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MUITO ALÉM DO MURO: ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA, COMUNICAÇÃO E CIDADANIA

 

Por Andréa Moreira Gonçalves y Augusto Aragão
Número 60

RESUMO

A partir de um programa jornalístico realizado por estudantes da Universidade Católica de Pernambuco com lideranças comunitárias, identificamos o quadro de violência simbólica em que se encontram os moradores da Ilha de Santa Terezinha, em Santo Amaro, Recife, Pernambuco, Brasil. Esta violência é materializada, entre outras formas, por um muro que separa a comunidade de um centro comercial vizinho, objeto de uma das reportagens do programa em questão. Neste trabalho, analisamos o fenômeno em questão, a partir dos conceitos formulados pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, e identificamos alguns dos meios que a comunidade utiliza para superá-lo, com base nas teorias desenvolvidas por Luiz Beltrão, um pioneiro entre os pensadores latino-americanos que entendem a identidade e as mediações culturais como elementos determinantes no processo de comunicação social.

INTRODUÇÃO

A violência faz parte do cotidiano das comunidades periféricas. E não apenas aquela, mais evidente, quantificada nas estatísticas policiais e registrada diuturnamente pela mídia. Há também um tipo de violência – simbólica – que vitima especialmente a população excluída no acesso aos bens, às informações e à renda. São preconceitos e estereótipos, freqüentemente transmitidos pelos meios de comunicação social (em especial, a televisão), que acabam abalando a imagem pública, a identidade e a auto-estima da própria comunidade. Munir esses cidadãos de instrumentos que os tornem capazes de analisar e fazer face aos conteúdos da mídia é, acima de tudo, um gesto de responsabilidade e inclusão social. E fazê-lo, de modo eficaz, requer conhecimento e articulação.

Este artigo é a intercessão entre dois olhares: duas pesquisas em andamento na Ilha de Santa Terezinha, no bairro de Santo Amaro, no centro expandido 1 da cidade do Recife, capital do Estado de Pernambuco, na Região Nordeste do Brasil. Respectivamente, as pesquisas visam compreender o processo de transformação espacial que a comunidade promoveu em seu território (A Produção do Espaço e o Paradigma da Cultura Religiosa: o caso da Ilha de Santa Terezinha, no Recife, de 1964 a 2007) e intervir no quadro de violência simbólica em que se encontram os moradores da comunidade (Pesquisa-Ação contra a Violência Simbólica na Ilha de Santa Terezinha – em confluência com as teorias do comunicólogo pernambucano Luiz Beltrão). Ambas as pesquisas têm, como premissa, a participação da comunidade no processo de construção do conhecimento, preservando a sua autonomia.

Para combater a violência simbólica e seguindo esse critério, utiliza-se a metodologia da pesquisa-ação, construída por Michel THIOLLENT, que prevê uma interação entre pesquisadores e pessoas implicadas na situação investigada, da qual resulta a ordem dos problemas a serem pesquisados e das soluções a serem encaminhadas sob forma de ações concretas. As teorias da área de comunicação aplicáveis às situações entram em cena por intermédio dos pesquisadores em seminários realizados com os demais participantes da pesquisa, pertencentes à comunidade. O saber comunicacional adquirido durante o processo fica, portanto, nas mãos do grupo focal que expressa sua aprendizagem tanto na sua tomada de consciência como no seu comprometimento com a ação coletiva de combate ao problema identificado.

A influência do paradigma religioso na produção do espaço na Ilha vem sendo investigada recorrendo à metodologia da História Oral, para a revisão e construção de uma narrativa epistemologicamente aceitável assim como para a identificação dos elementos chave na formação das lideranças com ênfase no aspecto dos valores religiosos cujos indícios são fortes nas manifestações da comunidade. Aos elementos encontrados nessa etapa do processo se agregará a análise espacial de usos e formas para compreender se as posturas sociais implicaram em um rebatimento espacial na área.

A Ilha de Santa Terezinha

Segundo o relato dos moradores mais antigos, a Ilha de Santa Terezinha começou seu processo de ocupação no fim da década de 1950, quando recebeu das autoridades policiais a alcunha de “Ilha do Inferno” em função da presença, na área, de um suposto delinqüente apelidado de “Cão”, em referência à figura do demônio. A área era considerada periférica e enquadrava-se à margem da ocupação dos bairros “oficiais” da capital pernambucana naqueles anos. Hoje, integra-se no conjunto das comunidades localizadas entre o Canal Derby-Tacaruna e a foz do rio Beberibe, entre o Recife e Olinda.

Imagem aérea da Ilha de Santa Terezinha, com o centro comercial ao lado. Fonte Google. 2007.

No início dos anos de 1960, voluntários do Movimento dos Focolares 2 iniciaram trabalhos de promoção humana que se desdobram ali, até hoje. Entre 1964 e 1968, um jesuíta canadense, o Padre Bernard Bourrassa, também exerceu um papel importante na formação social e política da comunidade, que hoje conta com escola, posto e agentes comunitários de saúde, entidades de assistência à infância, eletrificação, saneamento, casas de alvenaria, ruas calçadas e uma Associação de Moradores (com estrutura colegiada e mais de 27 anos de atuação) 3. Apesar de tantas conquistas, a Ilha de Santa Terezinha enfrenta grandes desafios como a disseminação da droga entre os jovens, a desagregação familiar, e a prostituição infanto-juvenil.

Além disso, a comunidade enfrenta a constante ameaça de expulsão “branca” daquela área que foi valorizada com a dinâmica urbana, mas também – e especialmente – com o esforço e o trabalho de seus ocupantes. Hoje, a Ilha é protegida por uma lei municipal que delimita as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), mas se torna cada vez mais cobiçada pelos empresários da construção civil. Afinal, fica ao lado de um centro comercial, em um bairro central do Recife, margeia o eixo metropolitano de maior fluxo viário e se insere em uma região para a qual existe um projeto urbano 4 nos moldes estratégicos que prevê a valorização da área, com o conseqüente aumento da pressão do mercado imobiliário.

O DESAFIO DO MURO

Ao norte da Ilha de Santa Terezinha, existe um muro. São cerca de 3,5m de altura de um muro de tijolos de cimento. Um paredão, cinza coroado com aspirais de arame farpado, construído pelo Shopping Tacaruna, com a autorização do Poder Público, numa decisão resguardada pela Lei das Edificações e Instalações na Cidade do Recife, a Lei nº 16.292 /97 que, em seu Artigo 28 diz:

Os muros divisórios, quando houver, deverão ter uma altura máxima de 3,50m (três metros e cinqüenta centímetros), medidos a partir do nível do meio-fio, e serão feitos em alvenaria ou outro material, a critério do órgão competente da Prefeitura.

Genérica e restrita ao aspecto físico, a lei não considera o contexto espacial: o traçado, a ambiência, que mudam todo o significado desse elemento urbano. De fato, o muro delimita o terreno seguindo à risca o estabelecido pela lei, mas o “encadeamento dos significantes” (BAUDRILLARD, 2005, P.17) que compõe o contexto urbano faz do muro, não apenas um limite entre terrenos. Como diria Jane Jacobs (2000: 285) “as fronteiras são vistas quase sempre como passivas, ou pura e simplesmente, como limites. No entanto, as fronteiras exercem uma influência ativa” . Cabe aqui, portanto, perguntar: Que influência teria a construção do muro que delimita uma fronteira entre um grande equipamento urbano e uma comunidade?

Posto da Polícia Militar do Estado de Pernambuco com emblema do centro comercial na fachada. Acervo dos autores.

No caso da Ilha de Santa Terezinha, o muro materializa a violência que a sociedade permite que se pratique contra uma parcela de seus membros. Sua construção constitui uma fronteira vigiada entre o centro comercial e a comunidade, configurada pela implantação de um posto policial do Estado que exibe, em sua fachada, o emblema do mencionado centro comercial e é responsável pelo policiamento ostensivo na área. E a fronteira se torna ainda mais robusta pela existência de, no mínimo, outras três barreiras físicas: a primeira é o conjunto jardins e circulações, internas ao gradil; a segunda é o próprio gradil, com os acessos de veículos e pedestres; a terceira barreira é uma via, com faixa de rolamento e calçada.

Conjunto “muro-rua” no terreno do centro comercial. Acervo dos autores.

A inexistência de portões, as dimensões, a calçada, a pavimentação e a sinalização dão a impressão de que aquele é um espaço público. Com o conjunto “muro-rua”, o centro comercial reafirma seu modo de atuação, privatizadora da vida pública. (Neste caso, com referência à circulação, assim como o faz no aspecto das relações de troca, características dos centros urbanos). E nesse contexto de “rua”, o muro – divisor entre a Ilha e o centro comercial – acaba assumindo o sentido de “exclusão” pela reação de alguns transeuntes que afirmam:

“Se for pessoas que só tenha bandidos, quanto maior o muro melhor.”(Uma homem de meia idade)

“Eu acho que o motivo deles fazerem esse muro, deles terem feito esse muro. Foi uma maneira para diferenciar o shopping, assim, as pessoas do shopping, o ambiente que freqüenta e tem um certo público, um público A da classe C. Que realmente a gente não pode negar que aí é a classe C, são pessoas diferenciadas das pessoas que freqüentam o shopping.” (Uma jovem senhora)

Entrevista dos estudantes Gabriel Marquim e Rute Pajeú a Roger de Renor no programa Sopa Diário. Fonte: Boletim Unicap 2007 .

Essas declarações estão registradas no vídeo intitulado “Ilha de Santa Terezinha”, produzido por estudantes do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco, e exibido parcialmente no programa Sopa Diário, da TV Universitária, em 14 de junho deste ano (2007). Na reportagem (de dois minutos e onze segundos) sobre o tema, o estudante Gabriel Marquim explica que o muro cortou a ventilação, diminuiu a iluminação e a visibilidade das casas, além de criar um corredor estreito, por onde quase não se consegue passar.

Em entrevista a Marquim, a dona de casa Joelma da Silva descreve os incômodos sofridos pelos moradores: “Tudo é quente, a gente toca na mesa, tudo quente. É uma quentura tão grande que é três ventiladores na sala” . E a dona de casa Maria França protesta: “Acho que isso aí é uma discriminação na cara da gente, né? Nós somos honestos, cidadãos. Aqui não mora nenhum ladrão, é tudo cidadão. Eles pegam um muro desse e jogam na cara da gente. Então, a gente tá [...] lutando pra vê se tira[...]. Isso é um presídio na cara da gente.”

Entre os transeuntes, há quem denuncie o caráter segregador da construção:

“Tá errado, tá. Querendo ou não, tem casas ali e gente que, hoje, vive nesse aperto todo por causa desse muro”.(Um jovem senhor)

“É isso que eu queria saber: se é alguma discriminação que eles querem fazer, não é? Eles são gente como qualquer pessoa”. (Uma senhora)

Ainda segundo a reportagem, os moradores reagem à construção do muro, abrindo passagens que garantem o acesso à rua e ao shopping. Um adolescente (C. F.) explica como são abertas essas passagens: “ Pega uma bomba rojão, bota onde tem um buraco [..] Aí, quando a bomba estoura,[...] faz esse buraco aqui. (Quando) [...] os caras do shopping vêm, pega(m) cimento e tampa(m). Aí, a gente faz de novo”.

Marquim pergunta: “Por que vocês quebram?” E o garoto responde: “Porque tá escondendo a comunidade” .

No Sopa Diário, uma das lideranças mais expressivas da comunidade, Edejohnson da Silva Pinto, afirmou que o muro é, de fato, uma violência contra a comunidade, mas acrescentou que eles gostariam de enfrentá-la não com a violência que gera mais violência, mas com “a nossa dignidade, mostrando que, na comunidade, vivem trabalhadores, estudantes, artistas, cidadãos que merecem ser tratados com respeito e igualdade” .

Edejohnson explicou que a consciência dos direitos de cidadania e o ambiente cultural da comunidade nesses seus quase 50 anos de luta levam os moradores a superar o estágio de pagar as desfeitas com a mesma moeda. “Nós vamos derrubar esse muro com a nossa arte, com a nossa luta, com a nossa história” , afirma o líder que vem representando o bairro de Santo Amaro junto no Orçamento Participativo Municipal.


Fonte: http// www.bbc.co.uk/.../2001/meast_maps/7.shtml

Fonte: http// www.terra.com.br/.../fotos/capa_travessia_02.jpg

Entrada proibida: muro em Nogales, no México, na fronteira com os EUA, uma tentativa infrutífera de impedir a maciça imigração ilegal.


Fonte: http//www.brazilianpress.locaweb.com.br/.../c1.jpg

Vale ainda ressaltar que são famosos os casos em que os muros materializam contraposições ou exclusões na sociedade. Na Faixa de Gaza e na fronteira dos Estados Unidos com o México, por exemplo, eles se destacam em duas das fronteiras mais vigiadas do mundo. O Muro de Berlim, destruído depois de 27 anos, abriu espaço para uma das mais vigorosas renovações urbanas recentes. Em 2004, no Rio de Janeiro, o então vice-governador e arquiteto Luiz Paulo Conde propôs a criação de um muro para emparedar a Favela da Rocinha, embora depois tenha desistido da iniciativa:

“Estou arrependido de ter falado a palavra muro [...]. Não vou discutir muro, vou discutir a contenção do tamanho Rocinha. Se é muro, se é cerca, se é grade, se é marco delimitação... Temos que conter a expansão para evitar que as florestas acabem” (FOLHA ON LINE, 12/04/2004)

Nos três casos relatados, o muro não encobre – pelo contrário, revela um fenômeno social dos mais expressivos nas discussões sobre a contemporaneidade: a violência simbólica.

CONCEITO FUNDAMENTAL

Descrita pela primeira vez pelo sociólogo francês Pierre BOURDIEU (1989 e 1998), a violência simbólica é uma forma invisível de coação que se apóia, muitas vezes, em preconceitos coletivos. Funda-se na fabricação contínua de crenças no processo de socialização, que induzem os agentes sociais a se enxergarem e a avaliarem o mundo seguindo critérios e padrões do discurso dominante. É conseqüência, portanto, do emprego de um tipo de poder invisível que, segundo BOURDIEU, “só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (1989: p.7-8).

Trata-se de um poder apoiado sobre sistemas simbólicos, instrumentos de conhecimento e comunicação estruturados, que tornam possível o consenso acerca do sentido do mundo e das coisas. Citando Durkheim, BOURDIEU afirma que esses sistemas contribuem fundamentalmente para o “conformismo lógico, quer dizer, uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número da causa, que torna possível a concordância entre as inteligências” (1989, p. 9-10).

Essa concordância se torna, por sua vez, condição para a integração moral e para a reprodução da ordem social, cumprindo a sua função política de instrumentos de imposição e legitimação da “dominação de uma classe sobre a outra (violência simbólica), dando o reforço de sua própria força às relações de força que as fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de Weber, para a ‘domesticação dos dominados'” (BOURDIEU: 1989, p. 11).

Para BORDIEU, a violência simbólica se caracteriza toda vez que se exerce o poder de “impor – e mesmo inculcar – instrumentos de conhecimento e de expressão (taxinomias) arbitrários – embora ignorados como tais – da realidade social” (1989, p. 12). Faz ver e faz crer, confirma ou transforma uma tal visão de mundo e, conseqüentemente, a ação dos indivíduos sobre o mesmo e o faz de forma mágica, que “permite obter o equivalente ao que é obtido pela força (física ou econômica) graças ao efeito de mobilização” , a qual só se exerce se o poder exercido for reconhecido, isto é, ignorado como arbitrário. (BOURDIEU: 1989, p.14).

Na Ilha de Santa Terezinha, multiplicam-se os sinais de enfrentamento da postura violenta que discrimina seus moradores, seja de forma individual, como vimos na fala da moradora indignada, seja na atitude do líder que, não apenas repudia a imagem construída em torno da comunidade como procura resignificá-la, reafirmando a identidade da mesma. E esta atitude, que exprime independência, liberdade, é ratificada pelo discurso e pela produção dos artistas locais também registrado no programa jornalístico sobre a Ilha de Santa Terezinha.

Ivanildo Albuquerque é poeta e músico. Ele conta que suas letras retratam a evolução da Ilha de favela para vila:

“Eu retratei mais em minhas músicas o que se passava na Ilha,[...] caranguejo, siri-mole, ostra, unha-de-velho, marisco, enchente, tudo que era Ilha[...]. Hoje, na nossa favela, [...] nossa ‘favila', temos grupos de dança, músicos formados. Lane, que é uma artista já pronta, já tá formada... e outros e outros.” (Ivanildo Albuquerque)

Lane Cardoso é atriz, bailarina e afirma que foi em contato com os artistas da comunidade que descobriu sua vocação:

“Eu me formei em artes cênicas na Federal(UFPE [...] nesse período, eu conheci várias pessoas e fiz alguns trabalhos,[...] comecei a trabalhar com dança, com corpo [...] foi uma das áreas que mais me atraiu nas artes cênicas[...] porque me fez entrar em contato comigo mesma, me conhecer corporalmente e, também, me abrir sensivelmente para a relação com o outro.” (Lane Cardoso)

Eweron Marinho é multi-instrumentista e resume o sentimento de todos os artistas daquela área:

“A Ilha é a minha identidade, né (não é)? Para qualquer lugar que eu vá, eu vou sempre mostrar as características da minha origem que é aqui da Ilha. Por isso, eu sempre costumo dizer que quero tocar o céu, tocar as nuvens, mas, sem tirar os pés da lama, da origem que é aqui, na Ilha de Santa Terezinha ” (Ewerton Marinho).

A própria participação da comunidade na realização do programa jornalístico, em parceria com estudantes universitários, com a apresentação de Lane Cardoso, denota a capacidade de seus moradores se apropriarem dos meios e tomarem a palavra para contar a sua própria história, revertendo os estigmas e crenças produzidos pelo discurso e as forças dominantes. Dessa forma, eles subvertem a ordem perversa de uma sociedade marcada pela opressão, pondo-se em condições de dizer a sua própria palavra, como defende Paulo Freire.

E isso, mantendo-se na dimensão “dialógica”, o que significa em permanente empenho para transformar a realidade, mas superando toda e qualquer forma de antagonismo, de modo a humanizar o que foi desumanizado. Afinal, “o diálogo é o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o ‘pronunciam', isto é, o transformam, e, transformando-o, o humanizam para a humanização de todos” (FREIRE: 1977, p.43).

Beltrão e outros pioneiros

Fonte: Instituto Paulo Freire, 2007. http://www.paulofreire.org/

Paulo Freire (1921 a 1997) foi um filósofo educacional pernambucano, autor de muitas obras, entre elas: Educação: prática da liberdade (1967), Pedagogia do oprimido (1968), Pedagogia da esperança (1992).Foi reconhecido mundialmente por sua práxis educativa com numerosas homenagens.

Fonte: Portal Luiz Beltrão, 2007. http://www2.metodista.br/unesco/luizbeltrao

Luiz Beltrão (1918 a 1986) - Pioneiro da pesquisa científica sobre os fenômenos comunicacionais nas universidades brasileiras, sua obra ganhou reconhecimento nacional e prestígio internacional. Formou toda uma geração de professores e pesquisadores da comunicação.

No Brasil, além de Paulo Freire, no campo da Pedagogia, Luiz BELTRÃO, no campo da Comunicação Social, é pioneiro na elaboração de teorias que demonstram a necessidade, a possibilidade e a viabilidade de resgatar ou fortalecer o protagonismo e a auto-estima das comunidades periféricas. Fundador do Curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco, em 1961, BELTRÃO antecipou observações empíricas do que mais tarde viria a se constituir como a “Teoria das Mediações Culturais”, cujos expoentes, na América Latina, são Néstor García CANCLINI e Jesús Martín-BARBERO. Para esses dois pensadores, assim como para BELTRÃO, os grupos sociais – sintonizados com o seu ambiente cultural mais próximo - fazem uma leitura diferenciada dos conteúdos da mídia, numa atitude típica das sociedades que necessitam se transformar para sobreviver.

[...] há ocasiões em que, não obstante a estrita censura imposta aos meios convencionais de comunicação, não obstante todas as barreiras levantadas à divulgação de fatos e idéias, seja pelo poder político, seja pelo poder econômico monopolizador, as classes populares se valem dos seus próprios canais (mímicos, orais, gráficos e plásticos) para impor sua vontade soberana (BELTRÃO: 1974, p. 37-43).

Segundo José Marques de MELO, o argumento implícito do comunicólogo pernambucano era e o de que as manifestações populares, acionadas por agentes comunitários de “ informação de fatos e expressão de idéias ”, tinham tanta importância comunicacional quanto aquelas difundidas pelos mass media. “ Tais veículos de comunicação popular ou de folkcomunicação, como ele preferiu denominar, mesmo primitivos ou artesanais, atuavam como [...] decodificadores de mensagens desencadeadas pela indústria da comunicação de massa (jornais, revistas, rádio, televisão) ”. (MARQUES MELO: 2007)

Em estudos publicados já nos anos 1960, Luiz BELTRÃO defendia a comunicação como requisito básico e universal no processo de participação; “ A participação reclama comunicação: se não ponho em comum as idéias, sentimentos e informações de que disponho e não recebo de volta a reação do outro, jamais estabelecerei um elo entre mim e minha audiência” (BELTRÃO: 1974, 37- 47). E BELTRÃO identificou as lideranças populares como os formadores de opinião mais eficazes posto que conhecem o mundo, isto é, recebem e decodificam as mensagens dos meios, interpretam-nas de acordo com os padrões de conduta dos seus liderados, julgam-nas e, com grande habilidade, empregam outros meios para transmiti-las, adequadas ao interesse coletivo e em linguagens de domínio e compreensão geral, aos seus iguais (BELTRÃO: 1974, 37-47).

Já naquela época, Beltrão preconizava a urgência de se valorizar esse savoir faire comunicação, extraindo-lhes as lições e, no diálogo entre cientistas e comunicadores populares, ampliar o patrimônio dessa área de saber. Incitava seus coetêneos a pesquisar “aquilo que crê o homem marginalizado da sociedade urbana e rural, surpreendendo o processo mediante o qual essas populações se informam e cristalizam as suas opiniões para uma ação próxima ou remota” (BELTRÃO: 1974, 37-47).

Para o precursor dos estudos brasileiros da comunicação, “é nosso dever perscrutar os horizontes, recolher e analisar os dados, a fim de levarmos ao povo a nossa mensagem, ajudando-o a expressar a sua opinião e manifestar os seus anseios de libertação material e espiritual” (Idem).

Considerações finais

A reação à violência simbólica na Ilha de Santa Terezinha passa por um processo de comunicação, no qual as lideranças da comunidade, assim como seus artistas, exercem um papel de destaque quando fundado no protagonismo cultural e na alteridade. Caso contrário, não se estabelece. Afinal, a postura libertadora e dialógica, que não dispensa a paridade, é um meio que contém, em si, o seu fim. Na sua prática, a comunidade não se vitima; antes, posiciona-se acima da imagem que dela é feita e se estabelece como um tu ou como um outro-eu na comunicação e na ação transformadora da realidade.

É esta postura “dialógica” que vem se destacando na ação dos moradores da Ilha de Santa Terezinha ao longo de seus mais de 40 anos de presença no cenário social, político e cultural da cidade. E o que se constitui como motivação para este comportamento já se revela, pouco a pouco, nas pesquisas em curso, naquela localidade: o sentido de “unidade”, explícito ou implícito no discurso e na prática das lideranças que os pesquisadores se propõem a investigar.

As perspectivas que se abrem com a continuidade dessas pesquisas, em parceria com comunidade, são de uma maior conscientização dos seus moradores quanto ao valor da sua história e de suas raízes culturais coletivas, no enfrentamento dos desafios que se impõem no caminho acidentado da superação da violência – seja ela física ou simbólica – bem como das conquistas sociais e políticas, de um modo geral.

Os próximos passos previstos na realização das duas pesquisas são o estudo da ocupação da Ilha de Santa Terezinha, em suas formas e funções, e a formação de um grupo de moradores que tenham interesse em aprofundar o fenômeno da violência simbólica, ligado à atuação dos meios de comunicação de massa, e construir estratégias para enfrentá-la no cotidiano da comunidade.


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Notas:

1 Segundo a Prefeitura do Recife, o centro expandido "constitui-se numa área urbana adensada, com enorme quantidade de estoque patrimonial construído, e materializa as várias fases da história da cidade nos seus conjuntos de edifícios”.

2 O Movimento dos Focolares se auto-define como movimento eclesial originado do Carisma da Unidade de sua fundadora, Chiara Lubich. Atuando no mundo desde 1942, os Focolares estão empenhados, com outras forças, em compor na unidade a família humana , enriquecida pela diversidade” (Movimento dos Focolares, 2007).

3 A história dos primeiros anos de formação da comunidade é objeto do artigo de ( SOUZA, 2007).

4 O projeto Recife-Olina se apresenta como uma operação urbana que articula iniciativa privada e poder público e “propõe uma intervenção urbanística, de gestão e de apropriação do território [... que ] desenvolve um processo de requalificação urbana e valorização cultural, com o objetivo de induzir o desenvolvimento do potencial turístico-cultural em nível metropolitano” . (Projeto Urbanístico Recife-Olinda, 2006: 06). O projeto tem forte inspiração nas reformas urbanas do final do século XX, como as que ocorreram em Barcelona, a partir das Olimpíadas de 1992, e em Lisboa, com a Expo de 1998 e corre riscos de repetir a“expulsão branca” tão criticada nos modelos europeus.


Mtra. Andréa Moreira Gonçalves de Albuquerque
Mestre em Comunicação Social (UFPE), Professora da Universidade Católica de Pernambuco.

Dr. Augusto Aragão de Albuquerque
Doutor em Desenvolvimento Urbano (UFPE); Professor da Universidade Católica de Pernambuco, Faculdade Damas e Faculdades Unidas de Pernambuco.

 

 

 

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