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Por Leonardo Forny
Número
53
Resumo:
Atualmente fala-se muito em arte interativa,
mas o que caracteriza uma obra de arte como interativa?
Será apenas a utilização
das novas tecnologias digitais – sua interatividade?
A interatividade começou com o digital?
Que estética e ética são
inerentes a esse tipo de obra de arte? A interação
já não é uma característica
própria da manifestação
do fenômeno artístico? Esses são
alguns dos principais questionamentos sobre os
quais buscaremos refletir sem, no entanto, definirmos
respostas ou apontar caminhos definitivos.
Resumen:
¿Se dice actualmente muy en arte interactivo,
pero qué caracteriza una obra de arte
como interactiva? ¿Ser solamente el uso
de las nuevas tecnologías digitales -
tu interactividad? ¿La interactividad
comenzó con la digital? ¿Qué
estéticos y éticos son inherentes
a este tipo de obra de arte? ¿La interacción
no es ya una característica apropiada
de la manifestación del fenómeno
artístico? Éstos son algunas de
las preguntas principales en las cuales buscaremos
para reflejar fuera, sin embargo, para definir
respuestas o para señalar maneras definitivas.
Interação
e interatividade na obra de arte
Pode-se afirmar inicialmente que toda a arte
é interativa; na medida em que toda a
expressão artística é fruto
da interação entre a obra, o artista
e o interpretante. Os signos que compõem
a obra de arte são expressos pela interação
entre a subjetividade do artista (emissão),
o meio pelo o qual ele dispõe para materializar
a obra (transmissão). E, à luz
da teoria dos signos de Pierce, consideramos
que o signo artístico como qualquer outro
só adquire realmente sentido de arte quando
exposto a um interpretante ou um interagente
capaz de dinamizar a obra de arte (recepção).
Desta forma, o processo artístico é
um complexo inter-relacional, uma permutação
signa entre múltiplos elementos integrados
a um campo dialógico em constante movimento,
onde cooperação e conflito originam
uma linguagem estética que comunica uma
ética inerente a cada cultura e a cada
época, mas que está presente em
todas manifestações criativas.
Se com o passar
das gerações históricas
de cada cultura e sociedade a arte sempre se
manifestou de forma a estabelecer diferentes
regimes de representação, de subjetivação
e produção foi porque ela sempre
se utilizou dos dispositivos técnicos
de sua época. O lápis, por exemplo,
quando surgiu no século XVI foi algo de
revolucionário para a arte. É,
também, impossível pensar a revolução
pictórica impressionista sem a rica paleta
cromática tornada possível por
avanços na ciência química
da época. Mas, obviamente, o lápis
e o tubo de tinta não fazem, sozinhos,
obras de arte. Assim, a técnica aparece
como potencializadora da obra de arte, mas não
como fator determinante para que ela aconteça.
Uma inovação tecnológica
só importa para uma inovação
da arte na medida em que aquela implique em novas
relações, novas idéias,
novos usos, uma nova consciência.
As possibilidades
técnicas da arte, de tempos em tempos,
tornam transparentes ou opacas as interseções
existentes entre a obra, o artista e o espectador1.
A pintura do século XVIII já problematizava
o lugar do espectador, ora causando distanciamento
(opacidade), ora trazendo-o à imergir
na obra (transparência). É possível
tomar como exemplo duas pinturas marcantes de
suas épocas “La Vênus de Urbio”(1538),
de Tiziano (fig.1) e “L’Olympia”
(1863), de Manet (fig.2). A primeira é
um quadro do Renascimento, onde a figura da mulher
é delineada por contornos nítidos
e formas bem definidas de luz, cor e sombra.
A Vênus surge como a encarnação
da sensualidade feminina da época, uma
idealização da beleza, um modelo
de representação da mulher. O olhar
contemplativo que a deusa da sensualidade lança
para fora do quadro remete o observador para
além da atmosfera do real, do palpável.
Da mesma forma percebemos que essa “rostidade”2
de distanciamento existe também na relação
entre a figura de primeiro plano e a figura de
fundo desfocada, distante. Já o quadro
de Manet é um marco do Modernismo por
desnudar a pintura enquanto artifício
plástico (o espectador pode perceber as
pinceladas que constituem a pintura). A veracidade
da imagem, a nudez de uma mulher não como
modelo ideal renascentista, mas como uma realidade
pintada, um momento possível na vida,
uma mulher real das ruas da época (uma
cortesã!). Uma imagem fruto de um processo
de particularização, e não
generalização; assim, o espectador
se vê seduzido, absorvido pela realidade
da imagem, onde o olhar da mulher se comunica
o olhar do observador, que é conduzido
para dentro da ambiência da obra de arte.
Logo, a experiência estética, que
acontece no intervalo entre objeto e subjetividade,
passa a assumir a inclusão do olhar do
espectador no espaço da obra de arte.
Portanto, a partir daí, a pintura deixa
de ser estritamente contemplativa e passa a estabelecer
uma identidade com o observador, busca romper
com o modelo da representação e
a se estabelecer como expressão da realidade
em si própria.
Fig.1
Fig.2
De fato podemos
considerar que toda a obra de arte contém
ao menos um grau mínimo de interatividade,
ou recorrendo à Barthes, um grau zero
de interatividade . Já que devido à
estrutura relacional de qualquer experiência
estética, mesmo o receptor mais passivo
é envolvido pela ambiência da obra
de arte; desde a concepção do artista
em incluir o olhar e a vida cotidiana, até
às relações que acontecem
na mente do observador contemplativo, em ambos
os casos acontece uma interligação
ou interação entre observador,
obra e artista. Contudo, não podemos confundir
essa interação com a interatividade
inerente às novas tecnologias computacionais.
Daí, por exemplo, Simon Penny, artista
contemporâneo, ressaltar: “algumas
pessoas vieram dizer-me que uma fotografia ou
uma pintura eram interativas, o que me deixou
furioso”3.
Enfim, como destaca José Bragança,
a questão não é saber se
a interatividade está presente em toda
obra de arte, mas sim “se a arte deve ter
como critério absoluto a interatividade.
Mais ainda, está em causa a apreensão
do que significa esse desejo de interatividade
total”4.
Se há, não somente, uma tecnologia
interativa, mas uma estética da interatividade.
Para Don Ritter5,
outro artista das novas mídias, é
difícil ver a interatividade como um movimento
artístico porque os diversos criadores
de experiências interativas (CD-ROM designer,
artista de instalações, o programador
web, o produtor para TV interativa) o fazem por
razões distintas. Assim, conclui o artista
afirmando que talvez a interatividade não
seja nem um movimento, nem uma mídia específica,
mas antes de tudo um novo método de comunicação
entre as pessoas e a mídia.
Representação e simulação
Para Couchot as tecnologias numéricas
determinaram uma ruptura completa com a lógica
figurativa da representação. O
pixel como unidade fundamental da imagem
numérica é expressão de
um calculo efetuado pelo computador conforme
as instruções de um programa, portanto,
não mais representa o mundo real, mas
sim, o simula. Couchot ainda afirma que a imagem
digital “reconstrói o mundo real,
fragmento por fragmento, propondo dele uma visualização
numérica que não mantém
mais nenhuma relação direta com
o real, nem física, nem energética”6.
Deste ponto de vista a imagem digital pode tanto
partir do real e “numerizar” uma
imagem ou objeto preexistentes - “transformando
assim certas de suas características físicas
em valores numéricos que os programas
são capazes de tratar”7
- quanto produzir uma sintetização
de uma realidade própria - desvinculada
da natureza - capaz de modelizar uma imagem ou
objeto a partir apenas de uma descrições
matemáticas, ou algoritmos. Neste caso,
“a fonte de imagem não é
mais, então, nem uma imagem nem um objeto
real, mas um processo computacional”8.
Em ambas as formas, para Couchot, a imagem digital
proporcionou não só uma ruptura
completa com a lógica figurativa da representação,
mas também da ligação entre
imagem e o real, de modo que imagem e modelo
passam a coabitar a mesma forma figurativa: a
imagem de síntese.
Por outro lado,
podemos enfatizar apoiados nas palavras de Deleuze
que a arte nunca foi pura representação,
“foi figurativa sem ser representativa”9.
Um artista ao retratar uma imagem nunca o faz
de forma a não imprimir a própria
subjetividade naquela obra, até mesmo
para um fotógrafo a pura representação
é uma impossibilidade. Uma vez que o que
faz a representação é o
fato de ser interpretada em uma outra representação
infinitamente (Pierce, 1974). Daí, concluímos
que a crise da representação surge
na própria origem da dialética
platônica: do mundo das essências
e da aparência, sensível e inteligível,
modelo e cópia; onde a expressão
artística era vista como uma mimesis,
uma cópia de modelos, simulacros de realidade.
Atualmente as “tecnologias de simulação”,
ainda segundo Couchot, não visam imitar,
nem fingir o real; elas buscam, em contrapartida,
“substituí-lo por um modelo lógico-matemático
que não seja uma imagem enganadora como
o simulacro, mas uma interpretação
formalizada da realidade ditada pelas leis da
racionalidade científica”10.
Contudo, como já vimos a imersão
na imagem, a tendência artística
de produzir uma realidade alterada, uma alteridade
– ou o cotidiano, um momento possível
da vida - não é coisa de agora,
nem exclusividade da realidade virtual numérica.
Pelo contrário, além da pintura
moderna podemos citar como exemplo os panoramas
e os museus de cera, que no fim do séc.XIX,
surgiram como atrações para o crescente
interesse público pela realidade: o cotidiano,
a história, principalmente por conta do
desenvolvimento da imprensa. “O realismo
do panorama baseou-se na noção
de que, para captar a vida, uma exposição
tinha que reproduzi-la como uma experiência
corporal e não meramente visual”11
Da
interação à interatividade:
imersão e participação
O conceito de interação vêm
da física e refere-se ao comportamento
de partículas cujo movimento é
alterado pelo movimento de outras partículas.
A partir daí este conceito passou pela
psicologia e sociologia, onde a premissa é
que nenhuma ação humana ou social
existe separada da interação. Então,
somente depois o termo foi incorporado ao campo
da informática e transmutado em interatividade.
Para, ainda nos anos 70, designar a transição
da máquina computacional rígida
para uma máquina conversacional. “Vale
lembrar que o ambiente sociocultural em que se
encontravam aqueles informatas era, desde os
anos 60, o de contestação à
unidirecionalidade opressiva e anti-social, particularmente
marcante no contexto comunicacional”12.
Na arte a noção
de ambiente e participação do espectador
era uma tônica que se expressava como um
princípio de criação coletiva.
Havia uma tendência geral em todos os países
onde as criações artísticas
(teatro,dança, literatura, poesia, artes
plásticas, música, cinema) procuravam
passar a responsabilidade da criação
para o público. Desta forma, “os
ambientes artísticos acrescidos da participação
do espectador contribuiram para o desaparecimento
e desmaterialização da obra de
arte substituída pela situação
perceptiva: a percepção como re-criação”13.
Desta forma, havia o questionamento tanto do
estatuto da obra quanto o do autor, pois não
só o olhar, mas o corpo do espectador
era imerso em um ambiente dinâmico de criação,
onde os limites entre ele, a obra e o artista
eram transformados em participação:
interação física e psicológica.
Seria o fim da arte ou seu recomeço? A
extrapolação do quadro, da imagem
corporificada.
Em 1956, depois
da Exposição de Arte Concreta,
surge o movimento neoconcreto, que deriva da
experiência concreta da abstração
geométrica, da forma sem transcendência.
A arte que parte do quadro e não da natureza
– concepção muito diferente
de Cézanne, onde não há
arte sem natureza. Neste contexto, pintar é
construir o quadro. O neoconcretismo se utiliza
dessa perspectiva construtivista de relação
do artista com o dispositivo para pensar a imagem
como uma característica do espaço,
projetá-la para além da moldura,
estufando a tela do quadro. “Os bichos”,
de Ligia Clark, nascem dessa problemática
neoconcreta; portanto, não são
esculturas, mas “não-objetos”
(Ferreira Gullar), ou objetos que não
tem mais forma definida, derivam da espacialização
de imagens transfiguradas a partir da participação
do espectador na obra. Ligia Clark ao ser questionada:
“Quantas posições tem o bicho?”
Ela disse: “Eu não sei, ele sabe”.
Helio Oiticica é outro expoente dessa
geração, através das obras
“penetráveis” do artista,
o espectador pode penetrar ambientes imersivos,
ou vestir os famosos parangolés. Quando
Mario Pedrosa nos fala a respeito da IX Bienal
de São Paulo (1967), evento dedicado especialmente
à arte de participação:
“A arte deixou de ser aquela coisa distante
e chata, mas terrivelmente respeitável
que via pendurada às paredes e em certos
pedestais, com guardas ao lado para impedir que
alguém se aproximasse e tocasse. É
agora algo que se mexe e pode ser mexido. Quando
um ‘popular’ chega perto de uma escultura,
pintura, objeto, o que for, já vai curioso
de saber qual a surpresa que ali encerra, o que
aquilo vai fazer ou lugar que se deve pegar para
fazê-lo mudar”14.
Vale ressaltar que depois da Bienal grande parte
das obras expostas terminaram no lixo, devido
aos estragos e excessos da participação
do público. Contudo, desde então,
a arte de participação ficou datada
no imaginário do consumidor de arte brasileiro.
Na teoria da
Obra Aberta de Humberto Eco (1962), o autor define
a arte como uma mensagem fundamentalmente ambígua,
uma pluralidade de significados em um só
significante, assim ele manifesta a problemática
da abertura estética da obra. Ainda em
62, Abraham Moles lança o Manifesto da
arte permutacional, onde a noção
de permutação poética, ou
plástica, caracterizada pela consciência
do jogo e de suas regras para a exploração
do campo dos possíveis já estava
presente. No final dos anos sessenta alguns teóricos
do campo da literatura, principalmente da escola
de Konstanz, criam a estética da Recepção,
onde concluem que os atos de leitura e recepção
pressupõem interpretações
diferenciadas e atos criativos que convertem
a figura do receptor em co-criador. Portanto,
a reflexão teórica associada às
tecnologias da comunicação permite
aos artistas interferirem na constituição
dos dispositivos técnicos e subjetivos,
tornando mais transparentes os três momentos
da comunicação artística:
a emissão da mensagem, a transmissão
e a recepção. Os artistas vão
se interessar por este recorte e por cada um
desses momentos de forma consciente ou intuitivamente,
podendo se interessar pelos três momentos
de uma só vez ou por apenas um deles.
Quando o destaque é para a emissão,
isto é, sobre a maneira pela qual a obra
advém, pela qual ela se faz e se pensa.
O artista trará à luz os fenômenos
da criação, desmistificando-os
e negando toda expressão subjetiva. Outros
se interessarão, sobretudo, pela transmissão
e pela maneira como as obras são dadas
a ver, socializadas. Eles tentarão inscrever
os processos de transmissão para fora
dos circuitos artísticos tradicionais
ou inventar novos, imaginar outras relações
com o público. E por fim, os últimos
vão destacar a recepção,
a maneira pela qual a obra afeta o observador
em sua sensibilidade e, principalmente, nos mecanismos
de percepção.
Para Lev Manovich
pode ser perigoso nos referirmos às mídias
interativas, sobretudo, quando interpretamos
‘interação’ somente
como um diálogo que acontece entre o usuário
e o autômato (pressionar um botão,
tocar uma tela, escolher um link, mover o corpo).
O processo psicológico de interação
que se dá entre um interpretante e o objeto
artístico na hora de compreender um texto
ou imagem, não pode ser esquecido. Myron
Krueger ressalta que muitos aspectos da realidade
virtual incluindo a participação
corporal, a idéia de telecomunicação
compartilhada, feedback multi-sensorial, luva
de dados, todas essas conquistas vêm das
artes e não da comunidade tecnológica15.
Então, José Bragança nos
adverte: “um dos elementos mais importantes
da arte é justamente a desafecção
ou des-fixação do espectador”16,
é justamente este que nos leva a divagar
em nosso próprio imaginário, impulsionado
pela obra do artista. Desta forma, é que
afirmamos que toda obra de arte é interativa,
mas o que acontece agora é que a obra
de arte mediada por computador - através
da interatividade – mediatiza, simula a
interação, que antes residia no
intervalo entre sujeito e o objeto, e a toma
como meta de construção de sua
estética, dando-lhe cada vez mais visibilidade
através da inclusão do sujeito
no interior do sentido da obra em um espaço
tecnologicamente expandido pela inteligência
artificial. Isso caracteriza esse tipo de arte
como arte de afecção, que afeta
o corpo do participante, que o fixa no lócus
criado da interação e, ao mesmo
tempo, o lança a um outro universo espaço-temporal,
no qual acontece uma experiência de similaridade
e expansão da consciência através
de uma prática de performance do corpo
e da simulação da própria
interação em um ambiente imersivo.
Arte
e mídia
A partir do que ficou conhecido como mídia-art,
ou artemídia houve um movimento de apropriação
artística das grandes mídias produtoras
de significados e a reversão da lógica
massificante e industrial desses meios em linguagem
estética. Jonathan Crary nos lembra que
“o mesmo conhecimento que permitiu a implantação
do racionalismo e o controle da subjetividade
humana em termos institucionais e econômicos
foi também a condição para
a possibilidade de experiência de um novo
regime de representação visual”17.
Assim, a arte eletrônica produz a reinvenção,
a reutilização criativa das máquinas
industriais para além de suas programações
de: standartização, serialização
e padronização. Quando Naim Jung
Paik, artista propulsor da videoarte, utiliza
imãs na lateral do televisor para reconfigurar
a lógica figurativa do aparelho, ele está
se recusando a cumprir o projeto industrial daquela
“máquina semiótica”18,
está criando uma outra semiologia, uma
linguagem estética de transgressão,
uma investigação poética
daquele aparato.
Da mesma forma
como, atualmente, o computador conectado em rede
pode ser matéria-prima para uma comunicação
retroativa ou interativa – que muito difere
do tradicional modelo mediatico dos massmedia
- ele pode também ser ‘transgredido’,
“hackeado” em seu sistema industrial
e servir de interface para a ligação,
convergência e reversão entre múltiplos
meios de natureza diferente. Sabemos que o uso
do computador não se restringe à
criação de imagens gráficas,
ao invés disso, o uso deste dispositivo
ao pode ser ampliado para todas demais áreas
de conhecimento e abrir a possibilidade de novas
criações artísticas (holografia
digital, software de artista, telepresence art,
instalação telemática, Webwork,
projetos biológicos). O advento do modo
dialógico comunicativo coloca em circulação
objetos semióticos que não podemos
mais reduzir a uma única relação
significante/significado, nem a um tipo especifico
de técnica; mas a um entrecruzamento de
todas as técnicas, experiências
estéticas e sentidos possíveis.
Pois, “o sentido não é mais
projetado de um ponto a outro do espaço
comunicacional; ele se elabora no decorrer da
troca através da interface entre o emissor
e o receptor”19
Nesta perspectiva, a interatividade produzida
pelas novas tecnologias pode acontecer de uma
forma muito mais profunda do que uma simples
imersão do observador na imagem, mas a
interação deste com a própria
imagem através de uma troca de informações
sensíveis entre o corpo biológico
do interator (sensações auditivas,
hápticas e proprioceptivas) e a inteligência
artificial da máquina numérica,
promovendo, assim, investigações
poéticas que problematizam e/ ou subvertem
os limites das novas mídias.
Arte
e vida
Roy Ascott, um dos artistas pioneiros da arte
eletrônica, nos fala da convergência
entre os sistemas “secos” computacionais
e os processos “molhados” biológicos
e como essa simbiose pode fornecer novos substratos
(átomos, neurônios e genes) para
arte20 através
do que ele chamou de moistmedia, ou
mídia-úmida. Na verdade, como nos
lembra Santaella: “as aproximações
entre arte e ciência não são
novas. O paradigma dessas aproximações
já se encontra na obra de Leonardo, estando
também presente em Alberti, Piero, Barker,
Daguerre, Prampolini, Eisenstein”21.
Contudo, continua a autora, “do século
XIX para cá, com a aceleração
do desenvolvimento tecnológico, essas
aproximações foram se estreitando
cada vez mais até se tornarem quase onipresentes
nas últimas décadas”22.
Desta forma, o uso crescente das novas tecnologias
e o interesse que a pesquisa científica
tem despertado nos artistas sugerem a impossibilidade
de segregação entre arte e ciência,
podendo até esta relação
ser uma chave para a arte do século XXI;
já que “decorre a impossibilidade
de se compreender o futuro das artes sem devotar
atenção à ciência
e à tecnologia”23.
A denominação geral que as formas
dessa arte têm recebido é bioarte,
arte biológica ou arte genética.
Ascott acredita que as fronteiras entre o orgânico
e o tecnológico, estão cada vez
menos evidentes, principalmente, devido ao desenvolvimento
da nanotecnologia, que pode ser o último
limiar entre a matéria e a consciência,
podendo transformar nossas relações
com o mundo material e imaterial de forma surpreendente.
De toda maneira
o campo da arte - que era o da produção
de subjetividade, do político, da fantasia
e do folclore, que se expressava, principalmente,
através do trágico e das narrativas
românticas e mitológicas –
passa por uma modificação estrutural
na linguagem estética e ética,
devido a hibridização entre tecnologia,
ciência e vida. A promessa da ciência
é erradicar a morte, o trágico
- o da tecnologia, tornar tudo mais prático
e customizável; e a arte como expessão
do momento reflete as transformações.
Quando Marcel Duchamp é questionado em
entrevista a respeito do uso da tecnologia na
arte, ele diz: “a arte afundar-se-á
ou será afogada pela tecnologia.”
Logo, Duchamp que tanto fez para ‘desesteticizar’
a arte, por encontrar uma outra relação
entre os objetos e a arte, parece recear que
a forma final da ilusão estética
seja operada pela tecnologia.
Eduardo Kac
afirma que “uma nova arte demanda novos
códigos e meios, novas formas de distribuição
e preservação, e novos modos de
apreciação critica”25.
Podemos perceber a estética da interatividade
como um dos principios do rizoma (Deleuze e Guattari),
o princípio das conexões, onde
abole-se a diferença entre as dualidades
como: arte e vida, fazendo a vida arte entrar
na arte, e não a arte na vida como pretendia
a vanguarda dos anos 60. “Não interessa
uma arte que seja separada da vida” (Oiticica).
“Por que um abajur pode ser uma obra de
arte, e uma vida não”. (Foucault)
A construção estética do
conexionismo está na crise da diferença
entre o real e o virtual. O que realmente significa
estar conectado? A grande promessa da arte interativa
é a interação total, a “algoritimização”
do mundo, a superação das aparências,
da representação, onde a arte pode
gerar vida e transformá-la em seus aspectos
tanto materiais quanto imateriais. Porém,
o que vemos, atualmente, é que muitos
artistas simplesmente "usam" novas
tecnologias na esperança de emprestar
algum valor a obras que de fato são vazias.
Então, como acredita Michael Naimark:
“Eu posso estar enganado, mas talvez a
arte interativa seja uma má idéia.
Pelo menos na maneira como tem sido pensada,
praticada e (especialmente) prometida”26.
Notas:
1
Ismail Xavier. “Transparência e opacidade”
2 Deleuze,
Gilles. “Ano Zero-Rostidade” In:
Mil Platôs:capitalismo e esquizofrenia.
Vol.3. ed34
3 Penny, Simon.
“From A to D and back again: the emerging
aesthetics of interactive art” (1996)
4 Bragança
de Miranda, José. “Da interatividade.
Crítica da nova mimesis tecnológica”.
In: Ars Telemática. Pág.192.
5 Don Ritter.
“The intersection of Art and Interactivity.”
6 Couchot,
Edmont. “Da representação
à simulação: evolução
das técnicas e das artes de figuração.”pag.42
7 Couchot,
Edmont. “A tecnologia na arte. Da fotografia
à realidade virtual”.pag.162
8 Couchot,
Edmont. Idem. pag.135
9 Deleuze.
“Francis Bacon”
10 Couchot,
Idem.pag.176
11 Schwartz
,Vanessa .”O espectador cinematográfico
antes do aparato do cinema:o gosto do público
pela realidade na Paris fim-de-século”
In: “O cinema e a invenção
da vida moderna”. Leo Charney e Vanessa
Schwartz (org.) pag.352
12 Silva,
Marcos. “O que é interatividade?”
(http://www.senac.br/informativo/BTS/242/boltec242d.htm)
13 Plaza,
Julio. “Arte e interatividade:autor-obra-recepção”.
(http://www.ehu.es/netart/alum0506/Ines_Albuquerque
/ARTE%20E%INTERATIVIDADE.htm)
14 Pedrosa,
Mario. “Bienal e participação...do
povo.” In: Mundo, Homem, arte em crise.
15 Myron
W. Krueger, "The Artistic Origins of Virtual
Reality," SIGGRAPH Visual Proceedings (New
York: ACM, 1993) pp. 148-149.
16 José
Bragança de Miranda. “Da Interatividade,
crítica da nova mimeses tecnológica”.
In: Claudia Gianetti, (Ed.). Ars Telemática
Telecomunicação, Internet e Ciberespaço
17 Crary,
Jonathan. “Techniques of the Observer:
On vision and Modernity in the Nineteenth Century”.
MIT, 1992.
18 Machado,
Arlindo.Em conferência no CCBB
19 Couchot,
Edmont.Idem.pág.186
20 Ascott,
Roy. “Technoetic Pathways toward the Spiritual
in Art: a transdisciplinary perspective on Connectedness,
Coherence and Consciousness”.
21 Santaella,
Lucia. “Arte & Ciência: o campo
controverso da bioarte.”
22
Santaella. Idem.
23 Santaella.
Idem
24 Ashton,
Dore. An Interview with Marcel Duchamp”.
Studio Internacional 171, n.878, 1966. Citado
por José Bragança. Op.cit.p.183
25 Kac, Eduardo.
“Telepresença problematiza a visão”.
Entrevista a Simone Osthoff. In: Cadernos da
Pós-Graduação, Instituto
de Artes, Unicamp, Campinas, ano1, vol.1, n.1,
pp.7-12, 1997.
26 Naimark,
Michael. “Interactive Art- Maybe It´s
a Bad Idea”.Cyberarts Internacional Compendium
Prix Ars Eletronica, 1998.
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Roy. Technoetic Pathways toward the Spiritual
in Art: a transdisciplinary perspective on Connectedness,
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Ms.
Leonardo Forny Germano
ECO/UFRJ, Brasil. |