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Narrativas Audiovisuais e Mobilização Social: Possibilidades

 

Por Maria Luiza Martins
Número 56

Cultura e produção de sentido: perspectiva crítica
O crescimento, em alcance e penetração, da indústria cultural em toda sua multiplicidade de suportes, dos impressos aos audiovisuais e eletrônicos, a coloca como um dos mais importantes elementos da produção simbólica, uma vez que permeia, sempre mais, o tempo de não-trabalho dos indivíduos (sem desconsiderar que as mídias eletrônicas, principalmente, estão presentes, também, nos momentos de trabalho e de estudo). A partir de uma perspectiva teórica que concebe as narrativas e os discursos como elementos fundantes do real, torna-se forçoso reconhecer que a estrutura midiática hegemônica, comprometida com um determinado ordenamento social, incide decisivamente na constituição do campo simbólico, alimenta as representações sociais e atua expressivamente sobre os processos de construção de subjetividade. A sua quase onipresença nas sociedades possibilitou o surgimento de uma cultura ou “ethos” midiatizado construído basicamente sobre os meios audiovisuais (sem pretender isolar seus processos discursivos dos demais), tornando necessários e urgentes aprofundamentos teórico-metodológicos que dêem conta da relação entre essa produção simbólica que nutre a esfera pública e a elaboração de estratégias discursivas que acabaram por se transformar em um dos principais recursos utilizados pelos grupos minoritários na produção de identidades e na negociação de seu espaço social e simbólico com a sociedade.

A esfera da produção cultural é, em todas as sociedades, aquela em que se realizam o aprendizado e a aquisição de sentidos das relações sociais, das formas de sociabilidade e se constroem visões de mundo. Sua diversidade comporta diferentes maneiras de apreender, avaliar, sedimentar ou transformar as diversas relações que indivíduos e grupos estabelecem entre si nos planos social, econômico, político e religioso. Constitui-se, também, em núcleo gerador de identidade para indivíduos e grupos à medida que oferece modelos com os quais os indivíduos se reconhecem e com os quais se identificam.

É nessa esfera que circulam os diferentes discursos que vão construir subjetividades e na qual os indivíduos podem tomar consciência de suas reais condições de vida; por isso mesmo, é o campo no qual se desenrola parte de uma luta política, fruto de um processo cultural e histórico para a fixação dos sentidos em uma dada sociedade. Construídas de forma particular em cada tempo e lugar essas subjetividades estão vinculadas às condições de produção da existência, tanto no aspecto material quanto imaterial, este último visto como espaço privilegiado que abriga as tradições, a memória, os valores sociais. A existência de diferenciação nesses aspectos, no interior da sociedade, possibilita o surgimento de conteúdos culturais e simbólicos que refletem concepções e interesses distintos ou mesmo conflitantes. O surgimento de uma cultura em que as narrativas midiáticas ocupam o lugar das matrizes culturais tradicionalmente utilizadas como referenciais, coloca esses meios no centro da produção cultural e simbólica e dos agenciamentos subjetivos. A produção da subjetividade não é centrada no indivíduo, é um processo social em que estão presentes dispositivos e estratégias discursivas que, por meio de relatos e narrativas (não apenas ficcionais) não apenas nomeiam ou representam o real, mas têm o poder de instituí-lo1. Conduzidas pelas forças hegemônicas das sociedades, as instituições midiáticas dispõem da instrumentalização e do alcance necessários para forjar subjetividades em conformidade com um certo ordenamento social. Essas características fazem com que as análises das produções culturais não possam ser dissociadas das relações de poder existentes nas sociedades, poder que não se verifica apenas no sentido político estrito do termo, mas que se estende às relações entre classes, de gênero, étnicas e outras. Para Bourdieu2 (2001:15),

o poder simbólico [é percebido] como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão de mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico da mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário... O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que a pronuncia, crença cuja produção não é da competência das palavras.

Parte desse poder reside, justamente, na capacidade de ser ignorado como tal e reconhecido como capital simbólico legitimamente instituído, e de transformar as relações de comunicação em relações dissimuladas de força. Daí resulta que a importância dos discursos não se restringe à representação do real, mas reside em sua eficácia para gerir processos e agenciamentos políticos, identitários e de legitimação destinados a produzir e reproduzir os sentidos necessários para a manutenção do consenso em torno de uma determinada ordem social.

Nessa perspectiva, a articulação dos discursos midiáticos com as forças hegemônicas possibilita a legitimação e a validação de sua visão de mundo particular, naturalizando-a, tornando-a imperceptível à medida que tenta promover a exclusão ou a condenar a uma invisibilidade os sentidos divergentes, o que leva à uma “interiorização muda da desigualdade” e ao que Bourdieu3(1999:7) chama de violência simbólica, descrevendo-a como uma

violência suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento ou, em última instância, do sentimento.

Uma das tarefas da crítica cultural e, sobretudo, da crítica midiática tem sido a de identificar e compreender o funcionamento e as dinâmicas dos processos comunicativos e sua participação na construção de visões de mundo - suas bem elaboradas articulações de informações, as escolhas apontadas como possíveis e desejáveis, a ênfase em determinados assuntos e a omissão de outros, a escolha de temas e ângulos em que serão mostrados atuam na atribuição de sentido às coisas do mundo e às relações sociais.

É na esfera da produção simbólica que se situam os embates pela sedimentação dos significados sociais e essa percepção leva à assunção da existência, no campo das práticas discursivas, da luta pela sua fixação, pois, além das falas oficiais, hegemônicas, existem espaços sociais e culturais independentes que permitem a articulação e a circulação de discursos dissidentes, emergentes ou apenas expressões de singularidades e de diversidade cultural.

Desse ponto de partida é possível pensar a produção cultural e simbólica tanto como reprodução – a partir do momento em que as falas individuais repetem fórmulas consensuais ou refletem o ideário hegemônico – como também possibilidade teórica para o surgimento de práticas discordantes ou contestadoras, que podem transformar os significados periféricos ou inaceitáveis em legítimos e incorporá-los à formação discursiva, desde que esses discursos circulem socialmente e possam ser, de alguma forma, legitimados por meio da aceitação de setores significativos da população.

Eni Orlandi4 (1996:162), autora que desenvolve importantes trabalhos na área da análise do discurso, afirma que

O sentido que se sedimenta é aquele que, dadas certas condições, ganha estatuto de dominante. A institucionalização de um sentido dominante sedimentado lhe atribui o prestígio de legitimidade e este se fixa, então como centro: o sentido oficial (literal).

Enfim, a atuação dos meios de comunicação nas sociedades é vista aqui como elemento importante na construção da realidade social, em especial dos conteúdos simbólicos dessa realidade e da imagem que a sociedade e os diferentes grupos sociais fazem de si mesmos e dos outros. Eles apresentam e difundem idéias, imagens e representações de uma visão de mundo que indica as maneiras adequadas de comportar, de viver, a noção do correto e do impróprio, as expectativas que se pode ter, a diferença entre o possível e o utópico, enfim, atuam, ao lado de outras instâncias, como construtores das subjetividades. A forma como se é mostrado na mídia, assim como a invisibilidade midiática, é indicador relevante para a compreensão do modo como a sociedade retrata, reconhece ou ignora seus diferentes membros e grupos. Essa política de visibilidade tem a capacidade de atribuir aos diferentes atores sociais, individuais ou coletivos, valores simbólicos e relevância social que lhes outorgam reconhecimento e legitimidade. Da mesma forma, as políticas de visibilidade são, simultaneamente, políticas de invisibilidade, à medida que os modos de produção, distribuição e circulação de produtos audiovisuais dirigem e educam os olhares para que as escolhas pessoais recaiam sobre determinados tipos de produto, aqueles que fornecem as diretrizes para as identificações e referências, excluindo os demais.

Ainda assim, pode-se considerar que a diversidade das experiências objetivas e subjetivas seja empecilho para uma aceitação completa das mensagens recebidas, em razão do diferencial interpretativo e significativo. Além disso, as múltiplas mediações que se interpõem entre produtores e consumidores culturais, faz emergir, teórica e empiricamente, a possibilidade de florescimento de novos discursos, novas narrativas e novas instâncias de produção de subjetividade, num processo de resistência à força avassaladora da ordenação institucional por meio de novas formas organizacionais e discursivas. Ainda que em termos históricos possa ser considerado um fenômeno recente, o surgimento de diversas organizações da sociedade civil que aglutinam interesses distintos vem colocando em cena novos atores, novas falas, novas narrativas identitárias. São as minorias que começam a se organizar em coletivos5 e tratar do encaminhamento de suas demandas materiais e simbólicas. Em termos sintéticos, pode-se dizer que o conceito de minoria refere-se, aqui, àqueles grupos que, na abordagem conceitual de Muniz Sodré6, encontram-se em situação de vulnerabilidade jurídico-político, social e cultural, se reconhecem como singulares e buscam afirmação utilizando, sobretudo, estratégias discursivas que lhes dêem a visibilidade necessária para empreender uma luta mais propriamente cultural, mas não apenas.

Nessa busca para adquirir visibilidade social, para legitimar-se diante de membros de seu grupo ou da sociedade, o recurso às estratégias discursivas e às ações demonstrativas são elementos fundamentais. Raquel Paiva7, em texto recente, aponta, inclusive, o “risco de que as ações minoritárias possam ser empreendidas apenas em função de sua repercussão midiática, e que de algum modo esvaziaria a possível ação no nível das instituições da sociedade global”.

A compreensão das possibilidades do alcance social e da efetividade desses novos coletivos em busca de legitimação de sua diferença e/ou de suas demandas, a eleição das práticas comunicativas como estratégia de construção e afirmação de identidades, de negociação de espaços simbólicos com o conjunto da sociedade e de elaboração de seu projeto histórico, coloca ao pesquisador questões relacionadas ao refinamento de teorias e metodologias destinadas a compreender e contribuir para o desenvolvimento dos movimentos contra-hegemônicos. As discussões sobre multiculturalismo e sobre a visibilidade que assumem as alteridades nas sociedades contemporâneas, não raras vezes passam ao largo de questões fundamentais, como a relação dialética entre o reconhecimento do Outro e a reafirmação de si mesmo. Este movimento pode ocultar um tipo de orgulho ou presunção que acaba por outorgar ao Outro lugares sociais, econômicos, culturais (simbólicos) previamente determinados nos quais o circunscreve e o mantém. Nesse caso, se consideram imperativas as análises que, a partir do referencial teórico próprio da comunicação, apontem as possibilidades dialógicas existentes entre a produção midiática e a esfera do cotidiano, percebido como uma das instâncias especiais em que incide o processo de dinamização cultural, trazendo para a vida concreta, em seus aspectos material e simbólico, a efetividade e a legitimidade da existência das diferenças.

O potencial mobilizador do audiovisual
Ainda que a televisão continue ocupando um lugar hegemônico na produção e difusão de imagens, na elaboração de representações do mundo, na construção de sentidos que circulam socialmente e na formação do imaginário sobre os diferentes grupos sociais, a cinematografias nacionais também são representativas das reflexões sobre as culturas e elementos fundamentais para a compreensão das sociedades. Os produtos audiovisuais que nelas são produzidos ou nelas circulam são indicativos das referências e modelos apresentados aos distintos segmentos populacionais e podem também, quase sempre, ser considerados modelares para grande parte das audiências.

Apesar do monopólio televisivo na produção e difusão de bens culturais, a produção audiovisual no Brasil, em particular no que diz respeito à produção cinematográfica – aí compreendidos os diversos formatos e diferentes tecnologias empregadas – está experimentando, desde meados da década de 1990 um processo de aumento e diversificação da produção. As alianças com as redes de televisão, as maiores oportunidades de realização graças às leis de incentivo, a proliferação de festivais, mostras, oficinas e cursos propiciam a expansão do processo de produção e a ampliação das oportunidades de circulação e consumo. É bem reconhecido o movimento que festivais, mostras e ciclos cinematográficos trazem para as cidades que os abrigam. Sejam elas pequenas ou grandes, mesmo o olhar pouco atento pode perceber alguma efervescência. De acordo com o Guia Brasileiro 2006 de Festivais de Cinema e Vídeo, está prevista a realização de mais de cinqüenta eventos em todo o país, o que revela a existência de um processo de desconcentração e de diversificação – em termos de formato e de temática e localização geográfica. São mais de dez festivais temáticos, aí incluídos meio ambiente, gênero, etnográficos, infância e outros. A esses eventos somam-se os projetos de democratização do cinema que apresentam filmes a platéias comunitárias que não possuem meios de acesso ao circuito comercial de distribuição de filmes.

Por outro lado o barateamento dos custos de produção e de exibição de filmes propiciados pelas novas tecnologias digitais pode facilitar sua utilização para alcançar amplas e diversificadas audiências e estender sua utilização para além dos propósitos educativos e/ou demonstrativos.

Ora, a produção audiovisual é, reconhecidamente, percebida como uma esfera privilegiada de produção de sentido: vários estudos e pesquisas realizados a partir de diferentes perspectivas teóricas informam que os processos de identificação provocados pela exibição de filmes, documentários, animações são bastante intensos e não podem ser ignorados. O cinema brasileiro contemporâneo, por exemplo, apresenta um crescimento no volume e na qualidade técnica das produções, e cresce também o volume de publicações na área. Mas, atualmente, ainda são escassas as pesquisas e publicações que aprofundem temáticas relativas à possibilidade de elaborações contra-hegemônicas. Entretanto, a produção cinematográfica parece não ter sido ainda percebida e analisada em toda sua potencialidade para desencadear outros processos comunicativos e inserir novos temas e debates na agenda pública. Entretanto, essa capacidade de mobilização e de dinamização parece comprovar-se a julgar pela repercussão popular de determinados filmes e, mais recentemente, pela exibição, na Rede Globo, do documentário sobre os meninos que trabalham para tráfico de drogas8.

Considerando essa capacidade de provocar discussões em torno de determinados temas, torna-se pertinente analisar a incidência das produções audiovisuais, em particular das cinematográficas, nos processos de dinamização cultural capazes de conduzir à elaboração de discursos contra-hegemônicos. Neste trabalho se utilizará o conceito de dinamização cultural9 entendido como a capacidade que os diferentes meios de comunicação possuem de fazer circular discursos e de provocar reflexões sobre determinados temas, bem como das maneiras diferenciais como os indivíduos e grupos se apropriam dessas informações e os sentidos que elaboram a partir delas.

Vários anos de pesquisa sobre as práticas comunicativas utilizadas pelos mais diversificados grupos e organizações da sociedade civil10–em particular em organizações não-governamentais –, mostraram que é reconhecida a capacidade que as mídias audiovisuais possuem de provocar reflexões, questionamentos e discussões ao mesmo tempo em que são, também, suportes mais eficazes do que os impressos, por exemplo, para mobilizar e mudar comportamentos. No entanto, os processos de mudança de hábitos, crenças, comportamento oferecem extrema dificuldade aos comunicadores, uma vez que se trata, na maioria das vezes, de transformações de matrizes culturais enraizadas na experiência e na memória de indivíduos e grupos11. Ainda assim, considerando suas características técnicas particulares, sua capacidade de despertar atenção, interesse e de reavivar a memória, Arlindo Machado chega a afirmar que as produções audiovisuais podem ser consideradas como um “convite à mobilização”12.

A respeito da existência de algumas características específicas dos meios audiovisuais, entre elas a de um forte processo de identificação com o representado, Jacques Aumont avalia que mesmo o

filme mais rudimentar, assim como o mais elaborado, é capaz de nos ‘prender’: todos nós tivemos essa experiência, na televisão, de deixar-nos ‘prender’ pela identificação com a narrativa de um filme que julgamos (intelectual, ideológica ou artisticamente) indigno de interesse, tanto quanto um filme reconhecido por nós como uma obra-prima13.

Entretanto, apesar de reconhecidas todas essas possibilidades de utilização do audiovisual como elemento de reflexão, de questionamento e de dinamização cultural, são poucas as iniciativas de utilizar esse potencial em processos efetivos de transformações subjetivas. A maioria das organizações pesquisadas, quando o utilizam, como as que trabalham com “sexualidade e saúde”, por exemplo, o fazem buscando um efeito de demonstração ou com objetivos claramente educativos.

De forma semelhante, não é difícil constatar que estudos mais sistemáticos e aprofundados no que se refere à capacidade que as produções audiovisuais possuem de incidir mais efetivamente sobre as audiências, para além da repercussão meramente espetacular, estão apenas começando por meio de iniciativas ainda um tanto isoladas14 e/ou de perspectivas antropológicas que não têm como objeto de trabalho a relação entre audiovisual, dinamização cultural e afirmação e expressão de identidades. Encontram-se mais facilmente pesquisas referentes ao aprendizado e aos usos didáticos e escolares do audiovisual do que referentes à efetividade desses produtos sobre os processos de mobilização e de transformação social15. Essa produção cultural oferece ainda um vasto campo de trabalho ao pesquisador preocupado com a relação entre a mídia audiovisual e construção de processos contra-hegemônicos, sem contudo, descartar as reflexões sobre as possibilidades analítico-discursivas oferecidas pelos exercícios de interpretação da linguagem cinematográfica.

Nessa perspectiva, as produções audiovisuais possuem elevado potencial para dinamização cultural em dois aspectos: como evento espetacular e como unidades isoladas (filmes).

Como unidades de significação podem se constituir, por si mesmas, em mapas de sentidos, oferecendo oportunidades de reflexão e de questionamento a platéias que incorporam essas narrativas em seus discursos (seja assimilando, negando ou ressignificando-as) no sentido de fortalecer e legitimar singularidades perante si mesmos e perante o conjunto da sociedade.

Como eventos espetaculares são capazes de provocar amplas coberturas de mídia e, portanto de ser recebidos e apreciados por um público bastante amplo. Mas, contraditoriamente, esse caráter espetacular que quase sempre as produções audiovisuais assumem, a profusão de imagens que velozmente transitam no circuito cultural durante sua realização, também aceleram os processos de esquecimento e banalização, enfraquecendo todo o poder de sedimentação de poderiam conter. No entanto, a eficácia dessas produções transita por estratégias de apropriação e (re)trabalho dos conteúdos que vem a ser um processo de dinamização cultural promovido por práticas comunicacionais produtivas, de reflexão sobre os produtos cinematográficos que não se rendem à sua capacidade de envolvimento e de sedução.

Cinema e meio-ambiente: uma aliança possível
Como exemplo das afirmações acima, pode-se citar o grande evento em que se transformou o Festival Internacional do Cinema e Vídeo Ambiental (FICA) realizado anualmente na cidade de Goiás, Brasil.

Criado em 1999, o festival tem crescido enormemente, tanto na quantidade de filmes recebidos para a seleção, quanto na variedade temática, na oferta de eventos paralelos, na visibilidade que obtém nos outros veículos de comunicação e, evidentemente, na quantidade de pessoas presentes.

Resultados preliminares de uma pesquisa realizada no âmbito da disciplina Narrativas audiovisuais contemporâneas16 informam que o público presente constitui-se majoritariamente de jovens provenientes das cidades vizinhas e da capital do estado, Goiânia. Esses jovens, entre 13 e 18 anos de idade, comparecem em busca da diversão e do entretenimento nem sempre disponíveis em suas cidades de origem. Os eventos paralelos, como shows com artistas de grande sucesso popular, operam como atrativos principais. Para aqueles interessados em cinema, e secundariamente em meio-ambiente, são oferecids mini-cursos e oficinas, mas os freqüentadores representam uma minoria diante da grande afluência.

Apesar de os espaços destinados à projeção dos filmes e às palestras serem completamente ocupados e parecerem pequenos diante do número de espectadores, a existência de uma multidão de jovens que permanece ao largo das apresentações e das discussões é sintomática, indicativa de que a busca de espaços de socialização prevalece sobre a reflexão e o questionamento.

Da mesma maneira, das diversas organizações com sede no estado de Goiás e que têm o meio ambiente como objeto de trabalho, a maioria não se fez representar e não promoveu nenhum tipo de divulgação de seu trabalho. Até onde se pode avaliar os resultados da pesquisa realizada, também não se apropriaram do material cinematográfico para dinamizar as relações com seus diferentes públicos ou com sua clientela preferencial. Embora os filmes fiquem disponíveis para empréstimo, as solicitações provêm, majoritariamente, das escolas públicas (municipais) de ensino de segundo grau17. A demanda de escolas de primeiro grau, de universidades da sociedade organizada, em particular das ongs ambientais, é muito menor.

Caberá, então, àqueles que pesquisam as potencialidades dos meios audiovisuais, chamar a atenção dos “formadores de opinião”, estejam eles nas escolas, nas universidades, nas ongs ou nos órgãos públicos, a tarefa de indicar as possibilidades de questionamento, de reflexão e de mobilização social que os meios audiovisuais possuem e apontar os caminhos e as possibilidades de desenvolvimento cidadão que este meio tão propício a despertar inquietações pode oferecer.


Notas:

1 Ver a respeito, Muniz Sodré. O globalismo como neobarbárie. In: Moraes, Denis de (org). Por uma outra comunicação. Rio de Janeiro: Record, 2003.
2 Bourdieu, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,1999.
3 Bourdieu, P. Op.cit.
4 Orlandi. E. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas: Pontes, 1996.
5 A noção de “coletivo” refere-se aqui a organizações formais ou informais de atores sociais que possuem objetivos específicos de atuação e articulam suas atividades de forma planejada, organizada e regular. Não é pertinente, nesse momento, restringir o termo às figuras jurídicas das ONGs (organizações não-governamentais), das OSCIPs (organizações da sociedade civil de interesse público) e similares.
6 Sodré, Muniz. Por um conceito de minoria. In. Paiva, R. e Barbalho, A. (orgs). Comunicação e cultura das minorias. S. Paulo: Paulus, 2005.
7 Paiva, Raquel. Cinco anos de pesquisa e Comunicação e cultura de minorias. Rio de Janeiro, Intercom, 2005.
8 Falcão: meninos do tráfico. Documentário realizado por MV Bill e apresentado em horário nobre na maior rede de televisão brasileira, a TV Globo, com grande repercussão midiática.
9 O conceito de dinamização cultural vem sendo desenvolvido por pesquisadores do MIGRACOM, grupo de pesquisa sobre migrações da Faculdade de Ciências da Comunicação da Universidade Autônoma de Barcelona.
10 Mendonça, M.L.M. Processos comunicativos e subjetividade: desafios para o terceiro setor. Comunicação e Política, Rio de Janeiro, v. 22, p. 49-64, 2004. Mendonça, M.L.M. O marketing no Terceiro Setor: possibilidades e limites. In: Denise Cogo; João Maia. (Org.). Comunicação para cidadania. Rio de Janeiro, Ed. UERJ, 2006, Mendonça, M. L. M. Terceiro setor e mudança sociocultural: uma questão ainda em aberto. In: XXVIII Congresso brasileiro de ciências da comunicação, 2005, Rio de Janeiro: Anais Intercom, 2005. Mendonça, M. L. M. Comunicação, cultura e constituição de sujeitos. In: Maria Nazareth Ferreira. (Org.). Cultura Subalterna e Neoliberalismo: a encruzilhada da América Latina. São Paulo, 1997.
11 Em trabalho realizado para o Ministério da Saúde, em 2005, foi possível verificar que a resistência em mudar hábitos e comportamentos arraigados há muito tempo é obstáculo que oferece enormes dificuldades de ser superado quando se tem por objetivo provocar mudanças simultaneamente concretas e subjetivas em determinadas populações. Essa resistência põe em destaque certas estratégias, como o uso de meios audiovisuais e de redes de relacionamento. Ver. Mendonça, Maria Luiza M. A utilização de redes como estratégia de comunicação para o Terceiro Setor. Santiago de Compostela, Espanha, Anais do IV LUSOCOM, 2006.
12 Machado, Arlindo. Máquina e imaginário. S. Paulo: EDUSP, 2001, p.25.
13 Aumont, Jaques e outros. Ensaios de interpretação fílmica. Campinas: Papirus, 2002. p.264.
14 Algumas iniciativas de projeção de filmes para platéias comunitárias, como o projeto Cinema BR em movimento, no Rio de Janeiro têm sido acompanhadas por pesquisadores. Podem ser citados trabalhos de Josimey Costa da Silva O encontro no cinema: mídia e vínculo social (no prelo) e de Maximo Barro, Na trilha dos ambulantes. S. Paulo: Maturidade, 2000.
15 A literatura sobre cinema e audiovisual perpassa, grosso modo, três grandes áreas de interesse: audiovisual e educação, teoria e crítica cinematográfica e tecnologias e técnicas audiovisuais. De forma semelhante, as pesquisas e publicações sobre comunicação e mobilização social identificam a adequação do meio audiovisual para a transmissão de informações, como eixo para discussões, mas raramente investigam sua capacidade de impulsionar ações. Não se sabe exatamente o que os retratados diriam de suas representações. Nesse sentido, pode-se falar em uma certa cultura de autoridades; cujo paradigma pode ser verificado na repercussão do já citado episódio de transmissão do documentário “Falcão: os meninos do tráfico”, exibido nas telas da Rede Globo e que pautou os outros veículos, mas não incluiu como entrevistados garotos que hoje ocupam aqueles postos.
16 Narrativas audiovisuais contemporâneas, disciplina ministrada pela autora no primeiro semestre letivo de 2006. Facomb/UFG.
17 Informação fornecida pela diretora do Museu de Imagem e Som, Tânia Mendonça.


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Dra. Maria Luiza Martins de Mendonça
Professora no curso de publicidade da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia da Universidade Federal de Goiás. Pesquisadora na área de mídia, cultura, minorias. Brasil