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Por Maria Inês Accioly
Número
53
Resumo:
Este texto tem o objetivo de dialogar com noções
e conceitos que cercam as tecnologias informacionais
na atualidade, tais como interatividade, imersão
e convergência digital, a partir da categoria
de “simulação”. Proponho
a relevância desse tema para o campo da
comunicação, assumindo como premissa
que ele constitui um dos pontos de articulação
entre as novas tecnologias e a produção
de subjetividade na cultura contemporânea.
Exploro aspectos relativos à dualidade
analógico-digital do código informacional
e estabeleço correlações
entre a lógica da simulação
e a dinâmica do controle.
Resumen:
Este artículo tiene el objectivo de dialogar
con nociones y conceptos que rodean las tecnologías
informacionales en la actualidad, tales como
interactividad, imersión y convergencia
digital, a partir de la categoria de “simulación”.
Propongo la relevancia de este tema para el campo
de la comunicación, asumiendo como premisa
que ello constituye un punto de articulación
entre las nuevas tecnologías y la producción
de subjetividad en la cultura contemporánea.
Exploro aspectos relativos a la dualidad analogico-digital
del codigo informacional y establezco correlaciones
entre la lógica de la simulación
y la dinamica del control.
Introdução
A popularização das tecnologias
informacionais, desde meados do século
20, introduziu a simulação tecnológica
na nossa vida cotidiana, produzindo mudanças
no estatuto da experiência e da realidade.
A idéia de simulação, que
o senso comum estigmatizava como fingimento ou
farsa – exceto na arte e nos jogos –
foi impregnada de uma positividade inédita
e ganhou um status elevado até
mesmo na esfera do saber. Hoje, técnicas
de simulação superam largamente
outros métodos de aprendizagem, de desenvolvimento
tecnológico e de produção
de conhecimento científico.
Numa primeira
abordagem, tendemos a creditar esse fenômeno
ao boom das tecnologias digitais. De
fato ele parece ter sido decisivo, na medida
em que os modelos digitais, infinitamente mais
plásticos que os analógicos, possibilitam
a manipulação de mensagens (textos,
sons, imagens etc) sem deixar vestígios.
Num mundo em processo de convergência digital
a distinção entre original e cópia
perde todo o sentido, o que nos obriga a recolocar
a questão da dualidade verdadeiro-falso
que dava suporte ao sentido clássico de
simulação como farsa.
A hipótese
que tentarei explorar neste trabalho é
que a potência da simulação
tecnológica contemporânea não
se deve exatamente ao avanço das tecnologias
digitais, mas sim ao entrelaçamento de
digital e analógico, incluindo a capacidade
do digital de imitar (vale dizer, simular) o
analógico. Quanto mais se sofisticam os
modelos algorítmicos, mais perfeitamente
analógico é o efeito que eles produzem
ao nível das interfaces.
A dualidade
parece ser uma característica da simulação.
Mas não a dualidade simétrica,
excludente, das oposições e das
contradições, e sim a dualidade
não linear, assimétrica, da ambigüidade
e do paradoxo. Uma dualidade que articula diferenças
e produz híbridos. A cultura contemporânea
nos desafia a pensar a simulação
sob uma nova perspectiva ética e estética,
sem recair em anacrônicos dilemas do tipo
verdadeiro versus falso mas também sem
aderir a uma cômoda indiferença
que só resultaria na despotencialização
dessa ferramenta cognitiva.
A dualidade
do código
Com o desenvolvimento das chamadas ciências
cognitivas, e mesmo antes de se configurar esse
relativamente novo campo transdisciplinar, produziram-se
conceitos e postulados sobre a vida e a linguagem
que foram decisivos para o desenvolvimento das
tecnologias informacionais. Um desses postulados
é o da “dualidade do código”,
que se expressa na biologia molecular por meio
do par DNA-organismo, na lingüística
pelos eixos metafórico e metonímico
da linguagem (Jakobson, 1981) e nas novas tecnologias
pelos modos digital e analógico da informação.
A filosofia
de Bergson também nos dá uma pista
para entender esse tipo de dualidade que não
opera nem por oposição nem por
exclusão, mas por complementaridade. Ao
conceber o par conceitual matéria-memória
para especular sobre a natureza da percepção
(Bergson, 1999), o filósofo driblou a
dicotomia clássica sujeito-objeto e suas
derivações: mente-mundo, natureza-cultura
etc. Dessa forma, abriu espaço para se
pensar o conhecimento a partir de hibridações
e interferências. Na mesma linha de Bergson,
as ciências cognitivas da segunda metade
do século 20 incluíram o corpo
e a ação do observador no conceito
de cognição (Varela, Thompson e
Rosch, 2003, p. 143-186).
Todo processo
cognitivo comporta a dualidade analógico-digital.
O modo analógico refere-se mais diretamente
à ação, ao corpo, ao aparelho
sensório-motor e às funções
de integração. Matizes são
percebidos analogicamente. O modo digital, por
outro lado, é enfatizado na memória,
no reconhecimento de padrões, nos automatismos,
reações reflexas e funções
de fragmentação. Contrastes extremos
são percebidos digitalmente. A dúvida
é analógica, a certeza é
digital. Incessantemente essas funções
se entrelaçam e hibridam – a repetição
de padrões abrindo caminho para a variação
e a criação, a criação
sedimentando-se por sua vez em novos padrões
numa sucessão infinita.
Informação
não é só bit, é também
forma. Enquanto a teoria canônica da informação,
de Shannon, está ancorada no digital (Shannon,
1948), a teoria da individuação
de Simondon – que é também
uma teoria da informação –
ressalta a dimensão analógica e
a natureza complexa do processo comunicacional
(Garelli, 1994). Por meio dos conceitos de metaestabilidade
e transdução1,
Simondon sustenta que a dinâmica da informação
dispensa unidades a priori e que mensagem,
emissor e receptor são categorias que
só se constituem no decorrer do processo
de in-formação. Isso tem diversas
implicações, entre elas a impossibilidade
de decompor o conjunto em entidades independentes;
a consideração do tempo como fio
condutor do processo; a experiência do
limite como base para a constituição
da forma e a incorporação do ruído
como fonte de informação nova.
Em suma, ao acentuar o seu caráter processual
e não determinístico, Simondon
inscreveu a dimensão analógica
no próprio conceito de informação.
A convergência
digital das tecnologias de comunicação
ainda está em curso e já se anunciam
os primeiros movimentos do “retorno ao
analógico”. A cibernética
projeta para um futuro próximo a hibridação
dos sistemas digitais com uma nova geração
de dispositivos analógicos (redes neurais
e microprocessadores produzidos com material
biológico) visando a compensação
das respectivas deficiências. Por exemplo:
o digital, tido pelo senso comum como superior
ao analógico em tudo, é menos eficaz
em funções de integração
cruciais para a prevenção de bugs
e detecção de vírus.
Essa aposta
da inteligência artificial não chega
a ser uma novidade. É apenas mais um passo
na reprodução artificial do sistema
cognitivo humano. A dualidade do código,
isto é, a irredutibilidade do processo
informacional tanto ao modo digital quanto ao
analógico, é não apenas
um desafio tecnológico como uma questão
que não pára de provocar a transdisciplinaridade
na ciência, aproximando teóricos
da informação, da física
e das ciências da vida.
A rigor, a expressão
“retorno ao analógico” não
é adequada para explicar a dinâmica
das tecnologias informacionais. Elas não
substituem o analógico pelo digital e
vice-versa, mas sim entrelaçam-nos cada
vez melhor. Basta lembrar a revolução
provocada há algumas décadas na
microcomputação pelos sistemas
operacionais amigáveis, icônicos,
e pela computação gráfica
de alta resolução. Ousadias analógicas
fertilizam e fazem proliferar as tecnologias
digitais. E vice-versa.
Simulacro:
entre a razão e os sentidos
A tematização do simulacro pela
filosofia antiga já evidenciava uma vertente
digitalizante – a platônica, baseada
na dicotomia verdadeiro-falso – e outra
analogizante – a de Lucrécio, que
privilegiava nessa categoria o efeito sensorial.
Se, para Platão, o simulacro era a imagem
enganosa, o artifício disfarçado
de natureza – falso pretendente, portanto,
à categoria superior dos modelos e das
essências – para Lucrécio
esse termo designava o espaço fluente
das superfícies que propiciava o contato
entre seres e coisas. Como nos mostra Michel
Serres, a teoria clássica dos simulacros
– não a de inspiração
metafísica, mas a física, de Lucrécio
– “é uma teoria da comunicação”...
“A teoria dos simulacros é um caso
singular da teoria geral dos fluxos; a comunicação
é uma circulação entre outras,
o conhecimento não é diferente
do ser” (Serres, 2003, p. 166).
Segundo a tradição
platônica, as imagens-simulacros portavam
uma assimetria de base em relação
aos modelos – identidade de aparência
e desvio de essência – e por isso
eram falsas pretendentes ao universo do belo
e do bem. A simulação se tornou
assim, na cultura filosófica ocidental
– e até há bem pouco tempo
- sinônimo de farsa.
Essa assimetria
faz do simulacro, de certa maneira, uma categoria
análoga aos sistemas não lineares
e complexos. Não foi por acaso que, desde
de Galileu, as ciências experimentais dedicadas
à investigação dos intrincados
fenômenos da natureza passaram a utilizar
sistematicamente o método de ensaio com
modelos físicos, isto é, a simulação,
para complementar o método analítico
formal (modelos lógicos). Descolada do
estigma de “farsa”, a simulação
científica positivou aquilo que a tradição
platônica enfaticamente rechaçava:
seu parentesco com os modelos. O modelo renascentista,
genuíno artefato, dessacralizava assim
a pureza metafísica do modelo platônico.
Entre os teóricos
contemporâneos que tematizaram o simulacro,
também se pode vislumbrar o confronto
entre as perspectivas analogizante e digitalizante.
No primeiro grupo parece estar Deleuze, com seu
manifesto pela reversão radical do platonismo,
na linha nietzschiana da “potência
do falso”, e sua belíssima análise
do simulacro de Lucrécio (Deleuze, 1974).
No segundo, Baudrillard, com sua investida radical
contra o simulacro contemporâneo –
o “simulacro de simulação”
– ao qual ele atribui uma lógica
estritamente binária (Baudrillard, 1991)
Um dos problemas
da abordagem binária da simulação
é que ela adere muito facilmente à
dicotomia verdadeiro-falso. É comum, por
exemplo, a idéia de que simulações
votadas ao aprendizado e ao conhecimento científico
– à busca da verdade, portanto –
são legítimas, enquanto aquelas
que visam enganar são ilegítimas.
Porém, essa distinção é
precária, dado que a simulação
opera entre o real e a ficção,
entre o verdadeiro e o falso. Ela porta sempre
alguma dose de engano, e ainda que esse engano
se restrinja aos sentidos, como no caso de um
simulador de vôo, entre a razão
e os sentidos é inevitavelmente problemático
tentar demarcar uma fronteira estável.
Irredutível
à representação, porém
inseparável dela, sempre lhe escapando
e eternamente retornando, a simulação
parece formar com essa categoria clássica
da cognição um par conceitual,
um vínculo de complementaridade, entrelaçamento
e hibridação. Se a representação
concerne aos objetos e aos sistemas, a simulação
concerne à dinâmica – funcionamento,
comportamento, movimento – desses mesmos
objetos e sistemas.
O que
é simulação
Na esfera das ciências duras e da tecnologia
a simulação comparece – desde
Galileu, como vimos - diretamente associada à
noção de modelo. Modelização
é a operação prévia
e indispensável a toda simulação.
Vejamos as etapas que, em linhas gerais, descrevem
o ciclo de um modelo de simulação
computacional dedicado ao conhecimento científico:
a) Observação
do fenômeno a ser modelado, registros (gravação
de imagens, sons etc) e armazenagem em memória
b) Categorização dos elementos
relevantes, parametrização
c) Codificação do fenômeno
numa lógica formal (numérica ou
não), representável de maneira
algorítmica
d) Definição da expressão
computacional (linguagem e requisitos de ambiente
computacional) e construção do
modelo
e) Teste sistemático do modelo e comparação
com o fenômeno físico correspondente
f) Ajuste do modelo e realimentação
da base de dados
Com base nos
conceitos pesquisados até aqui, proponho
a seguinte definição de simulação:
estratégia interativa de poder-saber que
consiste na produção de efeito
de real a partir de um modelo. O ciclo de simulação
computacional descrito acima comporta, efetivamente,
os elementos dessa definição: articulação
poder-saber, na medida em que trata do domínio
de um objeto ou sistema por meio da reprodução
do seu código; interatividade2,
uma vez que o modelo resulta de interações
recursivas do simulador com o meio (fenômeno
observado); e efeito de real, o objetivo que,
uma vez atingido, confirma a adequação
do modelo.
A interatividade
da simulação tem a forma de um
jogo, uma vez que pressupõe regras, ou
seja, um código; que constitui espaço
e tempo como variáveis e que mescla determinação
com uma certa abertura para o acaso. Essa dinâmica
dá à simulação o
poder de embaralhar fronteiras que balizam a
nossa percepção ordinária
do real, instaurando a indecidibilidade entre
o verdadeiro e o falso.
A expressão
“efeito de real” procura dar conta
da dimensão imersiva da simulação,
isto é, da capacidade da cena ou evento
simulado de absorver a atenção
do observador. Esse efeito pode ser endereçado
pura e simplesmente ao imaginário, como
exemplifica Roland Barthes em sua análise
da literatura de Flaubert (Barthes, 2004, p.181-190);
pode enfatizar o plano lógico, quando,
por exemplo, um jogador de xadrez antecipa os
lances do adversário para decidir sua
jogada, ou quando um cientista testa matematicamente
um modelo teórico; e pode privilegiar
o sensorial – eis o domínio dos
games, da realidade virtual e inúmeros
artefatos tecnológicos contemporâneos.
Aparentemente
a simulação privilegia o digital,
sobretudo no mundo tecnológico contemporâneo,
que realça a dimensão do cálculo,
do algoritmo. Entretanto, no momento em que se
põe em cena visando produzir efeito de
real, a simulação dissimula o algoritmo
e apresenta sua face analógica. Parece
ser uma propriedade singular dessa estratégia
cognitiva a contínua reversibilidade entre
analógico e digital. Ela se define tanto
pelo modelo (ênfase no digital) quanto
pelo efeito de real (ênfase no analógico).
Simulação
e controle: efeito “no” real
O uso da simulação como estratégia
de saber e poder é motivado principalmente
pelo desejo de prever, antecipar, controlar –
ou seja, provocar efeito no real. Tecnicamente,
o que define um simulador não é
só o alto grau de interatividade e imersão
induzido pelo aparelho, mas também o ambiente
controlado, regulado em termos de inputs
e outputs. Aproveito esta distinção
para desdobrar o último elemento da definição
que proponho para simulação –
“...a partir de um modelo” –,
pois ele se relaciona diretamente com a questão
do controle.
Modelos são
tradicionais instrumentos pedagógicos,
sejam aqueles feitos para estabilizar, como um
molde, um paradigma, uma norma a ser seguida,
um padrão a ser reproduzido; sejam aqueles
concebidos para inovar, como um protótipo
a ser testado ou um conjunto de hipóteses
a serem provadas. Modelos de simulação
podem pertencer tanto à primeira quanto
à segunda categoria, respectivamente na
medida em que privilegiem funções
de adestramento ou de invenção.
Toda simulação
é precedida pela construção
de um modelo, que pode ser material, como o protótipo,
ou imaterial, como os modelos computacionais.
Quando é posto em funcionamento esse modelo
propicia o que chamamos experimento, algo como
uma experiência controlada, reversível,
e portanto de baixo risco. Essa combinação
de atributos faz da simulação o
método contemporâneo por excelência
de aquisição de conhecimento. Aprende-se
por simulação em workshops,
jogos de empresas e com outras técnicas
do tipo learning by doing; faz-se inovação
tecnológica por simulação,
por meio de programas de desenho industrial,
arquitetura e engenharia; produz-se conhecimento
científico por simulação,
com o auxílio de processadores e softwares
capazes de sondar os mistérios da complexidade.
É fundamental
não perdermos de vista, contudo, que a
simulação implica uma redução
da complexidade do real ao nível do previsível
e do programável. Mesmo quando simulamos
o aleatório à maneira do “randômico”,
trata-se ainda de uma simplificação
- esta é a condição da reversibilidade
e do controle. Somente quando uma simulação
produz efeito “no” real, isto é,
quando atinge plenamente a sua meta e gera acontecimento,
o experimento se reinscreve no tempo e se converte
em experiência. Nesse momento, a complexidade
e a indeterminação retornam.
Sirvo-me da
distinção entre “sociedade
de controle” e “sociedade disciplinar”,
proposta por Deleuze (1992, p.219-226), para
tentar entender as especificidades desse tipo
de poder modulador, auto-ajustável e altamente
eficaz na desconstrução da sua
negatividade. Na verdade, não há
entre disciplina e controle uma diferença
radical. Foucault usa o termo “controle”
para se referir às formas mais abstratas
de poder que se desenvolveram ainda na sociedade
disciplinar, expressas na noção
de periculosidade (risco) e nas técnicas
do panoptismo. Ele já identificava as
raízes do controle na vertente anglo-saxônica
da sociedade disciplinar (Foucault, 1999, p.112).
A noção
de controle apresentada por Deleuze (1992) busca,
entretanto, explorar as descontinuidades entre
essas duas formas de poder, apontando diferenças
entre a dinâmica das disciplinas e as novas
forças que se instauraram na vigência
do capitalismo pós-industrial. Se a disciplina
requer espaços demarcados, fronteiras
definidas e confinamentos, o controle trabalha
em espaço aberto e flexibiliza limites,
afirma Deleuze. Aquilo que a disciplina busca
segregar e purificar, por meio da norma, o controle
inclui e segmenta. Enquanto a disciplina funciona
por moldes (analógicos), o controle age
por modulações (digitais). Enquanto
a disciplina prioriza os modelos-paradigmas,
o controle parece privilegiar os modelos de simulação.
A definição
de Deleuze sugere correspondências e afinidades
entre a dinâmica do controle e a da simulação.
A fluidez das fronteiras espaciais e temporais
na sociedade contemporânea (por exemplo,
entre escola e empresa e entre trabalho e lazer),
a exacerbação da mobilidade, a
modulação contínua de identidades
e funções, o crescente predomínio
das máquinas de informação
sobre as máquinas energéticas3,
são características da sociedade
de controle nitidamente compatíveis com
uma cultura da simulação4,
na medida em que este instrumento permite, mais
do que qualquer outro, o monitoramento de processos
e movimentos.
Foucault elegeu
a arquitetura panóptica como modelo para
descrever o funcionamento das disciplinas. Na
sociedade de controle esse modelo vem declinando
em proveito da arquitetura das redes, o que nos
permite supor uma transformação
nos dispositivos de poder-saber. Não há
mais um centro, como no panóptico –
ou melhor, pode haver centros, no plural, mas
sempre provisórios e instáveis.
Parece também não haver mais invisibilidade,
a não ser, talvez, nos interstícios
do diagrama reticular.
No modelo contemporâneo,
a dualidade do código se manifesta no
par rede-matriz. O modo “rede”, analógico,
é o dos processos de comunicação
e das comunidades virtuais, que desempenham funções
de integração e atualização.
O modo “matriz”, digital, é
o dos bancos de dados, que parametrizam, segmentam
e processam a informação colhida
nas redes. O par rede-matriz é particularmente
interessante para se pensar a dualidade do código,
na medida em que exprime dois modos de ver e
operar o mesmo modelo. É pelo jogo de
opacidade e transparência, de continuidade
e descontinuidade, que um modo se converte no
outro.
Entre o controle
e o descontrole, entre a determinação
e a aleatoriedade, o modelo de simulação
é realimentado incessantemente com novos
inputs do real. Isso é visível
sobretudo quando lidamos com modelos imateriais,
algorítmicos, infinitamente mais plásticos
e moduláveis do que os modelos físicos.
Embora a simulação vise o controle,
ela não chega a alcançá-lo
de forma absoluta. O real está sempre
a nos escapar e a trazer de volta os seus acasos.
Notas:
1
Metaestabilidade é o termo usado por Simondon
para abordar o equilíbrio dinâmico
dos sistemas vivos, superando dicotomias clássicas
como estabilidade-instabilidade e movimento-repouso.
Transdução é o conceito
da física que descreve a conversão
de um tipo de energia e outro, e que Simondon
utilizou de maneira não tradicional, postulando
que tal conversão implica necessariamente
uma variação na organização
do sistema.
2 Utilizo este
termo em sentido amplo, para designar tanto as
interações humanas tecnologicamente
mediadas quanto aquelas baseadas somente na linguagem
– um diálogo, por exemplo.
3 É
interessante notar que todos os exemplos citados
por Deleuze de perigos que recaem sobre as máquinas
contemporâneas – a interferência,
como perigo passivo, e a pirataria e a transmissão
de vírus, como perigos ativos –
implicam algum tipo de estratégia de simulação.
4 Essa expressão
não visa rotular a cultura contemporânea,
mas apenas acentuar a profusão das estratégias
de simulação, tecnológicas
ou não, na vida cotidiana.
Referencias:
Barthes,
R (2004). O efeito de real, in O rumor da
língua. São Paulo: Martins
Fontes
Baudrillard, J. (1991) Simulacros e Simulação.
Lisboa: Relógio d’Água
Bergson, H. (1999) Matéria e memória.
São Paulo: Martins Fontes
Deleuze, G. (1974) Lógica do sentido.
São Paulo: Perspectiva
__________(1992) Conversações.
São Paulo: Ed.34
Foucault, M. (1999)A verdade e as formas
jurídicas. Rio de Janeiro: Nau Ed.
Garelli, J. (1994) Transduction et information,
in Gilbert Simondon – une pensée
de l’individuation et de la technique.
Paris: Albin Michel
Jakobson, R. (1981) Dois aspectos da linguagem
e dois tipos de afasia, in Lingüística
e Comunicação. São
Paulo: Cultrix, 34-62
Serres, M. (2003) O nascimento da física
no texto de Lucrécio. São
Carlos (SP): EdUFSCAR, 2003
Shannon, C.E. (1948) A mathematical theory of
communication, texto publicado no periódico
The Bell System Technical Journal. Vol.
27, outubro
Varela, F. Thompson, E. e Rosch, E. (2003) A
mente incorporada – Ciências cognitivas
e experiência humana. Porto Alegre:
Artmed
Maria
Inês Accioly |