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Abril - Mayo
2004

 

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Vai Kaol no Platinado, Doutor?
 

Por Paulo Cunha
Número 38

Quais as razões que motivaram os poucos abalos sofridos na liderança de audiência da TV Globo ao longo de seus quase 40 anos? Pra começar, se ficarmos em apenas três momentos, vamos chegar à conclusão de que a Vênus só sentiu os golpes quando eles foram produto da criatividade, da ousadia ou do apelo à baixaria.

Foi assim em 1990, quando a novela “Pantanal”, dirigida por Jayme Monjardim, estreou na extinta TV Manchete. A personagem principal, Juma Marruá (Cristiana Oliveira), cercada de tuiuiús, jacarés e sucuris, literalmente virava onça na trama criada por Benedito Ruy Barbosa. A direção da Globo (que havia recusado a sinopse de Ruy Barbosa), atormentada pela erosão de sua até então inabalável liderança de audiência, igualmente começou a virar onça. Dava pra ouvir os rugidos dos diretores de programação. E tudo por causa de uma produção ousada, a ponto de apelar para tórridas cenas de nudez em pleno horário nobre. A direção, confiada a Jayme Monjardim, botava abaixo cláusulas pétreas da produção televisiva, a principal delas a de que a telinha não comportava planos abertos. O diretor, com muita competência, abriu a grande angular sobre as belas paisagens pantaneiras. E o Brasil, acostumado até então a assistir a novelas limitadas às tomadas internas, com raras incursões no lado de fora do estúdio, foi surpreendido por uma teledramaturgia que não tinha medo de botar imagens em cinemascope dentro da telinha. Para época, foi uma transgressão. Não chegou a dar uma surra no ibope, pois a Manchete mal conseguia colocar um, no máximo dois pontos à frente da líder. Mesmo assim, para quem nunca havia encostado na emissora dos Marinho, foi uma festa. Monjardim fez escola. Diversas produções posteriores da própria TV Globo, em horário nobre, passaram a se utilizar dos planos abertos, como em “Renascer” e “O Rei do Gado”, do mesmo Benedito Ruy Barbosa.

Em 1991, quem apareceu para beliscar a audiência até então folgada e tranqüila da TV Globo foi o vespertino “Aqui agora”, inspirado em “As duas caras da verdade”, um programa argentino. Mas o título “Aqui agora” foi “chupado” de um programa dos anos 50, da extinta TV Tupi. Apresentado por Ivo Morganti e Patrícia Godoy e apelando descaradamente para o sensacionalismo, o “Aqui agora” balançou o ponteiro do ibope e bateu de frente com o carro-chefe da líder, o “Jornal Nacional”, forçado a partir daí a incrementar seu jornalismo policial, para equilibrar o jogo. Mas o “Aqui agora”, que contava com “estrelas” como Jacinto Figueira (“O Homem do Sapato Branco”) e o cavernoso Gil Gomes, terminaria morrendo do próprio veneno, ao exibir ao vivo o suicídio de um homem que se jogou de cima de um prédio. Começava a decadência. Ainda assim, a ousadia formal do “Aqui agora”, com o uso da câmera no ombro, aos sacolejos, literalmente correndo atrás da notícia, sem cortes, inaugurou a fase do “jornalismo-verdade” na televisão brasileira, e fez escola. Uma escola de preceitos éticos duvidosos, pois freqüentemente encostava ou mergulhava de cabeça na baixaria, mas cuja matriz permanece bem identificável em programas policiais como “Cidade Alerta”, da Record e “Brasil Urgente, da Band.

Igualmente na linha da baixaria, o SBT mordeu o calcanhar da Globo quando lançou o “Programa do Ratinho”, uma surpresa para a audiência por misturar assistencialismo com exibicionismo, tendo o apresentador Carlos Massa na figura do “justiceiro”. A fórmula teve sucesso instantâneo, principalmente por exibir as mazelas pessoais e sociais das camadas mais pobres da população, usadas como atrações de apelo fácil, bem como pelo tom deliberadamente escrachado do apresentador. Campeão do ranking dos programas que mais apelam para a baixaria na televisão brasileira, hoje se encontra em franca decadência. O “Programa do Ratinho” teve, entretanto, o (único) mérito de usar (“usar” na pior das acepções) personagens reais para exibir a realidade da vida privada das camadas mais pobres da população. Foi a primeira vez que o povão pôde se ver e se ouvir sem os assépticos e cintilantes cenários dos noticiosos da tv.

Toda esta remissão se justifica para explicar a premissa lá das primeiras linhas – a criatividade e a ousadia, inclusive as que recorreram à baixaria (como o “Programa do Gugu” na disputa com o “Faustão” nas tardes de domingo), foram as únicas armas que até hoje conseguiram fazer alguma diferença na disputa pela audiência com a TV Globo. Todas essas experiências tiveram um traço em comum: são isoladas dentro da grade das concorrentes. Até hoje, a Globo não enfrentou a concorrência de uma única emissora que, da mesma forma que ela, opere em sintonia ampla com o conceito de programação. Talvez por este motivo, a hegemonia do império global se mantenha firme, e só tenha sofrido abalos mais sérios com o impacto da chegada da tv a cabo, a multiplicação do número de receptores e a popularização do controle remoto. A concorrência permanece apática e sem rumo, perdida entre a cópia pura e simples dos padrões globais (que termina expondo a fragilidade técnica do copiador) e, na mesma linha, comprando os passes de estrelas criadas e nutridas no Jardim Botânico. Como toda imitação consagra o imitado, e as estrelas globais, por si só, não são capazes de arrastar a audiência para outra emissora, a platina da Vênus continua luzindo, sem maiores arranhões. Os resultados da ação dos copiadores e imitadores, na maioria das vezes e com raras exceções, tem sido apenas risível. Ou, em vez de arranhar, ajudam apenas a passar kaol no platinado.


Paulo José Cunha
Periodista, profesor e investigador de la comunicación, Brasil