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2007

 

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O Cinema Interativo é Possível

 

Por Denis Renó
Número 58

Introdução
As novas tecnologias têm possibilitado ao mercado audiovisual o seu franco desenvolvimento, em todos os gêneros. O baixo custo e as facilidades de produção aliadas aos resultados finais apresentados alavancaram a produção do setor, que oferece produções finalizadas, e muitas vezes captadas, em sistema digital, combatendo, assim, a quase inviabilidade econômica de se produzir uma obra em película. Mas todo esse desenvolvimento encontra uma lacuna tecnológica, aparentemente tecnocêntrica1, relacionada ao cinema interativo, ou às narrativas que possibilitam ao espectador uma participação na obra apresentada.

O espectador também sofreu mudanças. Agora ele pode ser chamado de espectador/usuário, pois o mesmo está sempre disposto a “navegar” pelas tecnologias oferecidas, mas o cinema não possibilita essa atuação, tecnologicamente. Tal situação irá se intensificar em breve, com a implantação da TV digital, que promete diversas inovações, dentre elas a interatividade. Qual será a possibilidade de se interagir no cinema quando este estiver sendo reproduzido na TV digital? Ainda não se definiu, ao menos no Brasil, como isso vai funcionar. Apesar dos diversos pólos de investimento de conteúdo promovidos pelo Ministério das Comunicações nos últimos anos, ainda não se chegou a um resultado animador. O mesmo ocorre em outros países, onde o investimento em pesquisas existe a um tempo maior, e um dos motivos que impossibilitam esse desenvolvimento, atualmente, é a tecnologia de software e de hardware. Mas a solução para o cinema interativo, ou a sinalização para um novo caminho, pode estar na narrativa, e não somente na tecnologia. Desprendimento do tecnocentrismo, onde a tecnologia é o suficiente para a maioria das inovações, é se faz necessário. Neste momento, passa-se a valorizar mais a capacidade e a participação humana no processo cinematográfico, realizado pelo homem desde sua invenção no século XIX.

Este artigo analisa, num primeiro momento, questões teóricas que apontam para a narrativa como uma possível solução aos impedimentos do desenvolvimento do cinema interativo, ou expandido, de acordo com a denominação de Shaw (2005). Para isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre os temas montagem audiovisual, cinema interativo e migração digital. Apoiou-se, para tanto, nas teorias de Vilches (2003), Leone (2005), Shaw (2005), Lunenfeld (2005) e Pudovkin (1983).

Em seguida, aplicou-se uma pesquisa experimental de caráter explicativo, trabalhando com um grupo definido por conveniência. Para tanto, participaram do teste seis profissionais e/ou pesquisadores sobre novas tecnologias ou narrativas audiovisuais. A eles foi oferecida uma obra audiovisual fragmentada. Os fragmentos foram todos assistidos e os usuários/participantes decidiram a ordenação destes para a realização de uma narrativa com sentido lógico e artístico. Os participantes responderam um questionário de seis perguntas fechadas e uma aberta a respeito dessas experiências, definindo-as como interativas ou não.

Com o resultado final da pesquisa, que teve caráter experimental por fazer parte da pesquisa de doutorado do autor, espera-se assinalar para a possibilidade narrativa de um cinema interativo, expandido não só digitalmente, mas narrativamente.

O processo de montagem é interativo
Antes de discutir sobre possíveis processos interativos existentes na montagem audiovisual é preciso compreender a sua importância no produto audiovisual, assim como suas origens. Tais discussões são abertas por Aumont (2004) de forma esclarecedora. O teórico defende consideráveis mudanças sobre conceitos de montagem cinematográfica e discute seu significado. Para ele:

O cinema, com efeito, conheceu outra forma de síntese, conceitual, abstrata, aquela cujo protótipo é o Eisenstein das “Notas sobre O Capitã”; é com essa síntese no horizonte que se dá toda a argumentação clássica sobre a montagem, a tirania do sentido e o direito imprescindível do real de falar sobre si mesmo. Claro, na medida em que ela é clássica, a polêmica sobre a montagem (aquela que continuamos a descrever como um enfrentamento Bazin vs. Eisenstein) se viu, em data recente, consideravelmente deslocada, e a montagem enquanto objeto teórico, não é mais totalmente o que ela era. A “interdição” baziniana da montagem em nome de uma estética do plano – do plano como vestígio e revelação não passível de ser fragmentada – foi ultrapassada de uma só vez. (AUMONT, 2004:101).

Xavier (2005) também defende o valor e a importância da montagem no processo cinematográfico para diversos cineastas e teóricos, como Pudovkin (In XAVIER, 1983: 60), para quem “a montagem constrói cenas a partir dos pedaços separados (...). A seqüência desses pedaços não deve ser aleatória e sim correspondente à transferência natural do observador imaginário (que, no final, é representado pelo observador)”, o que fortalece a possibilidade de comparação entre os efeitos da montagem audiovisual com os conceitos de hipertexto na Internet, onde o usuário também escolhe os “pedaços” textuais a serem lidos, não de forma aleatória, mas como conseqüência do discurso produzido por eles. Num olhar de caráter audiovisual, segundo Leone (LEONE, 2005: 25):

Entendendo-se a montagem como uma modalidade fundamental para a narrativa, ela estabelecerá uma interdependência de todas as expressões ao agir, através do corte, como transformadora das materialidades. Nessa perspectiva, o corte parece ser o fator que trabalhará o material fotográfico, como também o ordenamento do material sonoro, moldando relações e associações que integrarão a narrativa segundo as concatenizações lógicas.

A mesma atividade interativa, visualizada na montagem audiovisual, é defendida pelo mesmo autor como responsável por um processo compartilhado com outras expressões comunicacionais e suas ferramentas. A viabilidade de comparação entre a montagem e o hipertexto justifica-se novamente por palavras de Leone (LEONE, 2005: 103), para quem:

Não é só a expressão cinematográfica que contribui, através da montagem, para as possibilidades narrativas das imagens. Depois dela, as mídias eletrônicas, o vídeo, o CD-ROM e o hipertexto. Todos acabam abrigando-se nas possibilidades abertas para edição, seja para narrar uma história, seja para navegar nos discos. Hoje é impossível pensar somente em uma só mídia.

Tais possibilidades são realizadas tanto pelo montador quanto pelo usuário das ferramentas interativas oferecidas pela Internet, realizando um novo roteiro de leitura das mensagens a cada hora, a cada opção escolhida. A informação, tanto para um quanto para outro, é oferecida fragmentada, dividida e interligada por nós (RENÓ, 2006), oferecendo caminhos distintos. Esse conceito de decomposição da informação percebida com o hipertexto é semelhante ao do audiovisual, que seleciona seus fragmentos através da decupagem. Segundo Xavier (XAVIER, 2005: 27):

Classicamente, costumou-se dizer que um filme é constituído de seqüências – unidades menores dentro dele, marcadas por sua função dramática e/ou pela sua posição na narrativa. Cada seqüência seria constituída de cenas – cada uma das partes dotadas de unidades espaço-temporal. Partindo daí, definamos por enquanto a decupagem como um processo de decomposição do filme (e, portanto, das seqüências e cenas) em planos.

Atualmente, as novas tecnologias sugerem uma migração do audiovisual, hoje no cinema e no vídeo, para a Internet, somando-se à possibilidade de interatividade no processo. Não uma migração como existe atualmente em sites específicos de exibição audiovisual (como, por exemplo, os sites Porta Curtas2 e YouTube3), mas com uma estética que ofereça ao usuários processos participativos. Isso é discutido pelas pesquisas em desenvolvimento por Adrian Miles, Jefrey Shaw e Peter Lunenfeld, ambos pesquisadores sobre o cinema interativo e suas vertentes de produção e linguagem. Segundo Lunenfeld (LUNENFELD, 2005: 356):

Apesar de estarmos ainda no começo do processo, podemos identificar as características focais do domínio emergente do cinema digitalmente expandido [o cinema interativo]. As tecnologias dos ambientes virtuais apontam para um cinema que é um espaço de imersão narrativo, no qual o usuário interativo assume o papel de câmera e editor.

Também engajado com estes estudos, Miles (2005) foi um dos responsáveis pelo fundamento principal na estruturação do conceito de interatividade existente num produto audiovisual, de forma que fosse capaz de provocar novas experiências em quem o assiste, conceituando isso como a característica básica do cinema interativo. Para Miles (MILES, 2005: 153):

Não desejo criticar a colonização do cinemático pelo hipertexto, mas, sim, alterar as regras de engajamento. Em vez de tentar pensar que o cinema pode oferecer ao hipertexto, o que já assume uma territorialização do hipertexto em termos do discurso escrito, quero propor que o hipertexto sempre foi cinemático.

Apesar de estudado com certa intensidade, o cinema com interatividade ainda não atingiu o seu maior objetivo, como declarado por Cameron (CAMERON apud SHAW, 2005: 372), para quem o cinema interativo deve ser capaz de, através do material audiovisual, proporcionar ao público a construção de suas próprias experiências. Para ela:

Quando você percebe pela primeira vez que os computadores não são apenas ferramentas, mas uma nova mídia, por meio da qual a informação pode ser entregue de maneiras completamente novas, uma lâmpada se acende – certamente aconteceu na minha cabeça e vi acontecer na cabeça de uma porção de gente. Ao invés de sumos-sacerdotes em torres de marfim decidindo o que será um programa de TV, você pode oferecer o material do programa ao público e eles podem construir suas próprias experiências.

Ao mesmo tempo, segundo Miles (MILES, 2005: 162), “uma edição ou link é, se quiser, uma manifestação da expressão dessa força”, referindo-se à interatividade. Percebe-se, teoricamente, com a ajuda destes autores, que uma nova edição, mesmo que pela seqüência particular na abertura de links, pode-se obter uma nova experiência e, conseqüentemente, atingir o objetivo principal do cinema interativo, que propõe uma participação maior do espectador/usuário no processo narrativo, associando novamente a montagem audiovisual com o hipertexto adotado pela Internet.

Uma das discussões relacionadas com o tema refere-se à autoria de um produto audiovisual interativo. Quem é o autor deste produto: o diretor ou o espectador/usuário? As teorias atuais do cinema sugestionam um autor supremo de uma obra. Porém, existem outros autores responsáveis pelo resultado final de um produto audiovisual. Além do diretor, participam diretamente da obra o roteirista, o montador, o diretor de fotografia, dentre outros com menos importância. A participação do diretor de fotografia na construção narrativa, segundo Xavier (XAVIER, 2005: 20), é explicada em:

A relação freqüente vem do fato de que o enquadramento recorta uma porção limitada, o que via de regra acarreta a captação parcial de certos elementos, reconhecidos pelo espectador como fragmentos de objetos ou de corpos. A visão direta de uma parte sugere a presença do todo que se estende para o espaço “fora da tela”. O primeiro plano de um rosto ou de qualquer outro detalhe implica na admissão da presença virtual do corpo.

Porém, essa admissão, assim como a extensão para “fora da tela”, acontece de forma imaginária, ou seja, a mensagem pode ser reconduzida pelo diretor de fotografia, dando a ele poderes de autoria. O mesmo ocorre com o montador, que, segundo conceitos de André Bazin (XAVIER, 2005: 88), o montador possui funções de direção, por mais simples que seja esta atuação. “A conclusão de Bazin é que, mesmo no nível mais imediato da apresentação dos fatos, a mais modesta montagem já impõe uma direção que tende a dar uma unidade de sentido para os eventos”. Porém, Xavier (XAVIER, 2005: 89) revela uma crítica de Bazin a esta supervalorização do poder de direção em “o cineasta não é um juiz, mas uma humilde testemunha” por ser claramente favorável ao cinema direto, em contraposição à montagem cinematográfica. Já o russo Sergei Eisenstein (apud XAVIER, 2005: 129) justifica a montagem quando diz que “diante de qualquer espetáculo, é preciso, ‘guiar o espectador na direção desejada’”. Com isso, estes passam a ser co-autores da obra audiovisual.

Mas a panorâmica de autoria e co-autoria fortalece-se nos dias atuais, onde a interatividade e a leitura hipertextual e não-linear torna-se freqüente nos processos comunicacionais. Com o advento da hipertextualidade, o leitor/espectador passa a ser co-autor da obra, pois a reconstrói no momento da leitura, na escolha de novos caminhos e obtenção de uma nova experiência, como defendido por Cameron neste trabalho. Tal conceito é fortalecido por Picos & González (PICOS & GONZÁLEZ, 2006: 19), quando:

Segundo as teorias ao uso, a irrupção de uma literatura interativa e hipertextual nos põe diante de uma nova forma de escritura que joga contra a autoridade do autor: o autor cancelaria a polissemia do texto e, como o Deus da cristandade, deixaria pouco espaço para converter o leitor em intérprete promíscuo e criador de um texto aberto, de um organismo intertextual conectado até o infinito com outras mensagens e marcas em evolução constante, um texto de textos (literários, mas também fotográficos, fílmicos, pictóricos ou musicais), quem sabe o Livro dos Livros como sonhou Maomé.

Com a leitura hipertextual, o status de autoria ganhou mais um coletivo de concorrentes: o leitor/espectador. Vilches discute a respeito dos novos poderes dos espectadores, agora usuários, no campo do audiovisual como:

Os novos meios parecem impulsionar uma dinâmica radicalmente diferente, por generalização da demanda. Portanto, a participação nos produtos audiovisuais é um fato, ante a exigida recepção passiva da era da televisão. (…) Mas se os usuários são agora criadores de seus próprios produtos, o que acontecerá com e teoria da mediação? (…) Será que os usuários converter-se-ão em criadores e escritores, apenas por passarem a dispor de ferramentas interativas e de hipertextos? (VILCHES, 2003: 20),

Com os novos conceitos de autoria e co-autoria, provocadas pelo advento da hipertextualidade, o leitor/espectador não se contenta com a passividade (SANTAELLA, 2004). Essa necessidade da participação pode se expandir para o cinema, quando este for interativo, tornando-os diretores ao lado dos tradicionalmente considerados envolvidos com a produção de uma obra audiovisual.

Atuais obstáculos tecnológicos
Atualmente, o cinema interativo é inviabilizado por motivos tecnológicos. Espera-se que desenvolvimentos de hardware e de software ofereçam aos produtos idealizados como interativos a possibilidade de abertura de participação aos usuários. As idéias apontam para produtos que ofereçam interatividade na construção da história através da utilização de equipamentos que escolham dentro de um cenário (a imagem na tela) um novo caminho a seguir ou possibilidades a se desenvolver, com livre-arbítrio do espectador. Segundo Lunenfeld, uma reportagem publicada em Sidney sobre o primeiro Festival de Cinema Interativo no programa Portugal Media 2001 supunha “uma tela de cinema ao seu redor, exibindo uma cena panorâmica na qual você pode escolher a ação que deseja ver, aplicando o zoom em certos acontecimentos e vendo algo diferente do que está sendo visto pela pessoa ao seu lado” (LUNENFELD, 2005: 369).

Porém, tais tecnologias estão ainda distantes de surgir, segundo Shaw (2005). O mesmo autor também discute as superações que o cinema deve enfrentar em breve, sendo que “o maior desafio para o cinema expandido digitalmente é a concepção e o planejamento de novas técnicas narrativas que permitam que as características interativas e emergentes desse meio sejam incorporadas satisfatoriamente” (SHAW, 2005: 362).

Lunenfeld (LUNENFELD, 2005: 369) define o cinema interativo como “um híbrido que foi um grande hype, mas que nunca deu certo”. Mas, em seguida, o autor indaga que apesar dos insucessos obtidos pelo cinema interativo, os entusiastas não deixaram de pesquisar e discutir a respeito, assim como oficinas para o desenvolvimento de ferramentas em diversas universidades norte-americanas (como MIT e University of Princeton) e espanholas (Universidad Autónoma de Barcelona e Universidad de la Andalucía).

Outro obstáculo do cinema interativo refere-se à autoria. Quem é o autor de um filme interativo? O produtor, que desenvolveu um produto que possibilita ao espectador/usuário a participação na construção, ou reconstrução, de uma obra final, ou esse espectador/usuário, que “dirigiu” a nova obra?

O tema autoria é freqüente no debate sobre os meios digitais. Mas não é tão recente. O próprio Paul Levinson, ao discutir sobre a inversão de papéis entre autor e leitor nos meios digitais, coloca a seguinte questão: “quem é o autor de um filme?” (GOSCIOLA, 2003: 134).

Mas tal discussão é amenizada por Bogdanovich (BOGDANOVICH, 2000: 21-22), que define o nível de autoria audiovisual de acordo com o quanto o filme revela da pessoa que o controlou, ou seja, se a obra revelar mais sobre o espectador, este pode ser considerado um autor. Como o cinema interativo ainda não foi efetivamente oferecido ao mercado, e ao público, pode ser prematuro discutir o tema.

A narrativa hipertextual como proposta: o experimento
Para tentar saciar as ansiedades e solucionar problemas enfrentados, realizou-se um experimento-piloto neste trabalho que contempla uma estrutura de linguagem hipertextual baseada nos conceitos de montagem audiovisual como a ação de juntar as partes, organizar os planos, definidos por Leone & Mourão (LEONE & MOURÃO, 1987: 15). A idéia adotada neste experimento também resulta da interpretação de uma possível solução ao cinema digital sugerida por Shaw (SHAW, 2005: 362), para quem:

Uma estratégia é desenvolver estruturas modulares de conteúdo narrativo que permitam um número indeterminado, mas significativo, de permutas. Outra abordagem envolve o projeto algoritmo de caracterizações de conteúdo que possam ser moduladas tanto pelo usuário como pelo uso de um modelo genético de seleção. E talvez o desafio supremo seja a noção de um cinema digitalmente expandido que seja efetivamente habitado pelo seu público, que, então, se torna agente e protagonista de seus desenvolvimentos narrativos.

As estratégias tecnológicas sugeridas por Shaw não foram adotadas neste experimento, apesar de tais ferramentas estarem em desenvolvimento para o experimento maior, que será realizado num futuro próximo para a obtenção de respostas para a tese de doutoramento em desenvolvimento por este autor. Apoiou-se, neste trabalho, apenas no conceito de organização de estruturas modulares na narrativa, que se assemelha ao conceito de montagem audiovisual de Leone & Mourão (LEONE & MOURÃO, 1987). Também apoiou-se na teoria de Shaw (SHAW, 2005: 356) de que “as tecnologias dos ambientes virtuais apontam para um cinema que é um espaço de imersão narrativo, no qual o usuário interativo assume o papel de câmera e editor”. A solução em misturar audiovisual com estrutura hipertextual para se obter uma narrativa interativa apóia-se em conceito de Leone, para quem:

Se no decorrer do tempo o cinema consolidou suas originais possibilidades narrativas, a televisão, o vídeo e a multimídia absorveram esses conhecimentos e deles se valem para criar novas possibilidades e novas metodologias na construção dos discursos audiovisuais e dos discursos em hipertexto. Todas as mídias, debaixo do manto da edição, acabam se encontrando nas estruturas de dramatização, pois o trabalho de articulação produz o discurso com seus tempos e seus espaços (LEONE, 2005: 103).

Para a realização do experimento, fragmentou-se a obra do gênero documentário Aurora, do cineasta Kiko Goifman, em oito partes diferentes. Em seguida, postou-se cada um dos fragmentos no YouTube, em ordem aleatória, diferente da original. Com isso, o participante do experimento teria a possibilidade de definir a ordem de exibição. O passo seguinte foi construir, em HTML, um arquivo com explicações sobre os objetivos e o funcionamento do experimento, onde o participante deveria assistir todos os fragmentos oferecidos na página, com link para o arquivo no YouTube, e decidir qual seria a ordenação de fragmentos ideal para aquela obra, remontando-a. Como foram oferecidos oito fragmentos, existia-se a possibilidade de obtenção de 40.320 resultados diferentes, não indeterminados, mas significativo, como propõe Shaw (2005).

A etapa seguinte foi definir o grupo participante. De forma aleatória e por conveniência definiu-se um grupo de seis participantes, formado pelo mexicano Octavio Islas (professor doutor do Instituto Tecnológico de Monterrey, México, especialista em Cibercultura), o peruano Alejandro Machacuay (professor da Universidade de Piúra, Peru, especializado em audiovisual), a brasileira Adriane Harder (mestre em cinema pela ECA/USP, documentarista), o colombiano Jerónimo Rivera (professor mestre da Universidade de Medellín, Colômbia, especializado em audiovisual), a equatoriana Maria José Martinez (professora da Universidade Técnica Particular de Loja, Equador, especializada em comunicação) e o brasileiro radicado no Canadá, Paulo Salomão (documentarista). Todos receberam o arquivo em HTML e um questionário, escrito em dois idiomas (português e espanhol) com seis perguntas fechadas e uma sétima questão para os mesmos definirem a ordem escolhida para a remontagem da obra. Porém, Jerônimo Rivera sentiu dificuldades em compreender a obra utilizada no experimento devido às diferenças de idioma, em português, o que impossibilitou sua participação no experimento. O mexicano Octavio Islas também não retornou o experimento dentro do prazo estipulado da pesquisa, por motivos não explicados pelo participante. Os demais participantes não apresentaram tal dificuldade, mas este fato direciona o experimento efetivo da tese para cuidados com a legenda ou a tradução dos vídeos utilizados, pois na ocasião a maioria dos participantes pertence a países hispânicos, assim como definir um grupo participante realmente engajado com a temática do experimento, o que pode reduzir o índice de não-participação.

A primeira pergunta indagou os entrevistados quanto à participação, se eles consideraram ter participado do resultado fílmico apresentado com a reorganização, oferecendo apenas alternativas sim e não, direcionando-os para a pergunta seis no caso da resposta ser negativa. O resultado foi animador, pois 100% declararam ter participado.

A segunda pergunta avaliou o nível de participação considerado por eles, com opções de nível total, alto, médio, pouco ou nenhum. Dentre as cinco opções, 25% declararam ter obtido participação total, 25% consideraram a participação de nível alto, 25% consideraram sua participação média e 25% considerou pouca participação.

O tema autoria começou a ser abordado na terceira pergunta que indagou se o produto final apresentado após a reorganização podia ser considerado novo filme. Chegou-se ao resultado de 75% para a resposta sim e 25% para a resposta não.

Novamente, na questão quatro, discutiu-se a autoria, agora de forma direta. Perguntou se os entrevistados eram autores da nova narrativa apresentada com a reorganização dos fragmentos. Dos seis participantes, novamente 50% considerou sim e 50% optaram pela resposta não.

A quinta questão referiu-se ao sentido lógico apresentado com a reorganização proposta, pois essa é uma preocupação com relação à perda da linearidade narrativa. O resultado apresentado foi 100% para a opção sim, apesar das diferentes estruturas narrativas propostas. Como defende Vilches (VILCHES, 2003: 158):

Tanto na literatura como no cinema, várias obras buscam centrar o interesse não na ação, nem na trama com um conflito central, e tampouco na relação princípio-meio-fim, mas nas estruturas mentais. As obras não lineares, tanto na literatura como no cinema, apontam para a substituição das partes ou seqüências de continuidade narrativa, para nos apresentar um mosaico, que nos devolve o tempo e o espaço numa só unidade.

A sexta questão indagou se esse formato proposto de reconstrução narrativa tendo como base conceitos de montagem audiovisual e estruturas hipertextuais podia ser considerado um possível conteúdo para a Internet ou para a TV digital. Dos cinco participantes, 100% disseram sim, defendendo a viabilidade desta pesquisa. A resposta pode sinalizar um problema apresentado por Leone (LEONE, 2005: 111), para quem:

Hoje, um problema está posto e não é o de uma crise de imagens, mas o de uma crise de idéias. Então, é urgente rever o problema da montagem com o advento das transformações tecnológicas, já que montagem retorna com tudo nos dias de hoje, inclusive permitindo que aquele que foi espectador passivo no passado, seja hoje um ativo editor, selecionando e editando até aquilo que lhe chega pela Internet.

Por fim, na questão sete, foram apresentadas as propostas de reorganização dos fragmentos audiovisuais da obra, ou seja, uma nova montagem. O resultado foi diferente para todos os casos propostos, dentre as 40.320 possibilidades de agrupamento. Apenas o primeiro fragmento, que possuía o nome do documentário logo no início, foi escolhido por 75% dos participantes e 25% optaram por um início diferente. O curioso é que este fragmento não é a abertura original da obra, o que demonstra uma interatividade mesmo com relação ao projeto de Kiko Goifman.

Conclusões
Concluiu-se com a pesquisa que a preocupação tecnológica para o cinema interativo é coerente, mas talvez não seja a única saída, atualmente. As propostas e os anseios apresentados pelos estudos freqüentes sobre o tema exigem recursos tecnológicos quase pirotécnicos, vistos em filmes futuristas. Isso não quer dizer que tais anseios sejam impossíveis, mas com a estrutura tecnológica existente tais exigências inviabilizam o cinema interativo.

Percebeu-se que as soluções para o cinema interativo podem estar num campo simplista: o da narrativa. Afinal, a interatividade já foi obtida em estruturas literárias, onde o leitor pôde escolher o novo passo. O conceito de interatividade para Cameron, apresentado neste trabalho, é o de o usuário conseguir, através de novos caminhos, adquirir novas experiências. Com o formato experimentado, os usuários participantes seguiram por caminhos diferentes, e obtiveram novas experiências, sem, contudo, que ambos considerassem autores da obra.

Este ainda é um experimento-piloto de uma tese de doutoramento que se inicia, e que terão anos de estudo para desenvolver. Para que a proposta seja efetivamente segura, será preciso apresentar novos estudos experimentais, tanto no quesito perfil de participantes quanto nos quesitos intensidade e profundidade de testes. Contudo, os resultados apresentados neste trabalho apontam para uma direção segura, positiva e com chances de contribuir para a adoção de um novo, mesmo que provisório, formato narrativo que oferece aos espectadores/usuários certo nível de interatividade, pois, com as novas tecnologias digitais, as descobertas são tão freqüentes que elas já surgem obsoletas.


Notas:

1 Tecnocentrismo é o termo popularmente utilizado àquelas atitudes que valorizam demasiadamente a capacidade da tecnologia, considerando-a, em certos casos, como a capaz de saltar a humanidade, por si só, esquecendo-se do poder humano por trás destes artifícios.
2 Disponível em (http://www.portacurtas.com.br), o Porta Curtas foi objeto de estudo de caso da dissertação desenvolvida pelo autor deste projeto, intitulado “Características comunicacionais do documentarismo na Internet: estudo de caso site Porta Curtas”.
3
Disponível em (http://www.youtube.com), o YouTube oferece ao usuário cadastrado a possibilidade de hospedar suas produções audiovisuais, gratuitamente, e ainda contar com ferramentas interativas, mas não possibilita uma participação na narrativa da obra audiovisual.


Referencias:

AUMONT, Jacques (2004). O olho interminável [cinema e pintura]. Tradução de Eloísa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac & Naif.
BOGDANOVICH, Meter (2000). Afinal, quem faz os filmes? São Paulo: Companhia das Letras.
GOSCIOLA, Vicente (2003). Roteiro para as novas mídias: do game à TV interativa. São Paulo: Editora Senac São Paulo.
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LEONE, Eduardo & MOURÃO, Maria Dora Genis (1987). Cinema e montagem. São Paulo: Editora Ática.
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MCLUHAN, Marshall (2005). Os meios de comunicação como extensões do homem (understanding media). São Paulo: Cultrix, 18ª ed.
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PICOS, Ma. Tereza Villariño & GONZÁLEZ, Anxo Abuín (2006). Teoría del hipertexto: la literatura en la era electrónica. Madri: Arco Libros.
PUDOVKIN, V (1983). Métodos de tratamento do material (montagem estrutural). In XAVIER, Ismail (org.). A experiência do cinema. São Paulo: Graal.
RENÓ, Denis. Ciberdocumentarismo: tópicos para uma nova produção audiovisual. Revista Ciências & Cognição. Ano 03, v. 07, mar.2006. ISSN 1806-5821. Disponível em (http://www.cienciasecognicao.org/). Acessado em 29/09/2006.
SHAW, Jeffrey (2005). O cinema digitalmente expandido: o cinema depois do filme. In LEÃO, Lúcia (org.). O chip e o caleidoscópio: reflexões sobre as novas mídias. São Paulo: SENAC.
VILCHES, Lorenzo (2003). A migração digital. São Paulo: Loyola.
XAVIER, Ismail (2005). O discurso cinematográfico. São Paulo: Paz e Terra, 3ª ed.
XAVIER, ismail (1983). A experiência do cinema: antologia. Rio de Janeiro: Graal.


Mag. Denis Porto Renó
Productor de cine documental, miembro de la Red INAV – Red Iberoamericana de Estudios sobre Narrativas Audiovisuales, Brasil.