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A Divulgação Científica na obra de Josué de Castro*
 

Por José Marques de Melo
Número 43

Introdução
Para melhor compreender o perfil intelectual de Josué de Castro tornase indispensável resgatar sua atuação como divulgador científico, circunstância responsável pela inclusão da temática da fome na agenda midiática internacional.

Na abertura de uma conferência nacional dedicada ao binômio mídia e alimentação torna-se obrigatória enfática referência ao intelectual pernambucano que empreendeu renhida batalha para legitimar a questão da fome no panorama internacional. Refiro-me evidentemente a Josué de Castro, a quem pretendo dedicar esta alocução inaugural.

Cientista hoje desconhecido das novas gerações, Josué de Castro tem sido vítima daquela “conspiração do silêncio”1 que ele próprio responsabilizava, no mundo acadêmico, pela escassez bibliográfica sobre a fome. Vivíamos, então, em plena era do pós-guerra , quando a imprensa era acusada pelo tratamento distorcido e preconceituoso da fome coletiva que vitimava dois terços da humanidade.

A luta contra a fome
A campanha internacional destinada a eliminar o flagelo da desnutrição começou na Conferência de Alimentação, convocada pela Liga das Nações, em 1943. As quarenta e quatro nações ali representadas se comprometeram a apagar do mapa demográfico mundial as “manchas negras representando núcleos de populações subnutridas e famintas” .

Surgia em Hot Springs o “plano mundial de combate à fome” que ambicionava “satisfazer a mais fundamental das necessidades humanas – a necessidade de alimentos”2.

Não obstante os esforços já concretizados, “a fome continua a afrontar a dignidade humana e a impedir o desenvolvimento dos indivíduos”, como disse enfaticamente Humberto Costa, hoje Ministro da Saúde, no seminário que a Fundação Joaquim Nabuco dedicou a Josué de Castro, em 2001, na cidade do Recife.

Trata-se de evidência tão vergonhosa que a Cúpula Mundial de Segurança Alimentar, promovida pela Organização das Nações Unidas, em 1996, já proclamara a existência de milhões de subnutridos no mundo, estabelecendo a meta de “reduzir à metade o número de pessoas famintas até 2015”3.

Devemos creditar a Josué de Castro e a ouros idealistas que se engajaram nessa batalha contra a fome, agora transformada em bandeira nacional pelo Presidente Lula, o pequeno avanço contabilizado na última década do século XX.

Nesse período, houve uma “diminuição total de 116 milhões de famintos” . Isso ocorreu principalmente em “grandes países como China, Indonésia, Nigéria e Brasil, por seu consistente crescimento econômico e agrícola”4. Essa tendência fortalece a tese de que não bastam soluções paliativas e assistencialistas, conjunturalmente instituídas para minorar o sofrimento dos desnutridos.

Só através de uma estratégia global de desenvolvimento, capaz de mobilizar todos os fatores de produção no interesse da coletividade, poderão ser eliminados o subdesenvolvimento e a fome da superfície da terra”. A solução reside, pois, em habilitar os contingentes humanos que habitam o nosso planeta para utilizar racionalmente os “recursos potenciais que a natureza põe à sua disposição e que o conhecimento científico permite aproveitar em escala infinitamente mais elevada do que a alcançada em nossos dias5.

É justamente com a finalidade de potencializar o arsenal cognitivo produzido pelos cientistas, colocando-o a serviço do desenvolvimento sócio-econômico, que a Comunicação pode ser útil à batalha contra a fome.

Josué de Castro deu testemunho estóico de como articular Ciência, Comunicação e Desenvolvimento.

A vanguarda nordestina
Ele esteve, desde jovem, na liderança da vanguarda nordestina que mobilizou a consciência crítica do país e do planeta para remover a catástrofe representada pelas carências alimentares dos habitantes de todos os continentes, especialmente das regiões empobrecidas.

A composição dessa vanguarda regional está explícita na Geografia da Fome., obra clássica publicada em 1946, com a qual o autor granjearia notoriedade. Ele faz uma lista parcimoniosa, incluindo o pernambucano Orlando Parahym, os baianos Thales de Azevedo e Edson Carneiro, o potiguar Luis da Câmara Cascudo, o paraibano Américo de Almeida e a cearense Raquel de Queiroz.

Cada um deles abriu, a seu modo, picadas incomensuráveis para quebrar o tabu da fome na medicina, na literatura e nas ciências sociais. Nenhum porém o fez com a firmeza e persistência do próprio Josué de Castro. Paladino da luta contra a fome de alimentos, ele fez jus a merecidas honrarias no exterior, como a que o consagraria em 1954, recebendo a “Medalha Internacional da Paz”.

Ele não se limitou a disseminar o conhecimento sobre a questão alimentar entre os seus pares da academia ou junto ao mundo intelectual. Revelou-se também um precoce divulgador científico, potencializando as teses sobre as carências nutricionais e as estratégias para superá-las internacionalmente. Para tanto, fez uso constante da imprensa, publicando artigos, bem como da mídia eletrônica, dando entrevistas e participando de debates.
Falecido no exílio, em 1973, ele deixaria múltiplas tarefas a serem concretizadas. Por isso mesmo, vale a pena reconstituir sua trajetória intelectual como um referente emblemático . E, desta forma, emular os jovens que assumem posições de liderança na vanguarda brasileira do século XXI, prosseguindo sua luta para extirpar a fome da geografia do nosso planeta.

Perfil biográfico
Nascido na cidade do Recife em 1908, Josué de Castro forjou sua personalidade como “menino pobre acostumado à liberdade das ruas do bairro da Madalena, onde morou dos 8 aos 14 anos de idade”7. Depois de estudar em tradicionais colégios pernambucanos, ele satisfez a vontade dos pais, indo completar sua formação superior na consagrada Faculdade de Medicina da Bahia. Em 1925, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se diploma quatro anos depois pela Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil.

Retornando à capital pernambucana, em 1930, depois de fazer estágio na Universidade de Columbia e no Medical Center de Nova York, ele instala o “primeiro consultório em doenças de nutrição da cidade”, tornando-se, em pouco tempo, o “médico da moda”8.

Trabalha também numa fábrica do Recife, onde enfrenta o desafio de “aumentar a produtividade de seus funcionários”. Imediatamente ele se dá conta de que a principal causa do baixo desempenho ocupacional daqueles operários era o “estado de penúria em que (...) viviam”9.

Motivado pelas observações de campo desse período inicial da sua experiência médica, Josué de Castro produziria dois trabalhos integrados, onde esboça as teses posteriormente contidas em sua clássica trilogia Geografia da Fome (1946), Geopolítica da Fome (1951) e O livro negro da fome (1960). Refiro-me ao inquérito “As condições de vida das classes operárias do Recife”, base empírica para a reflexão teórica sistematizada na tese de livre docência “O problema fisiológico da alimentação no Brasil”, defendida em 1932 na Faculdade de Medicina do Recife.

Aprendizado doloroso
Contudo, seu aprendizado sobre o drama da fome deu-se bem antes, quando testemunhou a batalha cotidiana dos seus companheiros de infância, habitantes dos mangues recifenses, retirando da lama o alimento que lhes garantia a sobrevivência.

Essa dolorosa experiência ele retratou poeticamente em Homens e Carangueijos (1965), romance onde destaca a gênese da sua aventura cognitiva no universo dos famélicos:

Procuro mostrar neste livro de ficção que não foi na Sorbonne, nem em qualquer outra universidade sábia, que travei conhecimento com o fenômeno da fome.
O fenômeno se revelou espontaneamente a meus olhos nos mangues do Capibaribe, nos bairros miseráveis da cidade do Recife: Afogados, Pina, Santo Amaro, Ilha do Leite.
Esta é que foi a minha Sorbonne: a lama dos mangues do Recife, fervilhando de carangueijos e povoada de seres humanos feitos de carne de carangueijo, pensando e sentindo como carangueijos.
Seres anfíbios – habitantes da terra e da água, meio homens e meio bichos. Alimentados na infância com caldo de carangueijo: este leite da lama. Seres humanos que se faziam assim irmãos de leite dos carangueijos.
Que aprendiam a engatinhar e a andar com os carangueijos da lama e que depois de terem bebido na infância este leite de lama, de se terem emlambuzado com o caldo grosso da lama dos mangues, de se terem impregnado do seu cheiro de terra podre e de maresia, nunca mais se podiam libertar desta crosta de lama que os tornava tão parecidos com os carangueijos, seus irmãos, com as duras carapuças também enlambuzadas de lama10.

Tal foi o impacto emotivo dessa convivência com os moleques dos manguezais recifenses que Josué de Castro a eles dedicaria total solidariedade, percorrendo caminhos sinuosos e enfrentando tabus seculares, no sentido de a resgatar a humanidade perdida por aqueles desvalidos na luta incessante pela subsistência cotidiana. São pungentes suas palavras a propósito desse aprendizado seminal.

A primeira sociedade com que travei conhecimento foi a sociedade dos carangueijos. Depois, a dos homens habitantes dos mangues, irmãos de leite dos carangueijos.
Só muito depois é que vim a conhecer outra sociedade dos homens – a grande sociedade.
E devo dizer com toda a franqueza que, de tudo que vi e aprendi na vida, observando estes vários tipos de sociedade, fui levado a reservar, até hoje, a maior parcela da minha ternura para a sociedade dos mangues – a sociedade dos carangueijos e dos homens, seus irmãos de leite, ambos filhos da lama11.

Ele transformou corajosamente a retórica em ação. Toda a sua carreira como cientista e homem público foi dedicada à causa dos famintos e desnutridos.

Produção científica
A primeira evidência do seu empenho intelectual está na decisão de chefiar. em 1933, o primeiro inquérito sobre as condições de vida da classe operária do Recife, pesquisa depois ampliada para outras regiões do país. Convicto de que a solução para o problema da fome dos nordestinos dependia de providências do Estado nacional, ele decide transferir para a capital da República o território da sua luta.

No Rio de Janeiro, publica em 1935 o primeiro manifesto contra o preconceito das elites nacionais. Seu livro Alimentação e raça “procurava desnudar de vez o conceito de raças inferiores ao explicar que a fome era a causa da suposta preguiça, indolência, pouca inteligência e pouca aptidão ao trabalho dos negros e índios”12.

Nesse mesmo ano, assume a chefia do Serviço Central de Alimentação do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários, tornando-se também membro da Comissão de Inquérito para Estudo da Alimentação do Povo Brasileiro, realizado pelo Departamento Nacional de Saúde Pública.
Sua vida profissional bifurca-se, a partir de então, em duas rotas distintas, mas convergentes: na academia e no serviço público.

Com a intenção implícita de fortalecer e legitimar suas teses científicas, ele aceita o convite do baiano Anísio Teixeira para se tornar professor catedrático da Universidade do Distrito Federal, convivendo, de 1935 a 1938, com figuras de proa da intelectualidade brasileira, entre eles o alagoano Arhur Ramos, o pernambucano Gilberto Freyre, o paulista Sérgio Buarque de Holanda. Quando o Estado Novo destrói aquele ousado projeto universitário, Josué de Castro transfere-se para a Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, onde envereda pelo campo da Geografia Humana, ali atuando de 1940 a 1964, quando foi cassado pelo nosso último governo militar.

Ele contudo não abandonou sua atuação no campo da Saúde. Ministra cursos sobre Alimentação e Nutrição no Departamento Nacional de Saúde Pública e coordena em 1940 o primeiro curso de especialização em Nutrição da Universidade do Brasil, depois de haver estagiado no Instituto Bioquímico de Roma e publicado em Milão o estudo Alimentazione e Acclimatazione Umana nei Tropici (1939). Fundou a seguir a Sociedade Brasileira de Alimentação, além de ter idealizado e dirigido, a partir de 1946, o Instituto de Nutrição da Universidade do Brasil, hoje conhecida como Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Projeção internacional
Essa vibrante atividade universitária o projeta definitivamente na vida pública. Tanto assim que recebe convite do governo da Argentina (1942) para estudar os problemas de alimentação naquele país, que ele visitara pela primeira em 1933 como estudante de pós-graduação em Nutrição. Nos anos seguintes, cria no Rio de Janeiro o Serviço Técnico de Alimentação Nacional (1943) e o Instituto de Tecnologia Alimentar (1944).

As missões realizadas em 1945 no México e na República Dominicana alavancam sua brilhante carreira internacional. Em 1947, Josué de Castro passa a integrar o comitê consultivo permanente de Nutrição da FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação. No ano seguinte, atua como delegado brasileiro à Primeira Conferência Latino-Americana de Nutrição, promovida pela FAO, em Montevideo, Uruguai, liderando a Segunda Conferência Latino-Americana, realizada no Rio de Janeiro, em 1950. A coroação dessa trajetória ocorre em 1952, quando é eleito para presidir o Comitê Executivo da FAO, cargo que ocupa até 1956.

Ao terminar sua missão na FAO, onde mobilizara as estruturas governamentais para combater o flagelo da desnutrição, ele decide abrir uma nova de frente de batalha, no âmbito da sociedade civil. Funda, em 1957, a Associação Mundial de Luta contra a Fome – ASCOFAM. Abraça, convicto, essa bandeira de luta, visitando a China, o Canadá, a Polônia e tantos outros países, no sentido de apoiar iniciativas e projetos para erradicar a fome da face do planeta.

Sua trajetória de andarilho internacional não o distancia das raízes históricas e do compromisso afetivo com os famintos do Nordeste Brasileiro. Comovido com o sofrimento dos sertanejos, que amargavam a seca de 1958, promove uma discussão nacional que desemboca na criação da SUDENE – Superintendência Nacional para o Desenvolvimento do Nordeste. Como reconhecimento da sua atuação pública, em favor dos pobres e desvalidos, ele ganha um novo mandato como deputado, tendo sido reeleito para representar o Estado de Pernambuco na Câmara Federal e ostentando o título de parlamentar mais votado do Nordeste.

Em 1960, foi eleito presidente do Comitê Governamental da Campanha de Luta contra a Fome, sendo convocado, dois anos depois, pelo Presidente João Goulart, para a função de Embaixador-Chefe da Delegação do Brasil junto à ONU, em Genebra. Renuncia imediatamente depois ao mandato de deputado federal para melhor cumprir suas tarefas nos organismos internacionais. Ele se torna o Representante do Brasil junto ao Conselho de Administração da OIT – Organização Internacional do Trabalho e recebe indicação, em 1963, para o Prêmio Nobel da Paz.

Quando os militares dão o golpe de Estado de 1964, Josué de Castro figura na primeira lista de cidadãos brasileiros que tiveram seus direitos políticos cassados. Sua atitude não poderia ser outra, senão demitir-se do cargo de Embaixador-Chefe do Brasil nos organismos da ONU sediados em Genebra. Impedido de voltar ao país, ele obtém asilo político na França, onde passa a dedicar-se em tempo integral à campanha contra a fome, assessorando o Instituto de Formação Humana e Pesquisa da ONU e lecionando na Universidade de Paris.

Seu último trabalho diplomático foi a organização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, 1972. No ano seguinte ele morre no exílio parisiense, deixando imenso legado humanitário, do qual o mais importante foi o de ter retirado a luta contra a fome do estágio residual em que se encontrava no pós-guerra para convertê-la em tema relevante da agenda mundial.

Divulgador científico
Essa disposição de Josué de Castro para enfrentar a danosa “conspiração do silêncio” alcançou resultados positivos justamente porque ele combinou sua atuação na academia, no parlamento e nos fóruns internacionais com o manejo habilidoso e obstinado da engrenagem midiática.

Seu aprendizado nesta seara começou em 1925, quando publica seu primeiro texto literário na Revista de Pernambuco. Trata-se de uma experiência frustrada. Ele escreve, em linguagem rebuscada, um estudo sobre Freud e a literatura, alcançando escassa repercussão na opinião pública. Aprendendo com o insucesso inicial, ele volta à cena em 1927, buscando espaços na imprensa carioca para divulgar ensaios, crônicas e contos. Os resultados foram mais favoráveis, tendo aprendido a se comunicar em linguagem coloquial. Isso o credencia para enveredar pela crítica cinematográfica, acolhida por periódicos recifenses como a revista Para Todos, bem como os jornais A Província, Jornal Pequeno e Jornal do Commércio.

A carreira como divulgador científico desencadeia-se a partir de 1930, ainda na cidade do Recife, onde publica artigos instigantes sobre os tabus alimentares, como “A cozinha moderna é uma necessidade” (Diário da Manhã) e “Ensaio sobre o leite” (A Província).

Mudando-se para o Rio de Janeiro, em 1935, ele dá continuidade a esse diálogo com o público leitor da imprensa de difusão nacional. Estréia com um artigo sóbrio “Hábitos civilizados da província” (A Manhã, do Rio de Janeiro), mas logo a seguir adota o estilo do jornalismo-denúncia, publicando “O ciclo dos carangueijos” (A Platéia de São Paulo).

Josué de Castro intercala artigos de conteúdo educativo, como, por exemplo, a série “Alimentação racional do povo”, publicada pelo jornal carioca A Manhã, com matérias mais contundentes, entre elas “O despertar dos mocambos” e “Mocambo: habitação higiênica”, veiculadas em 1936 pelo Diário Carioca.

Desta maneira, ele conquista credibilidade junto aos formadores de opinião pública, demonstrando capacidade de transferir conhecimentos sobre saúde individual e ao mesmo suscitando o interesse público pelas questões de saúde coletiva.

Na primeira vertente, escreve sobre “banhos de sol”, “ preconceitos contra o uso liberal do açúcar”, “alimentação racional”. Na outra perspectiva, ele enfrenta questões sociais como a “luta contra a malária”, “os mocambos do Nordeste” e a “política alimentar”.

Josué de Castro não apenas exerce a divulgação científica, mas reflete sobre essa práxis. Em l940, ele publica o ensaio antológico “A ciência popular da alimentação e a falta de divulgação científica” (O Jornal, Rio de Janeiro). Sua rica hemerografia revela preocupação constante em escrever sobre temas de nutrição e suscitar polêmicas sobre a questão da fome, tanto em periódicos dirigidos aos líderes de opinião (economistas, sociólogos, pedagogos) quanto em veículos destinados a cidadãos comuns. Seus textos de divulgação científica não se restringem às publicações brasileiras, abrangendo também revistas do México, Estados Unidos, França, Itália, Suíça, Índia, Japão.

Josué de Castro não se limita a textos de natureza jornalística. Ele também exercitou outras formas de expressão. Em 1937, associa-se a Cecília Meirelles para produzir uma cartilha de educação alimentar, destinada ao público infantil, com o título A festa das letras.

A mais ousada e criativa peça de sua autoria foi sem dúvida o romance Homens e carangueijos, escrito no exílio, logo após a cassação dos seus direitos políticos pelo regime militar brasileiro. Ele recorre à ficção para descrever o horror da existência (sem perspectivas) de uma comunidade vitimada pelas calamidades ecológicas nordestinas. Sua tábua de salvação é representada pelas palafitas em que apodrecem nos mangues recifenses, por ele recriadas emotivamente.

Sua grande paixão foi contudo o cinema. Não é sem motivo que a primeira incursão, bem sucedida, no território midiático, ele empreendeu como crítico cinematográfico. Ele retorna a esse terreno, escrevendo, em 1958, dois roteiros – ê Cri – filme produzido na França – e O drama das secas – documentário dirigido pelo cineasta Rodolfo Nanni13.

Se não encontrou tempo suficiente para dar guarida àquela preferência juvenil, tamanha foi a responsabilidade com que travou a batalha política para aplacar a fome ancestral dos desvalidos que conheceu profundamente nos manguezais recifenses, o indomável pernambucano foi recompensado com a película– Josué de Castro, cidadão do mundo – em que Silvio Back14 em certo sentido o imortalizou, retirando-o do limbo a que parecia condenado pela amnésia histórica da sociedade brasileira.

Paradigma intelectual
Não quero encerrar esta alocução sem prestar uma homenagem àquela pessoa que me introduziu no universo intelectual palmilhado por Josué de Castro. Fui estimulado a fazer o percurso entre a “geografia” e a “geopolítica” da fome, ainda durante o meu período de formação jornalística na Universidade Católica de Pernambuco, pelo professor de Geografia Humana, Manuel Correia de Andrade, autor de uma obra monumental que honra Pernambuco e o Brasil.

É de sua autoria o mais lúcido perfil que li recentemente sobre o líder daquela vanguarda nordestina que emplacou a “fome” na “agenda midiática” brasileira. Está ali contido o modelo de intelectual que as novas gerações devem almejar nesta transição histórica que estamos vivendo angustiadamente.

Josué de Castro não era um intelectual alienado e encerrado numa torre de marfim; ao contrário, era um homem que juntava ao saber acadêmico o saber adquirido na observação empírica, na reflexão direta da realidade e na absorção da cultura popular, que Camões no século XVI considerava ´o saber da experiência feita`.
Ele mostra que não se deixou enganar pelas teorizações de muitos cientistas de renome que, a serviço de países ou de megaempresas, formulavam teorias que beneficiariam as forças econômicas internacionais e justificariam a exploração e a pauperização das populações periféricas, hoje tão acentuadas, com a substituição da fase imperialista pela fase globalizadora, na economia capitalista mundial15.

Espero que a lição de Josué de Castro possa iluminar as mentes e os corações dos pesquisadores científicos e dos divulgadores da ciência que se reúnem nesta VII Conferência Brasileira de Comunicação e Saúde para debater os avanços do conhecimento nutricional, bem como as lacunas persistentes, que demandam nosso empenho e firmeza, paixão e obstinação.


Notas:

* Conferência proferida na solenidade de abertura da COMSAÚDE 2004 – VII Conferência Brasileira de Comunicação e Saúde, na noite de 11 de agosto, promovida pela Cátedra UNESCO/UMESP de Comunicação, em parceria com três universidades pernambucanas: UFPE – Universidade Federal de Pernambuco, UFRPE – Universidade Federal de Pernambuco e AESO – Centro de Estudos Superiores Barros Melo, no campus desta última, na cidade de Olinda, Estado de Pernambuco.
1 CASTRO, Josué – Geografia da Fome, 16a. ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003, p.12
2 CASTRO, Josué – Geografia da fome, 16a. ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003, p. 15
3 COSTA, Humberto – A geopolítica da fome: dos tempos de Josué de Castro aos dias atuais”, In: ANDRADE, Manuel Correia e outros – Josué de Castro e o Brasil, São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2003, p.91
4 COSTA, Humberto – A geopolítica da fome: dos tempos de Josué de Castro aos dias atuais”, In: ANDRADE, Manuel Correia e outros – Josué de Castro e o Brasil, São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2003, p.91/92
5 CASTRO, Josué – Fome: um tema proibido, 4a. ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003, p;52-53
6 O perfil a seguir esboçado tem como fonte essencial as cronologia e bibliografia do autor diligentemente preparadas por sua filha Anna Maria de Castro e incluídas como apêndice do seu livro póstumo - CASTRO, Josué de – Fome, um tema proibido, Rio de Janeiro, 4a., Civilização Brasileira, 2003, p. 185
7 CASTRO, Anna Maria de – Cronologia, In: CASTRO, Josué de – Fome, um tema proibido, Rio de Janeiro, 4a., Civilização Brasileira, 2003, p. 185
8 CASTRO, Anna Maria de – Cronologia, In: CASTRO, Josué de – Fome, um tema proibido, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003, p. 186
9 CASTRO, Anna Maria de – Cronologia, In: CASTRO, Josué de – Fome, um tema proibido, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003, p. 186
10 CASTRO, Josué – Homens e Carangueijos, 2a. ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001, p. 10
11 CASTRO, Josué – Homens e Carangueijos, 2a. ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001, p. 13
12 CASTRO, Anna Maria de – Cronologia, In: CASTRO, Josué de – Fome, um tema proibido, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003, p.187
13 CASTRO, Anna Maria de – Bibliografia, In: CASTRO, Josué de – Fome, um tema proibido, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003, p. 193
14 BACK, Silvio – Josué de Castro, cidadão do mundo, Rio de Janeiro, Bárbara Produções, 1995, 1995. 50 min., colorido (Documentário. Fita de vídeo, VHS).
15 ANDRADE, Manuel Correia – Uma releitura crítica da obra de Josué de Castro, In: ANDRADE, Manuel Correia e outros – Josué de Castro e o Brasil, São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2003, p. 74


Referencias:

ANDRADE, Manuel Correia e outros – Josué de Castro e o Brasil, São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2003
BACK, Silvio – Josué de Castro, cidadão do mundo, Rio de Janeiro, Bárbara Produções, 1995, 1995. 50 min., colorido (Documentário. Fita de vídeo, VHS).
CASTRO, Josué – Homens e Carangueijos, 2a. ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001
CASTRO, Josué de – Fome, um tema proibido, 4a. ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003
CASTRO, Josué – Geografia da Fome, 16a. ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003


Dr. José Marques de Melo
Professor Emérito de la Universidade de São Paulo, onde fundou em 1967 o Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes, dirige atualmente a Cátedra UNESCO de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo, Brasil