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Uma Tipologia dos Games*

 

Por Marsal Alves y Cristiano Pereira
Número 53

Resumo:
Esse artigo tem como objetivo aprofundar a discussão sobre uma abordagem metodológica para o estudo de videogames. Atualmente o campo de discussão encontra-se polarizado entre narratologia e ludologia. Atualizando o debate iniciado no artigo “Entre combos e Enigmas” pretende-se demonstrar um caminho para estabelecer uma forma de análise dos jogos de videogame que hoje, a complexidade do jogo vai para além da sua tecnologia, tornando-os assim complexos em seus aspectos de comunicação como produto de mídia e entretenimento.

Resumen:
Este artículo tiene como objetivo profundizar la discussion acerca de la metodologia para el estudio de los videojuegos. Las reuniones del campo de la pelea polarizaron actualmente entre el narratologia y el ludologia. El traer actualizado el discusión iniciado en el artículo “entre los combos y los enigmas” se piensa para demostrar una manera de establecer una forma de análisis de los juegos del videojuego a que hoy, la complejidad del juego así más allá de su tecnología, convirtiéndose en ellos complejos en sus aspectos de la comunicación como producto de medios y de la diversión.

Anteriormente defendemos a importância da construção de uma tipologia dos games cujos conceitos -além de sua
transparência-, forneçam ferramentas adequadas para a análise de seus discursos. Em contrapartida, apontamos os problemas estruturais de uma tipologia de mercado que se apresenta como resultado das estratégias de marketing das distribuidoras. Bem entendido, não se quer condenar tal tipologia –fundamental na hora do gamer escolher seus jogos-, apenas alertar para o fato de que assumi-la tal como apresentada não nos fornece subsídios na construção de uma metodologia de análise que possa lidar com a diversidade e com a especificidade dessa narrativa.

Não é o caso, então, de jogar fora o que as tipologias de mercado nos apresentam. Pelo contrário, suas categorias ou mesmo os modos pelos quais se organizam nos fornecem uma série de pistas na descoberta de características dessa mídia. Operacionais ou não, destacam aspectos dos games importantes o suficiente para se proporem como pontos de referência na interface produto/gamer.

Encontramos hoje nas discussões sobre games algumas perspectivas já estabelecidas no que diz respeito aos modos de operação dos jogos. Esse horizonte metodológico está mais ou menos estruturado em torno de um eixo que se articula entre os conceitos de narratologia e ludologia.

Linhas de análise dos games
Narratologia
No que diz respeito à narratologia, é interessante notar como o fortalecimento da tomada de posição em direção à narrativa parece estar intimamente ligado ao desenvolvimento da indústria dos games. Em seus primeiros anos, especialmente na primeira década, os jogos eram feitos por programadores cujo principal interesse não parecia estar nos aspectos narrativos. As histórias dos jogos eram como roupagens que “embrulhavam” o produto: dava-se o nome de nave para aquele pontinho azul, enquanto que, na caixa do jogo, dizia-se que os inimigos (outros pontinhos azuis) eram “os terríveis zarkonianos”. E isso era tudo o que se oferecia ao gamer antes de ligar o console e sair “atirando”. Algumas décadas se passaram desde então. A valorização da narrativa veio juntamente com o aparecimento de jogos que propunham tramas mais complexas, personagens mais ricos e cenários impossíveis para as gerações tecnológicas anteriores. Juntos, esses elementos buscam imergir o gamer dentro do universo proposto, seduzindo-o. Um processo a um só tempo específico, mas também similar ao de outras mídias dentro da indústria do entretenimento.

É a narrativa que articula e organiza o material proposto, determinando não apenas como as histórias serão contadas, mas sobretudo atuando na constituição de gêneros narrativos mais ou menos definidos. Para os narratólogos, os games representam uma maneira particular de expressar uma história, da mesma forma que o cinema, os quadrinhos, a tv ou a literatura. Ao estudioso cabe então a tarefa de dar conta de suas especificidades. Diante dessa perspectiva, uma tipologia de games estaria vinculada, como no cinema ou nos quadrinhos, ao gênero narrativo. Teríamos jogos de ação, de guerra, de terror, westerns, comédias, etc. O critério é o que o tipo de coisas que se contam no jogo. A narrativa é a dimensão que sobredetermina todas as outras.

Ludologia
A ludologia corporifica uma linha de pensamento que inverte a posição central atribuída à narrativa. Antes determinante, agora ela é colocada em subordinação a um sistema condutor de regras de interação. O que subjaz à idéia de ludologia é que não é preciso haver uma história. Para que o jogo funcione enquanto jogo, basta que proporcione uma estrutura reconhecível ao qual o gamer possa adaptar-se. Para Jesper Jull, um dos ludólogos mais conhecidos, o jogo pode ser apenas o jogo pelo jogo.

Este tipo de argumentação nos leva à desvalorização da história frente à estrutura lúdica. A análise do ludólogo baseia-se nas relações estabelecidas pelos objetos/funções do jogo e não pelo que remetem enquanto significação. Ao ludólogo, não é importante que o jogo remeta a nada externo que lhe seja externo. O jogo já não precisa significar algo, mas ser algo. O objetos do jogo estariam ali para cumprir funções específicas dentro do sistema oferecido, e não precisam, necessariamente, remeter às coisas do mundo. Não importa se o pontinho azul é uma nave ou se o inimigo é nazista ou aliado. O que importa é que o gamer reconheça uma estrutura e saiba como agir em função dela. Uma tipologia feita a partir do viés ludológico vai em direção a um entendimento algoritimico do jogo. Um exemplo bastante prático disso é apresentado por Koster, falando de um jogo clássico da cultura dos games: Tetris.

Let’s try a thought experiment. Let’s picture a mass murder game where in there is a gas chamber shaped lide a well. You the player are dropping innocent victims down into the gas chamber, and they come in all shapes and sizes…they grab onto each other and try to form humam pyramids to get to the top… It is Tetris (Koster, p. 168. 2005).

A idéia é a de que não importa o que esse sistema representa: os blocos de Tetris podem remeter tanto ao holocausto, à melancias caindo dentro da carroça ou à coisa nenhuma. A narrativa é subordinada à estrutura de jogo. No caso de Tetris, aliás, parece ser totalmente dispensável.

Isso não quer dizer que a ludologia exclua, necessariamente, a narrativa. Apenas que é o sistema ludológico e não a narrativa que vai determinar as principais decisões na construção do jogo.

Narratologia/Ludologia
Existe uma terceira linha que busca de alguma forma unificar as duas abordagens anteriores. Essa linha, representada principalmente pelos estudos de Gonzalo Frasca, professor pesquisador de games do Instituto de Copenhagem, defende em seus artigos uma aproximação da narratologia com a ludologia. Seus argumentos relacionam o sistema de jogo e a história como constituintes de um modelo específico de narrativa, que abrange os movimentos e conceitos da ludologia. Defende a idéia de que o jogo tem uma narrativa, e que essa é o resultado da ação das relações entre o sistema ludológico estrutural do jogo e os elementos da narrativa. Essa descrição do jogo por Frasca aponta para uma perspectiva de definição do jogo como produto narrativo, assim como os livros ou o cinema. Diferente, porém, pela sua peculiaridade essencial enquanto sistema lúdico.

Narrativa e sistema ludológico constituem partes indissociáveis das características dos games. Se pegamos, por exemplo, um jogo como The Secret of Monkey Island1, fica evidente essa dificuldade de separar os dois conceitos: será impossível resolver os puzzles propostos sem que o jogador se tenha embuído da história que está sendo proposta e perceba o que lhe pede a narrativa em cada momento. Por outro lado, perceber os movimentos da história não é o suficiente se ele não consegue avançar os puzzles que lhe proporciona a estrutura ludológica. E são justamente os elementos da narrativa que vão lhe oferecer a solução para os puzzles.

Narrativa dos games
Mas o que descreve, então, a tipologia de um jogo?
Em um primeiro momento, nossa concepção se aproxima daquela de Frasca: uma tipologia dos games deve partir do relacionamento entre os conceitos de narratologia e ludologia, de forma a se evitar a exclusão mútua entre jogar e narrar. Achamos, contudo que apenas essa articulação ainda não leva em conta algumas das especificidades fundamentais dos jogos eletrônicos, especialmente no que diz respeito ao papel que neles desempenham as tecnologias.

Por isso propomos alguns movimentos: a existência de um conceito de narrativa específico que é formado pela ação de três diferentes dimensões; uma dimensão genérica, ou de gênero narrativo propriamente dito; uma dimensão ludológica; e uma terceira dimensão que é a dimensão tecnológica.

A opção pela narrativa
Antes de entrar nos detalhes desse reposicionamento, é útil que se faça alguns comentários.

A opção pela narrativa não se dá sem uma série de considerações. Uma delas é que é arbitrária: além das sugestões apontadas por narratólogos e ludólogos existem outros critérios a partir dos quais podemos, com alguma eficiência, classificar os games. Pensamos, por exemplo, na tipologia de jogos proposta por Caillois, cujas marcas são estabelecidas a partir do tipo de operação lúdica que é proposta pelo jogo. Em outro sentido, poderíamos adotar um critério tecnológico: uma classificação a partir da geração tecnológica ao qual cada game pertence. No primeiro, classificamos os jogos pelas suas diferenças de apelo: jogos de disputa, de sorte, de interpretação ou que buscam sensações físicas. No segundo, por suas diferenças de características técnicas: nível de resolução, nível de interatividade, nível de imersão, etc. De uma forma ou outra, todos esses critérios se inscrevem no cerne das problemáticas dos games.

Outro ponto importante é que, ao optar pela narrativa como critério organizador de uma tipologia, é possível que se entenda que adotamos aqui a linha proposta pelos narratologistas. Não é verdade. A narrativa, nos moldes propostos aqui, não é a mesma de que eles falam, uma vez que compreende aspectos que não são operacionalizados em seu sistema. O que pensamos como narrativa engloba, sem dúvida, os gêneros narrativos, mas não se resume a eles.

Conceito de narrativa dos games
Quando falamos narrativa dos games, falamos de um tipo específico de narrativa. Que guarda, certamente, relações com outras narrativas midiáticas -especialmente o cinema e os quadrinhos-, mas que possui objetivos, gramática e processualidades próprias. Os games apresentam suas histórias de maneiras que lhe são peculiares. Sem dúvida que suas cut scenes remetem ao cinema e a construção de seus personagens remete aos quadrinhos: mas no instante em que o gamer -consubstanciado através de seu avatar-, assume esta ou aquela linha de ação e interfere fisicamente dentro da narrativa -atualizando uma história que reside “apenas” em potência dentro de um suporte qualquer-, toda a semelhança anterior deve ser colocada em perspectiva. A narrativa em games não se resume à história que está sendo contada. De fato, não se resume nem a como está sendo contada (um narrador, um herói, linearmente, com elipses de tempo, etc). Mas deve compreender também as decisões de interface que disponibiliza ao jogador, bem como os dispositivos técnicos de que dispõe.

Narrativa é então a articulação entre três dimensões inseparáveis. A primeira é o conceito de narrativa nos moldes usados pelos narratologistas. Por uma questão de clareza, optamos chamar esta dimensão de gênero narrativo. Diz respeito então aos aspectos formais dos gêneros (aventura, comédia, ação, terror, etc.) e dos elementos que o constituem (a estética adotada, tipos, cenários, tom, etc). Uma segunda dimensão é herdada das preocupações dos ludólogos e diz respeito às interfaces adotadas pelo jogo. Interface aqui vista menos como estratégias de comunicação e mais como um padrão reconhecível de jogo. É uma descrição do jogo em termos de seu funcionamento e não do que significa. Uma última dimensão refere-se ao estatuto tecnológico do jogo que, como nas outras mídias, atua dentro da narrativa a partir de seus limites e de suas capacidades mas que, dentro dos games, vai desempenhar seu papel de uma maneira muito particular, impondo ao gênero a constante atualização de suas estratégias de comunicação.

Gênero
Em outro artigo, vimos a dificuldade de classificar jogos que tem uma temática específica (jogos de guerra, fantasia ou qualquer outro gênero importado da literatura ou cinema) com jogos cujo apelo principal não é da ordem do gênero (puzzles, board games, etc). Pode-se pensar, e de fato concordamos com isso, que aí reside um bom critério tipológico: existem os jogos de gênero e existem os jogos não-narrativos. Mas tal classificação entra em colapso quando pensamos na quantidade de jogos que, estando dentro do mesmo gênero, são tão diferentes que dificilmente podemos considerá-los como pertencentes à mesma família. Pensamos no abismo narrativo apresentado entre jogos como Space Invaders (um dos primeiros clássicos dos games) e jogos como Call of Duty: quanto ao gênero, não há dúvidas que são, ambos, filiados à mesma antiga linha: os jogos de guerra. Mas evidencia-se o caráter demasiado abrangente da categoria, que coloca na mesma gaveta dois produtos completamente diferentes. Dito de outra forma, pode-se dizer, talvez, que o assunto genérico é uma das únicas coisas que tem em comum. Misturam-se alhos e abacates e diz-se que são o mesmo, já que vêm, afinal, da terra.

Assim, considerar uma tipologia dos games a partir de seu gênero é insuficiente. É preciso acrescentar outras características que, atuando juntamente à primeira, vão “afinar” as definições de categoria dos games.

Interface
Se analisados do ponto de vista do gênero Space Invader e Call of Duty podem ser colocados na mesma categoria, enquanto interface são completamente diferentes. Não estamos falando da diferença óbvia entre os gráficos de um e de outro (e pensamos que a importância dos gráficos dentro dos games assume um caráter vital dentro das narrativas), mas porque sua organização ludológica é completamente diferente. Essa diferença, que nomeamos interface, é tão importante que vamos encontrar
-mesmo no mercado- um conjunto de nomenclaturas próprio que remete a essa dimensão. Apesar de ignorar as informações genéricas, essas nomenclaturas proporcionam ao gamer a apreensão imediata de informações importantes sobre o funcionamento do jogo. Diz-se de Space Invaders um jogo de plataforma e de Call of Duty, um jogo shooter. Junto a estes tipos de interface, várias outras se fazem presentes: rpgs, jogos de tabuleiro, universo aberto, puzzles etc. Uma classificação cujo critério independe totalmente de seu caráter genérico, mas exclusivamente de sua interface.

Nessa lógica, tornam-se mais sutis os critérios classificatórios. Podemos valorizar as diferenças que apresentam os dois jogos sem, no entanto, ignorar o que tem em comum. A caracterização da interface corresponde a um fator que se confundiu com a história da criação dos gêneros dos jogos. Hoje, um jogo possuiu em sua história uma série de interfaces que não podem mais serem consideradas o critério que define a afiliação tipológica do jogo. Tomemos um exemplo. No jogo GTA, existem uma série de interfaces contextuais, que são executadas à necessidade que a história se desenrola, visando engajar seu leitor. Existem corridas, tiroteios, enigmas entre outros, porém o gênero comercialmente proposto não é de maneira alguma a individualidade das interfaces. Talvez a forma mais aproximada de caracterizá-lo seja reconhecê-lo como afiliado de um gênero cinematográfico: o policial.

A partir reposicionamento dos conceitos derivados tanto da narratologia como da ludologia, cercam-se muitos dos problemas tipológicos dos games. Existe, entretanto, um terceiro fator que atravessa os dois primeiros. O estatuto tecnológico.

O estatuto tecnológico
Por ser uma dimensão que não é apresentada sob nenhum aspecto nas dimensões anteriores, trataremos dele com um pouco mais de atenção.

O conceito de estatuto tecnológico não pode ser considerado uma novidade no estudo dos games uma vez que é a principal preocupação das ciências da informática no que diz respeito aos jogos. No entanto, no que diz respeito à comunicação, a tecnologia nos games parece ser uma ilustre desconhecida. É curioso pensar que até mesmo dentro das grandes discussões e tomadas de posição em relação ao papel que as tecnologias desempenham nos processos midiáticos, não é comum que se pense os games em termos de sua tecnologia. Nesse aspecto, os estudos sobre eles no campo da comunicação são inexpressivos. Se no cinema as tecnologias digitais chamam cada vez mais atenção no que se refere ao desempenho de um papel como agente transformador da narrativa fílmica, nos games
-mídia que nasce dentro dos nichos sagrados da tecnologia (engenharia, informática), e que está indissociavelmente vinculado a elas-, elas parecem não gerar inquietações ou sequer a desconfiança de que ali existe algo que pode nos ajudar a compreender as relações tecnológicas dentro dos produtos midiáticos e de sua narrativa.

A raiz dos problemas da análise das narrativas dos games parece residir no fato de que este nasce e se desenvolve a partir de um diálogo com a tecnologia que é singular dentro dos meios de comunicação de massa. Ora, sabemos que a expressão “diálogo com a tecnologia” bem pode ser aplicada a qualquer meio. Mas se falamos ‘singular’ queremos dizer que o estatuto tecnológico dentro dos games é estruturalmente diferente dos outros meios. No caso do cinema, da tv, do jornal, rádio e outros (à exceção, talvez, da Internet), a criação e desenvolvimento de produtos se utilizam de tecnologias mais ou menos estáveis: sim, um roteirista de tv ou cinema trabalha sua narrativa pensando todo o tempo na sua possibilidade de realização técnica, mas essas possibilidades - embora apresentem constantes aperfeiçoamentos - são relativamente duradouras, criando padrões e soluções narrativas cuja existência no tempo se faz mais marcada. Apesar das melhorias técnicas nos aparelhos de tv ou nas filmadoras, as narrativas não apresentam mudanças drásticas. Mesmo agora, quando se fala muito em uma HDTV que exige um reciclamento completo do sistema produtivo das tvs –novo processo de captação, iluminação, enquadramento, maquiagem, etc-, podemos pensar se de fato essas melhorias técnicas exercerão um papel importante nas escolhas narrativas. Na tv uma nova geração de aparelhos não condiciona, necessariamente, modificações das histórias que conta. Nos games, por outro lado, uma nova geração de consoles ou softwares desenvolvedores pode expandir radicalmente as possibilidades narrativas de seus discursos. É o fato tecnológico sentando à mesa de criação. Desconsiderá-lo ou relegá-lo a simples coadjuvante técnico é desconsiderar a natureza da produção dos games. Se no cinema um novo sistema de captação e reprodução do som não afeta necessária ou significativamente o roteiro, é bem possível que nos games esse fato vá além da simples feature, mas seja aproveitado dentro da história como fator estruturante da narrativa, proporcionando ao jogador puzzles construídos a partir das peculiaridades da nova tecnologia.

Em outras palavras, o estatuto tecnológico diz respeito às possibilidades de realização técnica de determinado game. Inúmeras são as formas pelas quais essas possibilidades se manifestam dentro do ambiente de jogo. Cada incremento tecnológico, seja de hardware seja de software, estabelece o que é possível dentro de determinada plataforma de jogo. Por outro lado, age como um sistema de restrições, impondo aos roteiristas, designers e programadores rígidos limites com os quais sua narrativa terá de negociar. Um exemplo evidente da atuação da tecnologia sobre a narrativa são os acréscimos técnicos que cada nova geração de vídeo-games (hardware) trás. Alguns desses acréscimos manifestam-se através de uma maior capacidade de processamento, portabilidade, conectividade e interface. Isso se traduz em refinamento de gráficos (o que por si só abre um universo de possibilidades ao roteirista); no acréscimo do número de NPCs dentro do ambiente; no aumento do número de variáveis para cada personagem; no número de jogadores em um mesmo ambiente de rede; no uso de novos dispositivos de interação (óculos, joysticks 3d, todo o tipo de sensores para captura de movimento, etc). Pode-se argumentar que essas modificações de hardware tem pouca relação com as histórias que estão sendo contadas: que um shooter de guerra continuará sendo um shooter de guerra com ou sem head sets. Sem dúvida. Mas o fato do gamer usar uma tecnologia diferente pode afetar completamente a maneira pela qual ele joga um game, alterando assim sua narrativa e introduzindo mais uma variável na hora de se pensar e desenvolver o jogo. De fato, podemos rastrear facilmente os impactos que o aumento de processamento introduz nos games: jogos que lidam com milhares de personagens, em uma “arquitetura aberta” - jogo onde o gamer pode “fazer o que quiser”. Exemplos de como os dispositivos técnicos afetam a história e a experiência de jogo.

Considerações finais
Propomos uma metodologia para o estabelecimento de uma tipologia dos games que se dê a partir da narrativa. Contextualizando o momento das pesquisas acadêmicas que tem como objeto os games enquanto proponentes de sentido, optamos pela linha apontada por Frasca no sentido de relacionar ludólogos e narratólogos. Diferente dele, entretanto, consideramos que a simples tensão entre narratologia e ludologia não é o suficiente para dar conta de aspectos que são próprios dos games e que atuam de maneira evidente sobre as narrativas: a importância da dimensão tecnológica. Propomos, então, que a narrativa dos games é composta por três diferentes dimensões: gênero narrativo, interface e tecnológica.

Essa estruturação trás a vantagem de articular narratologia e ludologia -dois pontos de vista que trazem muita riqueza às discussões sobre games-, buscando superar uma dicotomia que tem se colocado historicamente como uma linha divisória metodológica que impede pontos de contato entre as abordagens. Pontos que forneceriam condições de estruturar reflexões mais complexas sobre os games. Por outro lado, articula essas duas dimensões com uma terceira, que é diz respeito à base tecnológica sobre a qual se constroem os games e que vai atuar ali de maneira fundamental na articulação entre gênero narrativo e interface.

As conclusões obtidas até aqui apontam a necessidade da aplicação analítica dessa estrutura dentro dos games e da verificação, em profundidade, de como se dão, de fato, os relacionamentos entre essas três dimensões. Esse movimento possibilitará apontar os elementos que as formam e seus modos de operação. Dentro do grupo de pesquisa de games, esse esforço representa o próximo passo no desenvolvimento de uma metodologia de análise dos games enquanto objeto midiático.

A estrutura proposta fundamenta-se na tentativa de tornar claro o game como produto pertencente ao campo da comunicação. No entanto, no que diz respeito a uma possível teoria dos games, estes aspectos de análise não se esgotam e nem são desconectados de outros aspectos constituintes da mídia. O que diz respeito, por exemplo, aos sentidos decorrentes da forma de apreciação e apropriação da narrativa pelo seu usuário e de suas condições de recepção. Outra que diz respeito aos aspectos de produção do produto: sua processualidade, sua inserção dentro de uma indústria e do papel que ocupa dentro do mercado do entretenimento. Temos consciência de que atuamos dentro do produto propriamente e das marcas que, de um jeito ou de outro, aparecem em seus discursos. Temos consciência de que os aspectos que envolvem a experiência do jogo são de diversas naturezas. Analisar um jogo é apenas uma das etapas que envolvem o estudo do game como elemento midiático.

Mesmo no que diz respeito à narrativa, uma série de questões se coloca. Uma delas herdada das teorias narrativas, mas reconfigurada nos discursos dos games: como distinguir o que é texto e o que não é? Os games atualizam a questão através de suas marcas tecnológicas e de interface. Que papel desempenha uma conversa sobre política ou sexo entre dois jogadores, dentro de um MMO de fantasia? Como afeta o jogo a quantidade de informações “extra-jogo” necessária para o bom desempenho de uma partida (manuais oficiais ou não, blogs, walktroughs, fóruns, listas de discussão).


Notas:

* Artigo apresentado no Seminário Internacional da PUCRS e publicado na revista Sessões do Imaginário edição 14, encontra-se disponível na web no endereço: (http://www.pucrs.br/famecos/pos/sessoes/s14/
sessoes14_cristianopinheiro_marsalbranco.pdf
)
1 Adventure game lançado em 1990 pela Lucas Arts e dirigido por Ron Gilbert. Conta a história de Guybrush Threepwood, um jovem que quer se tornar pirata. O quarto e (até então) último episódio foi lançado em 2001.
Puzzle: termo usado em game-designer para nomear dispositivos que desencadeiam avanços no plot.


Referencias:

CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens. Lisboa: Cotovia, 1990.
DEMARIA, Russel & WILSON, Johnny I. High Score! The Ilustrated History of Electronic Games. California: McGraw Hill/Osborn, 2004.
FRASCA, Gonzalo. Narratology meets Ludology. Helsinki: Parnasso #b3, 1999.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva, 1971.
JOHNSON, Steven. Cultura da Interface. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
JOHNSON, Steven. Everything Bad is Good for You. How Today´s Popular Culture is Actually Makins Us Smarter. New York: Riverhead Books, 2005.
JULL, Jesper. The Game, the Player, the World: Looking for a Heart of Gameness. Utrecht: (http://www.jesperjuul.net/text/gameplayerworld), 2003
KOSTER, Ralph. Theory of Fun for Video Games. Califórnia: McGraw Hill/Osborn, 2003.
PARAIRE, Philippe. O cinema de Hollywood. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
PEDERSEN, Roger E. Game design foundations. Texas: Wordware, 2003.
STEUER, Jonathan. Defining Virtual Reality: Dimensions Determining Telepresence. In Journal of Comunication, 42. São Francisco: 1992


Ms. Marsal Alves Branco
Feevale, RS. Brasil.

Ms. Cristiano Max Pereira Pinheiro
Feevale, RS. Brasil.