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Arte e Interação: Nos Caminhos da Arte Interativa?

 

Por Leonardo Forny
Número 53

Resumo:
Atualmente fala-se muito em arte interativa, mas o que caracteriza uma obra de arte como interativa? Será apenas a utilização das novas tecnologias digitais – sua interatividade? A interatividade começou com o digital? Que estética e ética são inerentes a esse tipo de obra de arte? A interação já não é uma característica própria da manifestação do fenômeno artístico? Esses são alguns dos principais questionamentos sobre os quais buscaremos refletir sem, no entanto, definirmos respostas ou apontar caminhos definitivos.

Resumen:
¿Se dice actualmente muy en arte interactivo, pero qué caracteriza una obra de arte como interactiva? ¿Ser solamente el uso de las nuevas tecnologías digitales - tu interactividad? ¿La interactividad comenzó con la digital? ¿Qué estéticos y éticos son inherentes a este tipo de obra de arte? ¿La interacción no es ya una característica apropiada de la manifestación del fenómeno artístico? Éstos son algunas de las preguntas principales en las cuales buscaremos para reflejar fuera, sin embargo, para definir respuestas o para señalar maneras definitivas.

Interação e interatividade na obra de arte
Pode-se afirmar inicialmente que toda a arte é interativa; na medida em que toda a expressão artística é fruto da interação entre a obra, o artista e o interpretante. Os signos que compõem a obra de arte são expressos pela interação entre a subjetividade do artista (emissão), o meio pelo o qual ele dispõe para materializar a obra (transmissão). E, à luz da teoria dos signos de Pierce, consideramos que o signo artístico como qualquer outro só adquire realmente sentido de arte quando exposto a um interpretante ou um interagente capaz de dinamizar a obra de arte (recepção). Desta forma, o processo artístico é um complexo inter-relacional, uma permutação signa entre múltiplos elementos integrados a um campo dialógico em constante movimento, onde cooperação e conflito originam uma linguagem estética que comunica uma ética inerente a cada cultura e a cada época, mas que está presente em todas manifestações criativas.

Se com o passar das gerações históricas de cada cultura e sociedade a arte sempre se manifestou de forma a estabelecer diferentes regimes de representação, de subjetivação e produção foi porque ela sempre se utilizou dos dispositivos técnicos de sua época. O lápis, por exemplo, quando surgiu no século XVI foi algo de revolucionário para a arte. É, também, impossível pensar a revolução pictórica impressionista sem a rica paleta cromática tornada possível por avanços na ciência química da época. Mas, obviamente, o lápis e o tubo de tinta não fazem, sozinhos, obras de arte. Assim, a técnica aparece como potencializadora da obra de arte, mas não como fator determinante para que ela aconteça. Uma inovação tecnológica só importa para uma inovação da arte na medida em que aquela implique em novas relações, novas idéias, novos usos, uma nova consciência.

As possibilidades técnicas da arte, de tempos em tempos, tornam transparentes ou opacas as interseções existentes entre a obra, o artista e o espectador1. A pintura do século XVIII já problematizava o lugar do espectador, ora causando distanciamento (opacidade), ora trazendo-o à imergir na obra (transparência). É possível tomar como exemplo duas pinturas marcantes de suas épocas “La Vênus de Urbio”(1538), de Tiziano (fig.1) e “L’Olympia” (1863), de Manet (fig.2). A primeira é um quadro do Renascimento, onde a figura da mulher é delineada por contornos nítidos e formas bem definidas de luz, cor e sombra. A Vênus surge como a encarnação da sensualidade feminina da época, uma idealização da beleza, um modelo de representação da mulher. O olhar contemplativo que a deusa da sensualidade lança para fora do quadro remete o observador para além da atmosfera do real, do palpável. Da mesma forma percebemos que essa “rostidade”2 de distanciamento existe também na relação entre a figura de primeiro plano e a figura de fundo desfocada, distante. Já o quadro de Manet é um marco do Modernismo por desnudar a pintura enquanto artifício plástico (o espectador pode perceber as pinceladas que constituem a pintura). A veracidade da imagem, a nudez de uma mulher não como modelo ideal renascentista, mas como uma realidade pintada, um momento possível na vida, uma mulher real das ruas da época (uma cortesã!). Uma imagem fruto de um processo de particularização, e não generalização; assim, o espectador se vê seduzido, absorvido pela realidade da imagem, onde o olhar da mulher se comunica o olhar do observador, que é conduzido para dentro da ambiência da obra de arte. Logo, a experiência estética, que acontece no intervalo entre objeto e subjetividade, passa a assumir a inclusão do olhar do espectador no espaço da obra de arte. Portanto, a partir daí, a pintura deixa de ser estritamente contemplativa e passa a estabelecer uma identidade com o observador, busca romper com o modelo da representação e a se estabelecer como expressão da realidade em si própria.


Fig.1


Fig.2

De fato podemos considerar que toda a obra de arte contém ao menos um grau mínimo de interatividade, ou recorrendo à Barthes, um grau zero de interatividade . Já que devido à estrutura relacional de qualquer experiência estética, mesmo o receptor mais passivo é envolvido pela ambiência da obra de arte; desde a concepção do artista em incluir o olhar e a vida cotidiana, até às relações que acontecem na mente do observador contemplativo, em ambos os casos acontece uma interligação ou interação entre observador, obra e artista. Contudo, não podemos confundir essa interação com a interatividade inerente às novas tecnologias computacionais. Daí, por exemplo, Simon Penny, artista contemporâneo, ressaltar: “algumas pessoas vieram dizer-me que uma fotografia ou uma pintura eram interativas, o que me deixou furioso”3. Enfim, como destaca José Bragança, a questão não é saber se a interatividade está presente em toda obra de arte, mas sim “se a arte deve ter como critério absoluto a interatividade. Mais ainda, está em causa a apreensão do que significa esse desejo de interatividade total”4. Se há, não somente, uma tecnologia interativa, mas uma estética da interatividade. Para Don Ritter5, outro artista das novas mídias, é difícil ver a interatividade como um movimento artístico porque os diversos criadores de experiências interativas (CD-ROM designer, artista de instalações, o programador web, o produtor para TV interativa) o fazem por razões distintas. Assim, conclui o artista afirmando que talvez a interatividade não seja nem um movimento, nem uma mídia específica, mas antes de tudo um novo método de comunicação entre as pessoas e a mídia.

Representação e simulação
Para Couchot as tecnologias numéricas determinaram uma ruptura completa com a lógica figurativa da representação. O pixel como unidade fundamental da imagem numérica é expressão de um calculo efetuado pelo computador conforme as instruções de um programa, portanto, não mais representa o mundo real, mas sim, o simula. Couchot ainda afirma que a imagem digital “reconstrói o mundo real, fragmento por fragmento, propondo dele uma visualização numérica que não mantém mais nenhuma relação direta com o real, nem física, nem energética”6. Deste ponto de vista a imagem digital pode tanto partir do real e “numerizar” uma imagem ou objeto preexistentes - “transformando assim certas de suas características físicas em valores numéricos que os programas são capazes de tratar”7 - quanto produzir uma sintetização de uma realidade própria - desvinculada da natureza - capaz de modelizar uma imagem ou objeto a partir apenas de uma descrições matemáticas, ou algoritmos. Neste caso, “a fonte de imagem não é mais, então, nem uma imagem nem um objeto real, mas um processo computacional”8. Em ambas as formas, para Couchot, a imagem digital proporcionou não só uma ruptura completa com a lógica figurativa da representação, mas também da ligação entre imagem e o real, de modo que imagem e modelo passam a coabitar a mesma forma figurativa: a imagem de síntese.

Por outro lado, podemos enfatizar apoiados nas palavras de Deleuze que a arte nunca foi pura representação, “foi figurativa sem ser representativa”9. Um artista ao retratar uma imagem nunca o faz de forma a não imprimir a própria subjetividade naquela obra, até mesmo para um fotógrafo a pura representação é uma impossibilidade. Uma vez que o que faz a representação é o fato de ser interpretada em uma outra representação infinitamente (Pierce, 1974). Daí, concluímos que a crise da representação surge na própria origem da dialética platônica: do mundo das essências e da aparência, sensível e inteligível, modelo e cópia; onde a expressão artística era vista como uma mimesis, uma cópia de modelos, simulacros de realidade. Atualmente as “tecnologias de simulação”, ainda segundo Couchot, não visam imitar, nem fingir o real; elas buscam, em contrapartida, “substituí-lo por um modelo lógico-matemático que não seja uma imagem enganadora como o simulacro, mas uma interpretação formalizada da realidade ditada pelas leis da racionalidade científica”10. Contudo, como já vimos a imersão na imagem, a tendência artística de produzir uma realidade alterada, uma alteridade – ou o cotidiano, um momento possível da vida - não é coisa de agora, nem exclusividade da realidade virtual numérica. Pelo contrário, além da pintura moderna podemos citar como exemplo os panoramas e os museus de cera, que no fim do séc.XIX, surgiram como atrações para o crescente interesse público pela realidade: o cotidiano, a história, principalmente por conta do desenvolvimento da imprensa. “O realismo do panorama baseou-se na noção de que, para captar a vida, uma exposição tinha que reproduzi-la como uma experiência corporal e não meramente visual”11

Da interação à interatividade: imersão e participação
O conceito de interação vêm da física e refere-se ao comportamento de partículas cujo movimento é alterado pelo movimento de outras partículas. A partir daí este conceito passou pela psicologia e sociologia, onde a premissa é que nenhuma ação humana ou social existe separada da interação. Então, somente depois o termo foi incorporado ao campo da informática e transmutado em interatividade. Para, ainda nos anos 70, designar a transição da máquina computacional rígida para uma máquina conversacional. “Vale lembrar que o ambiente sociocultural em que se encontravam aqueles informatas era, desde os anos 60, o de contestação à unidirecionalidade opressiva e anti-social, particularmente marcante no contexto comunicacional”12.

Na arte a noção de ambiente e participação do espectador era uma tônica que se expressava como um princípio de criação coletiva. Havia uma tendência geral em todos os países onde as criações artísticas (teatro,dança, literatura, poesia, artes plásticas, música, cinema) procuravam passar a responsabilidade da criação para o público. Desta forma, “os ambientes artísticos acrescidos da participação do espectador contribuiram para o desaparecimento e desmaterialização da obra de arte substituída pela situação perceptiva: a percepção como re-criação”13. Desta forma, havia o questionamento tanto do estatuto da obra quanto o do autor, pois não só o olhar, mas o corpo do espectador era imerso em um ambiente dinâmico de criação, onde os limites entre ele, a obra e o artista eram transformados em participação: interação física e psicológica. Seria o fim da arte ou seu recomeço? A extrapolação do quadro, da imagem corporificada.

Em 1956, depois da Exposição de Arte Concreta, surge o movimento neoconcreto, que deriva da experiência concreta da abstração geométrica, da forma sem transcendência. A arte que parte do quadro e não da natureza – concepção muito diferente de Cézanne, onde não há arte sem natureza. Neste contexto, pintar é construir o quadro. O neoconcretismo se utiliza dessa perspectiva construtivista de relação do artista com o dispositivo para pensar a imagem como uma característica do espaço, projetá-la para além da moldura, estufando a tela do quadro. “Os bichos”, de Ligia Clark, nascem dessa problemática neoconcreta; portanto, não são esculturas, mas “não-objetos” (Ferreira Gullar), ou objetos que não tem mais forma definida, derivam da espacialização de imagens transfiguradas a partir da participação do espectador na obra. Ligia Clark ao ser questionada: “Quantas posições tem o bicho?” Ela disse: “Eu não sei, ele sabe”. Helio Oiticica é outro expoente dessa geração, através das obras “penetráveis” do artista, o espectador pode penetrar ambientes imersivos, ou vestir os famosos parangolés. Quando Mario Pedrosa nos fala a respeito da IX Bienal de São Paulo (1967), evento dedicado especialmente à arte de participação: “A arte deixou de ser aquela coisa distante e chata, mas terrivelmente respeitável que via pendurada às paredes e em certos pedestais, com guardas ao lado para impedir que alguém se aproximasse e tocasse. É agora algo que se mexe e pode ser mexido. Quando um ‘popular’ chega perto de uma escultura, pintura, objeto, o que for, já vai curioso de saber qual a surpresa que ali encerra, o que aquilo vai fazer ou lugar que se deve pegar para fazê-lo mudar”14. Vale ressaltar que depois da Bienal grande parte das obras expostas terminaram no lixo, devido aos estragos e excessos da participação do público. Contudo, desde então, a arte de participação ficou datada no imaginário do consumidor de arte brasileiro.

Na teoria da Obra Aberta de Humberto Eco (1962), o autor define a arte como uma mensagem fundamentalmente ambígua, uma pluralidade de significados em um só significante, assim ele manifesta a problemática da abertura estética da obra. Ainda em 62, Abraham Moles lança o Manifesto da arte permutacional, onde a noção de permutação poética, ou plástica, caracterizada pela consciência do jogo e de suas regras para a exploração do campo dos possíveis já estava presente. No final dos anos sessenta alguns teóricos do campo da literatura, principalmente da escola de Konstanz, criam a estética da Recepção, onde concluem que os atos de leitura e recepção pressupõem interpretações diferenciadas e atos criativos que convertem a figura do receptor em co-criador. Portanto, a reflexão teórica associada às tecnologias da comunicação permite aos artistas interferirem na constituição dos dispositivos técnicos e subjetivos, tornando mais transparentes os três momentos da comunicação artística: a emissão da mensagem, a transmissão e a recepção. Os artistas vão se interessar por este recorte e por cada um desses momentos de forma consciente ou intuitivamente, podendo se interessar pelos três momentos de uma só vez ou por apenas um deles. Quando o destaque é para a emissão, isto é, sobre a maneira pela qual a obra advém, pela qual ela se faz e se pensa. O artista trará à luz os fenômenos da criação, desmistificando-os e negando toda expressão subjetiva. Outros se interessarão, sobretudo, pela transmissão e pela maneira como as obras são dadas a ver, socializadas. Eles tentarão inscrever os processos de transmissão para fora dos circuitos artísticos tradicionais ou inventar novos, imaginar outras relações com o público. E por fim, os últimos vão destacar a recepção, a maneira pela qual a obra afeta o observador em sua sensibilidade e, principalmente, nos mecanismos de percepção.

Para Lev Manovich pode ser perigoso nos referirmos às mídias interativas, sobretudo, quando interpretamos ‘interação’ somente como um diálogo que acontece entre o usuário e o autômato (pressionar um botão, tocar uma tela, escolher um link, mover o corpo). O processo psicológico de interação que se dá entre um interpretante e o objeto artístico na hora de compreender um texto ou imagem, não pode ser esquecido. Myron Krueger ressalta que muitos aspectos da realidade virtual incluindo a participação corporal, a idéia de telecomunicação compartilhada, feedback multi-sensorial, luva de dados, todas essas conquistas vêm das artes e não da comunidade tecnológica15. Então, José Bragança nos adverte: “um dos elementos mais importantes da arte é justamente a desafecção ou des-fixação do espectador”16, é justamente este que nos leva a divagar em nosso próprio imaginário, impulsionado pela obra do artista. Desta forma, é que afirmamos que toda obra de arte é interativa, mas o que acontece agora é que a obra de arte mediada por computador - através da interatividade – mediatiza, simula a interação, que antes residia no intervalo entre sujeito e o objeto, e a toma como meta de construção de sua estética, dando-lhe cada vez mais visibilidade através da inclusão do sujeito no interior do sentido da obra em um espaço tecnologicamente expandido pela inteligência artificial. Isso caracteriza esse tipo de arte como arte de afecção, que afeta o corpo do participante, que o fixa no lócus criado da interação e, ao mesmo tempo, o lança a um outro universo espaço-temporal, no qual acontece uma experiência de similaridade e expansão da consciência através de uma prática de performance do corpo e da simulação da própria interação em um ambiente imersivo.

Arte e mídia
A partir do que ficou conhecido como mídia-art, ou artemídia houve um movimento de apropriação artística das grandes mídias produtoras de significados e a reversão da lógica massificante e industrial desses meios em linguagem estética. Jonathan Crary nos lembra que “o mesmo conhecimento que permitiu a implantação do racionalismo e o controle da subjetividade humana em termos institucionais e econômicos foi também a condição para a possibilidade de experiência de um novo regime de representação visual”17. Assim, a arte eletrônica produz a reinvenção, a reutilização criativa das máquinas industriais para além de suas programações de: standartização, serialização e padronização. Quando Naim Jung Paik, artista propulsor da videoarte, utiliza imãs na lateral do televisor para reconfigurar a lógica figurativa do aparelho, ele está se recusando a cumprir o projeto industrial daquela “máquina semiótica”18, está criando uma outra semiologia, uma linguagem estética de transgressão, uma investigação poética daquele aparato.

Da mesma forma como, atualmente, o computador conectado em rede pode ser matéria-prima para uma comunicação retroativa ou interativa – que muito difere do tradicional modelo mediatico dos massmedia - ele pode também ser ‘transgredido’, “hackeado” em seu sistema industrial e servir de interface para a ligação, convergência e reversão entre múltiplos meios de natureza diferente. Sabemos que o uso do computador não se restringe à criação de imagens gráficas, ao invés disso, o uso deste dispositivo ao pode ser ampliado para todas demais áreas de conhecimento e abrir a possibilidade de novas criações artísticas (holografia digital, software de artista, telepresence art, instalação telemática, Webwork, projetos biológicos). O advento do modo dialógico comunicativo coloca em circulação objetos semióticos que não podemos mais reduzir a uma única relação significante/significado, nem a um tipo especifico de técnica; mas a um entrecruzamento de todas as técnicas, experiências estéticas e sentidos possíveis. Pois, “o sentido não é mais projetado de um ponto a outro do espaço comunicacional; ele se elabora no decorrer da troca através da interface entre o emissor e o receptor”19 Nesta perspectiva, a interatividade produzida pelas novas tecnologias pode acontecer de uma forma muito mais profunda do que uma simples imersão do observador na imagem, mas a interação deste com a própria imagem através de uma troca de informações sensíveis entre o corpo biológico do interator (sensações auditivas, hápticas e proprioceptivas) e a inteligência artificial da máquina numérica, promovendo, assim, investigações poéticas que problematizam e/ ou subvertem os limites das novas mídias.

Arte e vida
Roy Ascott, um dos artistas pioneiros da arte eletrônica, nos fala da convergência entre os sistemas “secos” computacionais e os processos “molhados” biológicos e como essa simbiose pode fornecer novos substratos (átomos, neurônios e genes) para arte20 através do que ele chamou de moistmedia, ou mídia-úmida. Na verdade, como nos lembra Santaella: “as aproximações entre arte e ciência não são novas. O paradigma dessas aproximações já se encontra na obra de Leonardo, estando também presente em Alberti, Piero, Barker, Daguerre, Prampolini, Eisenstein”21. Contudo, continua a autora, “do século XIX para cá, com a aceleração do desenvolvimento tecnológico, essas aproximações foram se estreitando cada vez mais até se tornarem quase onipresentes nas últimas décadas”22. Desta forma, o uso crescente das novas tecnologias e o interesse que a pesquisa científica tem despertado nos artistas sugerem a impossibilidade de segregação entre arte e ciência, podendo até esta relação ser uma chave para a arte do século XXI; já que “decorre a impossibilidade de se compreender o futuro das artes sem devotar atenção à ciência e à tecnologia”23. A denominação geral que as formas dessa arte têm recebido é bioarte, arte biológica ou arte genética. Ascott acredita que as fronteiras entre o orgânico e o tecnológico, estão cada vez menos evidentes, principalmente, devido ao desenvolvimento da nanotecnologia, que pode ser o último limiar entre a matéria e a consciência, podendo transformar nossas relações com o mundo material e imaterial de forma surpreendente.

De toda maneira o campo da arte - que era o da produção de subjetividade, do político, da fantasia e do folclore, que se expressava, principalmente, através do trágico e das narrativas românticas e mitológicas – passa por uma modificação estrutural na linguagem estética e ética, devido a hibridização entre tecnologia, ciência e vida. A promessa da ciência é erradicar a morte, o trágico - o da tecnologia, tornar tudo mais prático e customizável; e a arte como expessão do momento reflete as transformações. Quando Marcel Duchamp é questionado em entrevista a respeito do uso da tecnologia na arte, ele diz: “a arte afundar-se-á ou será afogada pela tecnologia.” Logo, Duchamp que tanto fez para ‘desesteticizar’ a arte, por encontrar uma outra relação entre os objetos e a arte, parece recear que a forma final da ilusão estética seja operada pela tecnologia.

Eduardo Kac afirma que “uma nova arte demanda novos códigos e meios, novas formas de distribuição e preservação, e novos modos de apreciação critica”25. Podemos perceber a estética da interatividade como um dos principios do rizoma (Deleuze e Guattari), o princípio das conexões, onde abole-se a diferença entre as dualidades como: arte e vida, fazendo a vida arte entrar na arte, e não a arte na vida como pretendia a vanguarda dos anos 60. “Não interessa uma arte que seja separada da vida” (Oiticica). “Por que um abajur pode ser uma obra de arte, e uma vida não”. (Foucault) A construção estética do conexionismo está na crise da diferença entre o real e o virtual. O que realmente significa estar conectado? A grande promessa da arte interativa é a interação total, a “algoritimização” do mundo, a superação das aparências, da representação, onde a arte pode gerar vida e transformá-la em seus aspectos tanto materiais quanto imateriais. Porém, o que vemos, atualmente, é que muitos artistas simplesmente "usam" novas tecnologias na esperança de emprestar algum valor a obras que de fato são vazias. Então, como acredita Michael Naimark: “Eu posso estar enganado, mas talvez a arte interativa seja uma má idéia. Pelo menos na maneira como tem sido pensada, praticada e (especialmente) prometida”26.


Notas:

1 Ismail Xavier. “Transparência e opacidade”
2 Deleuze, Gilles. “Ano Zero-Rostidade” In: Mil Platôs:capitalismo e esquizofrenia. Vol.3. ed34
3 Penny, Simon. “From A to D and back again: the emerging aesthetics of interactive art” (1996)
4 Bragança de Miranda, José. “Da interatividade. Crítica da nova mimesis tecnológica”. In: Ars Telemática. Pág.192.
5 Don Ritter. “The intersection of Art and Interactivity.”
6 Couchot, Edmont. “Da representação à simulação: evolução das técnicas e das artes de figuração.”pag.42
7 Couchot, Edmont. “A tecnologia na arte. Da fotografia à realidade virtual”.pag.162
8 Couchot, Edmont. Idem. pag.135
9 Deleuze. “Francis Bacon”
10 Couchot, Idem.pag.176
11 Schwartz ,Vanessa .”O espectador cinematográfico antes do aparato do cinema:o gosto do público pela realidade na Paris fim-de-século” In: “O cinema e a invenção da vida moderna”. Leo Charney e Vanessa Schwartz (org.) pag.352
12 Silva, Marcos. “O que é interatividade?” (http://www.senac.br/informativo/BTS/242/boltec242d.htm)
13 Plaza, Julio. “Arte e interatividade:autor-obra-recepção”.
(http://www.ehu.es/netart/alum0506/Ines_Albuquerque
/ARTE%20E%INTERATIVIDADE.htm
)
14 Pedrosa, Mario. “Bienal e participação...do povo.” In: Mundo, Homem, arte em crise.
15 Myron W. Krueger, "The Artistic Origins of Virtual Reality," SIGGRAPH Visual Proceedings (New York: ACM, 1993) pp. 148-149.
16 José Bragança de Miranda. “Da Interatividade, crítica da nova mimeses tecnológica”. In: Claudia Gianetti, (Ed.). Ars Telemática Telecomunicação, Internet e Ciberespaço
17 Crary, Jonathan. “Techniques of the Observer: On vision and Modernity in the Nineteenth Century”. MIT, 1992.
18 Machado, Arlindo.Em conferência no CCBB
19 Couchot, Edmont.Idem.pág.186
20 Ascott, Roy. “Technoetic Pathways toward the Spiritual in Art: a transdisciplinary perspective on Connectedness, Coherence and Consciousness”.
21 Santaella, Lucia. “Arte & Ciência: o campo controverso da bioarte.”
22 Santaella. Idem.
23 Santaella. Idem
24 Ashton, Dore. An Interview with Marcel Duchamp”. Studio Internacional 171, n.878, 1966. Citado por José Bragança. Op.cit.p.183
25 Kac, Eduardo. “Telepresença problematiza a visão”. Entrevista a Simone Osthoff. In: Cadernos da Pós-Graduação, Instituto de Artes, Unicamp, Campinas, ano1, vol.1, n.1, pp.7-12, 1997.
26 Naimark, Michael. “Interactive Art- Maybe It´s a Bad Idea”.Cyberarts Internacional Compendium Prix Ars Eletronica, 1998.


Referencias:

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COUCHOT, Edmont. A tecnologia na arte. Da fotografia à realidade virtual .Ed.UFRGS, 2003.
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Ms. Leonardo Forny Germano
ECO/UFRJ, Brasil.