que utilizam as tecnologias
móveis para jogos no espaço físico das cidades
como o “Pacman NY”, “Noderunner”, entre
outros23. A rede é espaço
de organização e a rua, espaço de encontro,
de jogo. A utilização de tecnologias móveis
é fundamental para a organização dos eventos.
Na África, por exemplo, SMS foram usadas para uma petição
sobre direito de mulheres24.
A era da conexão parece estar
colocando em sinergia espaço virtual, espaço urbano
e mobilidade. Depois de séculos de esvaziamento do debate
político no espaço público, esse fenômeno
mostra o desgaste das atividades políticas clássicas
e a emergência de novas formas micro-políticas de ação.
As mobs, por serem reuniões de pessoas em torno
de uma performance sem caráter político, ou com caráter
político explícito revelam, por assim dizer, sua mais
radical dimensão social. Ativismo global, hedonismo, micro
política e nonsense, marcas da pós-modernidade,
são aí evidentes. O vitalismo social em torno das
mobs mostram essa vontade de conexão para além de
uma vida política institucionalizada. No caso das flash
mobs, o movimento é apolítico e de apelo ao estranhamente
à suspensão do espaço-tempo da vida quotidiana.
Como escreve Zygmunt Bauman (2001) sobre a ‘‘modernidade
líquida’’, trata-se de ‘‘amansar
o inesperado para que se torne um entretenimento’’.
No caso das mobs políticas, o objetivo é
usar práticas de swarming (“enxameamento”,
agregação e dispersão rápida) e netwar
(práticas de rede de guerra) (Arquila e Ronfeldt, 1993; Bateman
III, 1999) para mudanças sócio-políticas nas
cidades.
Não é de hoje que
estatísticas mostram a apatia política nas cidades
modernas onde a participação ao jogo político
clássico (manifestações, aderência a
partidos políticos e mesmo a ação de ir votar)
torna-se cada vez mais escassa. As smart mobs revelam duas
dimensões interessantes: política e hedonista. As
flash, por serem apolíticas, hedonistas, tribais
e efêmeras são mais um exemplo das diversas formas
de sociabilidade contemporâneas típicas da cibercultura
como os chats, os diários pessoais, os jogos, os
grupos de discussão... A dimensão política
aponta para mobilizações rápidas com o uso
de tecnologias móveis para agregação usadas
com o intuito de escapar do controle e da vigilância policial.
Em ambas as ações, trata-se de uma lógica do
uso (Perriault, 1989) dessas tecnologias que pressupõe apropriação
e uso social para a ação.
As Mobs colocam-se no centro
do debate, bastante atual, das reconfigurações do
espaço urbano a partir das diversas práticas nascidas
com as novas tecnologias de comunicação e informação.
Celulares, pages, notebooks, palms; todas
estas ferramentas instauram um nomadismo eletrônico em meio
ao espaço urbano de aço e concreto. Em meio ao individualismo
e a formas de privatização do espaço público
e publicização dos espaços privados da modernidade,
os espaços coletivos das cidades estão desaparecendo
enquanto lócus de sociabilidade. Cidades como Los Angeles,
São Paulo ou Brasília, por exemplo, carecem desses
espaços. O surgimento do ciberespaço agravou ainda
mais esse esvaziamento ao estabelecer uma possível substituição
do espaço real pelo espaço virtual das redes telemáticas.
Embora fictícia, essa separação é retomada
pelos mais diversos analistas. O importante não é
ter uma praça, que é um espaço público,
abandonada. O objetivo de todo espaço público é
ser público e coletivo. Hoje, urbanistas esforçam-se
para criar espaços coletivos em meio aos espaços públicos.
As mobs podem ajudar nesse processo e parecem ser um sintoma do
esvaziamento dos espaços públicos contemporâneos.
Elas são formas de apropriação social dos espaços
telemáticos e dos espaços físicos das metrópoles.
O que está em jogo nessa
era da conexão é atingir o centro nervoso do espaço-tempo
do quotidiano, como uma irrupção que quebra o ritmo
e introduz estranhamento. Criar uma verdadeira hierofania em pleno
espaço profano do urbano; uma hierofania eletrônica
na era da conexão.
Conclusão
A internet é hoje uma gigantesca máquina de contato
e de troca de informações. Estamos efetivamente entrando
na era da conexão móvel. Depois do PC (computador
pessoal) isolado dos anos 60-70, da popularização
da internet fixa com o CC (computadores coletivos) nos anos 80-90,
estamos vendo, no começo do século 21, a emergência
da era do CCm (computadores coletivos móveis). Novas práticas
e usos da informática surgem, como vimos, com essa mudança
de paradigma. A internet fixa mostrou o potencial agregador das
tecnologias de comunicação. Agora a internet móvel
está aproximando o homem do desejo de ubiqüidade fazendo
emergir uma nova cultura telemática, com novas formas de
consumo de informação e com novas práticas
de sociabilidade. Como afirma Townsend,
As comunicações
wireless estão definindo rapidamente a própria natureza
da aparência das ruas urbanas do século XXI. A rede
global de celulares foi combinada com o sistema de transporte
de superfície e ar para fornecer níveis de mobilidade
sem precedentes. Os rígidos sistemas de jornadas e horários
de trabalho introduzidos durante a era industrial estão
definhando frente às constantes renegociações
de movimento e comunicação. (Townsend, 2004).
Tentamos nesse artigo pontuar algumas
transformações por que passa a sociedade da informação
com a sua entrada na fase da conexão sem fio, na era da conexão.
As práticas mundiais de utilização de telefones
celular como SMS, o acesso a banco de dados, agindo como um controle
remoto do quotidiano, tanto para fins políticos como hedonistas
mostram o potencial de inclusão digital e de participação
social na cibercultura. A revolução do acesso à
internet sem fio, o Wi-Fi, mostra como as relações
sociais e as formas de uso da internet podem mudar quando a rede
passa de um “ponto de acesso” para um “ambiente
de acesso” que coloca o usuário em seu centro. Se o
usuário ia à rede de forma fixa, na era da conexão
e das smart mobs, é a rede que vai até
o usuário.
Cria-se, na era da conexão,
um ambiente de acesso e troca de informações que envolve
os usuários. A fase atual da computação ubíqua,
dos objetos sencientes, dos computadores pervasivos e do acesso
sem fio mostra a emergência da era da conexão e da
relação cada vez mais intrínseca entre os espaços
físicos da cidade e o espaço virtual das redes telemáticas.
O desafio da gestão informacional, comunicacional e urbanística
das cidades passa pelo reconhecimento dessa era da conexão
e da mobilidade.
Notas:
3
Ubiqüidade, “pervasividade” e senciente são
quase sinônimos. Ubiqüidade refere-se a possibilidade
de estar em vários lugares ao mesmo tempo. Por “computação
ubíqua” ou “pervasiva”, compreende-se a
disseminação dos computadores em todos os lugares.
A idéia de computadores ubíquos, ou Ubicomp, surge
em 1991, como veremos nesse artigo. A “computação
pervasiva” está diretamente ligada à idéia
de ubiqüidade, e se caracteriza pela introdução
de chips em equipamentos e objetos que passam a trocar informações.
Para mais informações veja o “Centre for Pervasive
Computing. Concepts and Technology for the Future”, in <http://www.pervasive.dk/>.
A “computação senciente” refere-se à
possibilidade de interconexão de computadores e objetos através
de sensores que passam a se reconhecer de maneira autônoma
e a trocar informações. Para mais informações
veja <http://en.wikipedia.org/wiki/Sentient_computing>.
4 Wi-Fi e Wi-Max são padrões
técnicos da IEEE para internet sem fio. Há vários
padrões (a, g, b, h, variando a velocidade de conexão
e a faixa de onda utilizada). Por ondas de rádio (espectro
de uso caseiro, como microondas ou telefones sem fio) pode-se criar
acesso à internet sem fio por algumas centenas de metros.
O Bluetooth é padrão de conexão por redes sem
fio com alcance de 10 metros em geral, mais usado para conectar
equipamentos caseiros como impressoras, celulares, computadores.
Há outros padrões também em andamento como
o MIMO, OFDM, ZigBee, WPAN...Para maiores detalhes ver o site <http://www.grouper.ieee.org/groups/802>,
e o site <http://www.bluetooth.org>
para Bluetooth. Para celulares há os sistemas CDMA, GSM e
TDMA e vários formados de conexão em rede como EDGE,
GPRS, CDMA 1x, EV-DO, dependendo do sistema do celular.
5 RFID é o acrônimo
“radio frequency identification” e caracteriza-se por
etiquetas que emitem ondas de rádio que podem informar a
localização e propriedades de diversos produtos. As
etiquetas RFID irão substituir os atuais códigos de
barra. Para mais informações ver http://www.rfidjournal.com/
6 Em outro artigo, “Anjos
Interativos e Retribalização do Mundo”, explorei
a idéia de uma interface zero, que vai no mesmo sentido da
idéia de Ubicomp de Weiser. Ver Lemos, 2002.
7 SMS, acrônimo de “short
messages”, mensagens curtas enviadas pelo celular para uma
pessoa ou grupo de pessoas.
8 WAP é acrônimo
de" Wireless Application Protocol", protocolo que permite
que os telefones celulares tenham acesso à internet.
9 Sobre o “i-mode”
ver Rheingold (2002) e o site <http://www.nttdocomo.com/corebiz/imode/index.html>
10 No Brasil, a prática
dos adolescentes de fazer várias ligações para
alguém com duração de menos de 3 segundo (a
partir desse tempo é cobrada a ligação) corrobora
essa idéia.
11 Para acompanhar as diversas
e diárias iniciativas para colocar acesso Wi-Fi em cidades
(recentemente Amsterdã, Los Angeles, Nova York, Filadélfia,
estão com projetos em andamento), veja o site da pesquisa
cibercidades, <http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/cibercidades/disciplinas/>.
Ver também o blog do pesquisador Júlio Valentim in
<http://www.smartmobsecibercidades.blogspot.com/>
12 Para mais informações
ver <http://www.pirai.rj.gov.br/>
13 Ver <http://www.culvercity.org/articles.asp?story=172>
(setembro, 2004).
14 Ver NYWireless in <http://www.nycwireless.net>
15 Nos EUA, Ásia e na
Europa há vários projetos em andamento, desde a criação
de uma rede Wi-Fi em toda a Paris a partir das estações
do metrô, até hot spots em lanchonetes, hotéis,
aeroportos, praças e cafés, centros das cidades. O
movimento está em expansão.
16 Ver os sites “Greater
Democracy”, in <http://www.greaterdemocracy.org/OpenSpectrumFAQ.html>
e o “Reeds Locus”, in <http://www.reed.com/dprframeweb/dprframe.asp?section=openspec>
17 Wardrive é
uma prática de buscar pontos de acesso sem fio a internet,
hot spot, dentro de um carro com antena e laptops. Sobre
wardrive ver <http://www.worldwidewardrive.org/>.
O warchalcking é a mesma prática só que a pé,
marcando com um giz os pontos de conexão abertos.
18 Ver Magic Bike in <http://p2pnet.net/p2p.rss>.
Sobre a Mochila com conexão Wi-Fi ver Bedouin Wi-Fi, in,
<http://www.techkwondo.com/projects/bedouin/index.html>
19 Sobre a situação
do Wi-Fi no Brasil (infra-estruturas, usuários, provedores,
hotspots, etc.) veja pesquisa feita no Grupo de Pesquisa em Cibercidade
do Centro Internacional de Estudos e Pesquisa em Cibercultura –
Ciberpesquisa <http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/cibercidades>.
20 Ver matéria em <http://www.nytimes.com/2004/09/09/technology/circuits/09mobb.html>
21 Sobre tempo fluido ver o
site “fluid time” in <http://www.fluidtime.net/>
22 O toothing é uma prática
de contato em metrôs e ônibus onde os usuários,
sem se conhecer, estabelecem conexão via bluetooth em seus
celulares e podem daí começar um bate papo ou efetivar
um encontro para sexo rápido. Sobre toothing ver matéria
da revista Wired em <http://www.wired.com/news/wireless/0,1382,62687,00.html>.
23 Sobre os wireless games,
ver Noderunner in <http://uncommonprojects.com/noderunner/index.php>.
Sobre Pacman NY, <http://stage.itp.nyu.edu/~wl364/biggames/final/>
e <http://www.wifiplanet.com/news/article.php/144534>
24 Ver “Mobile phone users
in Africa are being encouraged to send text messages in support
of a women's rights petition”. In BBC, in <http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/3937715.stm,
30/07/2004>.
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Dr.
André Lemos
UFBA, Brasil |