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A Evolução do Telefone e uma Nova Forma de Sociabilidade:
O Flash Mob
 

Por Giovana Azevedo Pampanelli
Número 41

É razoável examinar Platão e a cerâmica conjuntamente para compreender o mundo grego, Descartes e o relógio mecânico conjuntamente para compreender a Europa nos séculos XVII e XVIII. Da mesma maneira, é razoável considerar o computador como um paradigma tecnológico para a ciência, filosofia e até a arte da geração vindoura
David Bolter

Introdução
Os novos usos do telefone - com a massificação do celular - com a inserção de mensagens de texto – SMS: Short Message Service - como uma de suas funções, fez surgir uma sociabilidade até então nunca vista: o Flash Mob. Este fenômeno instaura um novo sentido do uso desde aparelho, fazendo aparecer em vários países as “multidões relâmpago”, ou como já dito, o Flash Mob. O telefone se torna aqui um importante objeto cultural para a realização deste fenômeno social.

Por meio da evolução material do telefone, este trabalho pretende apontar uma nova sociabilidade que emergiu sob o suporte do aspecto portátil do celular. A partir da história do telefone, podemos vislumbrar, sob a perspectiva da materialidade da comunicação, as afetações que um artefato

técnico pode trazer a tona em uma determinada cultura.
Para embasar teoricamente o trabalho, usou-se os pensadores da Escola de Toronto: Harold Innis, Eric Havelock e Marshall McLuhan. Estes autores chamam atenção sobre o fato de que as tecnologias comunicacionais possuem o poder de transformar as culturas e as subjetividades.

Em primeiro lugar, Eric Havelock irá chamar atenção para os efeitos subjetivos das tecnologias comunicacionais, em especial a escrita, enfatizando seus estudos em torno da transformação do pensamento ocidental tendo origem na Grécia antiga. Harold Innis, por sua vez, observa como a menor ou maior utilização de um meio pode acarretar a emergência ou a “destruição” de uma determinada cultura. Já McLuhan, vai mais além quando afirma que as tecnologias de comunicação afetam as subjetividades e as culturas com sua célebre frase: “o meio é a mensagem”.

Um pouco de história – O Telefone
Por volta de 1870, nos Estados Unidos, os telégrafos já estavam incorporados à vida cotidiana. Entretanto, deve-se salientar que este veículo não era socialmente utilizado em larga escala. Talvez seja porque a sociedade necessitava de outro modelo de linguagem mais complexo, mas ao mesmo tempo, mais leve e simples de ser utilizado. Em um determinado momento, surge a demanda de um novo artefato técnico capaz de enviar mensagens múltiplas pelo mesmo fio telegráfico.

Alexander Graham Bell e Elisha Gray, de diferentes maneiras e separadamente, chegaram quase ao mesmo tempo a mesma conclusão: os dois descobriram que uma enorme gama de tons sonoros poderiam ser mandados de uma só vez usando o fio telegráfico. Gray era um inventor consolidado e um experiente pesquisador de eletricidade que viu o telefone como uma extensão do telégrafo. Além disso, Gray considerava que o potencial do telefone serviria para o aperfeiçoamento comercial e para a melhoria da produção industrial. Já Bell, via o novo aparelho como uma extensão do homem. Alexander Graham Bell ganhou a corrida da invenção, provavelmente devido aos seus conhecimentos sobre patologia da fala e de linguagem para surdos. Uma vez ele disse: “Se soubesse mais sobre eletricidade, e menos sobre som, eu nunca teria inventado o telefone”1.

Em 1874, Gray construiu um receptor de voz muito parecido com o usado hoje, com um diafragma vibrante de aço colocado na frente de um ímã. Em 1875, Bell e seu assistente Thomas Watson, construíram um dispositivo parecido, com uma membrana vibratória e uma mola, aquela sendo o transmissor e esta o receptor. A vantagem de Bell sobre Gray foi a velocidade no registro de patentes e, talvez, a diferença bem marcante de pontos de vista sobre o futuro do novo artefato técnico.

Apoiado pelo sucesso do invento na Exposição Centenária da Filadélfia, Bell e Watson formaram a Associação Telefônica Bell. A companhia de telégrafos Western Union aproveitou o momento para tentar inverter a concepção sobre o potencial comercial do telefone. A empresa começou a fornecer aos seus clientes um sofisticado telégrafo com um dispositivo de envio automático que permitia transmitir até sessenta palavras por minuto. Apesar da investida, os clientes ainda preferiam o telefone de Bell.

Depois disso, outros dispositivos vieram a aperfeiçoar tecnicamente o novo aparelho. Mas o fato mais importante na trajetória do telefone veio com Theodore Vail. Um administrador profissional, ele desenvolveu a idéia de um “Sistema Nacional de Telefone”, destacando a importância da rede de comunicação – network. Para isso, deu início a padronização de equipamentos e práticas que serviram para a crescente expansão do sistema telefônico. Sua percepção sobre network pode ter mudado o destino da recente invenção de Bell, uma vez que o aparelho poderia ser usado como uma ferramenta doméstica, apesar de sabermos que no início de sua trajetória isto poderia ser bastante oneroso.

Em 1878, entra em operação o primeiro telefone mecanizado através de um quadro de distribuição. Com este invento, o telefone poderia ser completamente explorado, visto que todo aparelho poderia ser conectado a qualquer outro. O quadro de distribuição pôde, assim, realizar a visão de network de Vail, possibilitando que o usuário pudesse falar de lugar para lugar e estabelecer contatos sociais. “O quadro telefônico de distribuição foi o sistema chave que fez do mundo um lugar notavelmente mais seguro e previsível”2.

Com o tempo, o sistema telefônico chegou a saturação. A telefonia a longa distância era bastante difícil de ser realizada e até mesmo, em alguns casos, impossível. O amontoado de fios impossibilitava a transmissão isto sem falar nas interferências e nos múltiplos sinais. A solução só veio por volta da metade do século XX quando foi introduzido a amplificação eletrônica e o código de modulação pulse que trouxe com ele o código binário. “A informação binária pôde ser replicada infinitamente com pequenos ou sem erros.”3 Mais tarde, esta mesma linguagem veio a ser usada nos computadores.

Em 1956, nasceu o primeiro telefone digital. O novo sistema podia carregar vinte e quatro sinais de voz ou 1.5 megabits de informação num par de fios padrão. A comunicação por telégrafo e telefone, através do modo digital, pôde ser usada em larga escala. Em 1980, mais da metade das ligações na América do Norte foram realizadas eletronicamente.

Ainda por volta de 1980, surgiram os primeiros telefones celulares. Eles pesavam de 3 a 10 quilos, consumiam muita bateria e tinham baixa qualidade de voz e, além disso, o sinal era analógico. Em 1992, estes aparelhos começam a ser substituídos pelas redes digitais e em 1997, nasce a tecnologia GSM (Global System for Móbile Communication). Mais recentemente, em 2001, os celulares começam um processo de hibridização incorporando em suas funções mensagens de texto, envio e recebimento de e-mails, etc. A terceira geração de celulares começa a chegar ao Brasil. O aparelho se destaca por ser um terminal multimídia e pela sua maior velocidade de transmissão de dados que pode chegar a 2 Mbps. A tecnologia permite transmitir imagens ao vivo, música, e TV no celular. Por isso, devem ser muito diferentes dos atuais: as telas são maiores, vão trazer pequenas câmeras de vídeo embutidas, fones de ouvido, saídas de áudio, terão browser com acesso à internet e correio eletrônico. Há também uma proposta de mudança de nome. Ao invés de serem chamados simplesmente de telefones celulares serão tratados como “comunicadores móveis”.

Novos usos do telefone e transformações culturais
Após nos situarmos sobre toda a trajetória do telefone, é importante sabermos que a história deste artefato técnico revela algumas e, porque não dizer várias, afetações e sensoralidades no humano totalmente novas. Isto é, a história do telefone nos mostra como uma materialidade influência no corpo e traz novos e diferentes sentidos culturais que são explicitados através de novas práticas sociais.

Para se entender melhor tal afirmação, basta voltarmos um pouco atrás na história e analisarmos o surgimento da escrita. Esta nova tecnologia trouxe o afastamento do corpo nos processos comunicacionais, uma vez que não era mais preciso a presença física para a efetivação da comunicação. A escrita possibilitou um distanciamento crítico do grupo e a emergência da experiência da individuação. Eric Havelock, por exemplo, irá apontar como a escrita teria conseguido iniciar um corte dentro da tradição oral poética homérica na sociedade grega do século quarto a.c., interessando-se especialmente pelos efeitos da nova mídia sobre a organização e expressão do pensamento. A premissa é que todo avanço tecnológico determina uma mudança no campo das mentalidades. Com o exercício da leitura, segundo o autor, percebemos a separação do conhecedor e do objeto conhecido4.

Mais do que isso, Havelock revela que não foi por acaso que a filosofia surgiu na Grécia, mas sim por decorrência direta da introdução do alfabeto. O registro escrito libera a energia, antes gasta com memorização, para novas descobertas, favorecendo acúmulo do saber e a criação do pensamento conceitual. Neste cenário se dá o nascimento da prosa, que aparece como veículo adequado para o florescimento das ciências, tais como, medicina, historiografia, geografia, além das reflexões de Platão e Aristóteles. Como podemos ver, neste pensamento está implícita a idéia de que uma materialidade, ou seja, um artefato técnico, tem influência direta na cultura humana.

Como já foi dito anteriormente, nos primórdios do telefone, a comunicação era realizada através de fios e cabos. Os telefones eram fixos e se resumiam às residências particulares e aos estabelecimentos comerciais. Mesmo depois, com a introdução dos telefones públicos, ainda persistia a separação público-privado com a divisória acústica dos “orelhões” que têm a função de isolar o universo particular da conversa do espaço público. O advento do telefone celular fez implodir esta fronteira, visto que trouxe com ele a “Era da comunicação sem fio”, permitindo que as pessoas tivessem maior flexibilidade no ato da comunicação. Agora os usuários não precisam permanecer numa localização fixa, como a casa ou o trabalho. As tecnologias sem fio tornam os serviços de comunicação mais facilmente disponíveis, possibilitando o contato nos locais mais remotos e principalmente, permite o deslocamento no ato da conversa – podemos estar no telefone no carro, no ônibus, no metrô, na rua, fazendo compras em uma loja ou em um supermercado.

Graças ao aspecto cada vez mais portátil do celular, percebemos novas tendências no comportamento humano com reflexos marcantes na cultura. Por exemplo, para estabelecer um diálogo no telefone nos afastávamos do “mundo”, tínhamos que nos concentrar e as conversas possuíam até mesmo um caráter e um sentido íntimo e confidencial. Mais do que isso, quando uma nova tecnologia começa a fazer parte do nosso cotidiano, como os celulares, novos tempos são inventados. O mundo se torna menor e a nossa noção de distância é totalmente alterada.

Nos dias de hoje, a função do celular, diferente do telefone convencional, é de monitoramento e parece não mais haver a distinção tradicional privado/público. A comunicação se faz de forma rápida e a função principal é a de identificar a localização do usuário e a de trocar informações bem resumidas. O significado do telefone mudou, interferindo nos hábitos sociais.
Maria Isabel Mendes de Almeida e Kátia Maria de Almeida Tracy no livro “Noites Nômades”, ao descrever a emergência de uma nova subjetividade nas culturas jovens contemporâneas, relatam a função de monitoramento dos telefones celulares:

Através do uso compulsivo de telefones celulares, indivíduos e grupos espalhados em diversos pontos da cidade permanecem conectados, formando uma verdadeira rede de comunicações simultâneas. No interior dos carros em movimento, nas pequenas rodas que se formam no posto, nas portas e, como veremos adiante, até mesmo no interior das boates, o celular é instrumento fundamental “para o uso dos nômades que têm que estar ‘constantemente em contato’”. “Celular não é pra conversar, é pra se achar. É pra usar na hora, é instantâneo”5.

Segundo Barry Wellman, o caráter móvel do telefone supõe que aquele que liga e aquele que recebe uma ligação estejam sempre disponíveis, não importando onde possam estar. Isto adapta e reforça estilos de vida móveis e relações físicas dispersas, permitindo a liberação do corpo do lugar. O autor considera que os telefones móveis estimularam a intrusão do comportamento privado dentro do espaço público. Em um ônibus, o pesquisador e um amigo ouviram uma jovem mulher levando uma intensa e romântica conversa no celular com seu namorado. Segundo Wellman, ela parecia ter se esquecido de estar sentada perto de estranhos. Sua conversa alta e pessoal transgrediu o tradicional lugar baseado em regras de comportamento público de que nos falava Erving Goffman (1964) e sua voz alta apropriou o espaço público para suas próprias necessidades.

Apesar de, como nos disse Wellman, a telefonia móvel estimular a separação do corpo e do lugar, deve-se salientar a grande elasticidade social de qualquer tecnologia. Claude Fischer (apud CASTELLS, 1999. p.449) estudou comunidades do norte da Califórnia e descobriu que o telefone incrementou as redes sociais de comunicação existentes e reforçou seus hábitos sociais profundamente enraizados. O telefone, neste caso, foi adaptado e não apenas adotado. Isto também quer dizer que o modo de comunicação eletrônica multipessoal representado pela Comunicação Mediada por Computador (CMC) tem sido usado de formas diferentes e para diferentes finalidades, tantas quantas existem no âmbito da variação social e contextual entre seus usuários.

O celular e a emergência do Flash Mob
Como já mencionamos anteriormente, ao acompanharmos a história do telefone, verificamos que este meio está se mostrando capaz de reunir em seu conteúdo uma quantidade cada vez maior de outros meios – mensagens de texto, rádio, telefone, internet, etc. David Bolter e Richard Grusin, no livro “Remediation – Understanding New Media”6, vão apontar a idéia de hypermediacy, que irá demonstrar uma tendência das mídias contemporâneas de recorrerem diferentes formas de meios com o objetivo cada vez nítido de melhor reproduzir a realidade percebida.

Em busca da representação perfeita da realidade, os meios acabariam por desaparecer. Por isso, vemos o tamanho cada vez mais diminuto do celular com intuito de deixar o usuário em contato direto com a realidade representada, é o que os autores chamam de immediacy. Os celulares da terceira geração, por exemplo, estariam realizando a lógica da remediation que se propõe como uma potencialização de uma mídia. Basta pensarmos nos primeiros exemplares do celular e agora nos últimos que já pretendem ser chamados de “comunicadores móveis”. À medida que um meio é potencializado, ele se afasta do antigo, aproveita-se da tecnologia anterior para depois afastar-se dela. Por isso, temos que pensar os meios não pelo conteúdo e sim, por suas especificidades cognitivas e as suas novas sensoralidades, como já dizia McLuhan. De fato, quando se observa a evolução das linguagens compreende-se que cada nova etapa tecnológica se apropria da linguagem anterior estendendo-a tomando-a como conteúdo e, em parte, aperfeiçoando-a. Vale salientar, que não quer dizer que devemos esquecer o conteúdo, mas deslocar nosso foco para compreender as implicações do meio na cultura e na cognição humana - que agora tem que se adaptar a reentrada dos cinco sentidos nos processos de comunicação.

A partir desta nova concepção e dos novos sentidos que o telefone passa a ter para o humano, não podemos deixar de frisar as múltiplas funções que os aparelhos celulares apresentam atualmente e das transformações advindas deste caráter multimídia. Envio de e-mails, recebimento de notícias, música através de rádio e mensagens de texto e, principalmente, esta última função vem servindo como suporte para uma nova forma de sociabilidade, o fenômeno do Flash Mob – mobilizações relâmpago que tem como característica principal realizar uma encenação em algum ponto da cidade. Ela pode ser convocada por e-mail através de grupos de discussão ou celular por meio de mensagens de texto com o objetivo último de marcar dia, hora e o lugar para a multidão se reunir.

A onda de flash mobs, isto é, mobilização relâmpago ou turba relâmpago se espalhou por várias cidades do mundo e teve início no segundo semestre de 2003. Atualmente, o fenômeno já não acontece, mas serve como um interessante exemplo para avaliação dos impactos sociais/ culturais e das utilizações sociais de uma tecnologia. Aparentemente, o propósito dos Flash Mobs era não ter propósito, ou melhor, o que parecia mover os mobbers era o sentimento de “estar junto”não só imaterialmente, mas também nos espaço físico da cidade. Ao realizar uma performance qualquer no espaço físico, os integrantes causam surpresa em um ponto da cidade, “quebrando a rotina” desta. Muitas são as performances produzidas pelos mobbers: urrar para dinossauros de plástico numa loja de brinquedos, vestir-se de vermelho e gritar, tirar os sapatos e andar descalço no meio da avenida, apontar controles-remoto para um telão em pleno centro comercial.

Howard Rheingold em seu recém-lançado livro “Smart Mobs: The Next Revolution” (“Multidão Inteligente: A Próxima Revolução”) – obra que influenciou o fenômeno do Flash Mob -, revela como a tecnologia, seja o computador ou qualquer tipo de comunicação móvel, gera impactos no mundo físico. Segundo o autor, os “smart mobs” utilizam a rede de computadores e as mídias móveis para organizar ações coletivas de multidões que podem ter adeptos de toda a parte. O conceito de movimentos inteligentes é baseado nas experiências do autor em cidades em que tornou freqüente o uso de mensagens de texto para se organizar algum evento de forma instantânea. Durante o encontro da Organização Mundial do Comércio (OMC) no ano de 1999, em Seattle (EUA), Rheingold notou que manifestações antiglobalização utilizavam mensagens de texto para planejar protestos e montar blitze para monitorar os locais onde bombas de gás lacrimogêneo eram lançadas.

No sumário de seu livro disponível na internet7, Rheingold fala da influência dos artefatos técnicos na vida cotidiana e, por conseqüência, na cultura:

Smart mobs emergem quando a comunicação e as tecnologias da computação ampliam os talentos humanos para cooperação. Os impactos da tecnologia smart mob já aparecem e podem ser benéficos e destrutivos, usados por alguns desses mais novos adeptos que dão suporte a democracia e por outros que coordenam ataques terroristas. As tecnologias que estão começando a fazer os smart mobs possíveis são os artefatos móveis de comunicação e computação penetrante – acessíveis microprocessadores embutidos nos objetos e no ambiente diário8.

O autor afirma que quando juntamos os diferentes componentes tecnológicos, econômicos e sociais, o resultado é uma infraestrutura que faz certos tipos de ações humanas nunca antes possíveis acontecerem. A principal mudança de longo alcance, segundo ele, virá, de tipos de relacionamento, tarefas, comunidades e mercados.

Para Rheingold, o conceito de smart mobs estende para toda e qualquer pessoa, que através de um artefato técnico, se liga a um outro indivíduo.

Smart mobs consistem em pessoas que são capazes de agir com harmonia mesmo que estas não se conheçam. As pessoas que constituem a multidão cooperam de maneira nunca antes possível porque carregam artefatos que possuem a comunicação e a capacidade de computação. Seus artefatos móveis as conectam com outros artefatos de informação no ambiente, assim como com outros telefones. (...) Quando conectam os objetos reais e lugares das nossas vidas diárias com a internet, a mídia de comunicação portátil muda os artefatos de controle remoto para o mundo físico9.

No livro “Noites Nômades” esta tendência de coesão social a partir de um artifício também foi constatada. Além disso, podemos afirmar que o celular foi o suporte para a construção de uma sociabilidade nômade entre os jovens na contemporaneidade, ou seja, as autoras neste livro constataram um comportamento social que pode ter origem na materialidade do telefone celular, principalmente por seu caráter portátil.

Apesar das dificuldades de captação no interior da boate, o uso do celular é cada vez mais comum nas casas noturnas, o que é motivo de preocupação para os empresários. Recentemente, uma empresa de telefonia celular lançou, com sucesso estrondoso, um serviço de torpedos eletrônicos, cujo objetivo é justamente “juntar a galera”, permitindo o contato em qualquer ambiente10.
Antigamente era mais fácil manter o público na boate. Hoje em dia, os jovens saem grupos de quatro ou cinco: ‘pra onde a gente vai?’ ‘Vamos pra tal lugar’. E antigamente não tinha celular. Hoje, as meninas vão pra boate, isso acontecia muito na People: ‘e aí, onde você tá?’ ‘Tá fraco, to indo embora’ Aí pronto, esvazia o lugar em dois minutos11.

Podemos afirmar que o novo meio – o celular – dita alguns aspectos da cultura contemporânea. Encontramos esta perspectiva em H. Innis, autor de “The Bias of Communication”, sob uma forma de determinismo tecnológico. Para ele, os meios não são apenas formas convencionais de comunicação, mas também o são, por exemplo, a caravela, a carroça, etc. Ele foi o primeiro a ampliar a noção de meio. Além disso, Innis realizou um deslocamento de foco ao analisar os meios utilizados por uma cultura para compreende-la completamente. Assim, ele poderia conhecer o conjunto de materialidades e produções de sentido advindos de toda e qualquer tecnologia inserida em uma dada sociedade.

Percebemos que a inserção e massificação do telefone celular em nossa cultura transformou nitidamente a antiga concepção do telefone para nós. Como um novo meio, ele proporcionou o surgimento da cultura social do “estar junto”. A tecnologia aqui media e reúne indivíduo com indivíduo suscitando o aparecimento de fenômenos como o “nomadismo”, relatado pela autora Maria Isabel Mendes de Almeida, e mais recentemente também, os Flash Mobs. Novos significados foram produzidos a partir do novo meio e das várias funções que dele fazem parte. Novas sociabilidades emergem a partir do advento e disseminação dos telefones móveis.

McLuhan fala neste trecho sobre o impacto de uma tecnologia em uma dada cultura:

Aqueles que experimentam primeiro o impacto de uma nova tecnologia, seja o alfabeto ou o rádio, são os que reagem mais profundamente. Com efeito, as novas posições relativas entre os sentidos, que imediatamente se estabelecem com a ampliação tecnológica da visão ou da audição oferecem ao homem um surpreendente mundo novo, que evoca uma nova e vigorosa “clausura”, ou seja, um novo modelo de interação entre todos os sentidos conjugados. O choque inicial, entretanto, gradativamente se vai dissipando, à medida que a comunidade inteira absorve o novo hábito de percepção em todas as suas áreas de trabalho e associação. A verdadeira revolução, contudo, somente se efetiva nessa fase posterior e prolongada de “ajustamento” de toda a vida social e pessoal ao novo modelo de percepção estabelecido pela nova tecnologia12.

Aqui concordamos com Vinícius Pereira13 quando disserta sobre a modificação que o homem faz de seu sistema social através dos artefatos técnicos. Cada extensão do sistema humano já é um passo na transformação do próprio sistema, uma vez que a dimensão simbólica, eminentemente artificial, ganha movimentos inéditos na sua busca de afirmação dentro da cultura, promovendo uma série de artifícios que acabam por engendrar novos hábitos, posturas, comportamentos que transformam tanto a sociedade na qual está imerso, quanto o próprio sistema, e, assim sucessivamente.

Materialidades da Comunicação e Considerações finais
O principal articulador da teoria das materialidades da comunicação é Hans Ulrich Gumbrecht. Em seus estudos literários, o autor percebeu a importância de se levar em conta a materialidade dos meios de comunicação, uma vez que a emergência do sentido somente ocorre através do concurso de formas materiais. Para o autor, ao se analisar uma obra, teria que se extrapolar o caráter lingüístico, levando em consideração também um contexto que envolvesse as relações da obra com os seus receptores, as condições históricas e materiais destes receptores e a própria materialidade do objeto.

Segundo Karl Ludwig Pfeiffer, “a comunicação é encarada menos como uma troca de significados, de idéia sobre (algo), e mais como uma performance posta em movimento por meio de vários significantes materializados”14. Trata-se então de teoria preocupada principalmente com as “as potencialidades e pressões da estilização que reside em técnicas, tecnologias, procedimentos e meios (media)”15.

Abordar a evolução material do telefone nos remete ao referido estudo das “materialidades da comunicação”. Esta teoria diz que todo ato de comunicação exige a presença de um suporte material para efetivar-se. Mais do que isso, a materialidade do meio de transmissão influencia e, até certo ponto, determina a estruturação da mensagem comunicacional. Isto quer dizer que no estudo histórico de um meio, no caso o telefone, o importante é entender a produção de significados, a formação de novas sociabilidades, a mudança cognitiva e a adaptação corporal que este meio permitiu no humano. Essas transformações, porque não dizer, são responsáveis também pelo surgimento ou desaparecimento de uma cultura.

No caso do presente trabalho, a materialidade do telefone celular, fez aparecer a nova cultura do nomadismo e do fenômeno do Flash Mob (que também tem como um de seus alicerces a internet) que têm como um dos resultados uma nova e diferente forma de coesão social.

Podemos agora viver, não apenas anfibiamente em dois mundos divididos e distintos, mas pluralisticamente, em muitos e simultâneos mundos e culturas. Não estamos, como anteriormente, limitados a uma só cultura – a uma única razão e proporção entre os sentidos humanos – do mesmo modo que já não nos reduzimos a um só livro, ou uma só língua, ou uma só tecnologia. Culturalmente, nossa necessidade hoje em dia é a mesma do cientista que, vigilante e atento, busca lucidamente corrigir as limitações, desvios e unilateralidades dos instrumentos de pesquisa. Compartimentalizar o potencial humano por culturas únicas, cedo será tão absurdo quanto se vem tornando a especialização por matérias ou disciplinas16.

A partir do desenvolvimento e a disseminação das tecnologias de comunicação, o indivíduo passou a experimentar duas formas de interagir com o conhecimento e com outras pessoas: uma física, concreta e outra virtual, imaterial. As tecnologias de comunicação ampliaram e acentuaram as capacidades humanas de falar, ouvir e ver. Estas experiências aprimoradas pelo surgimento de artefatos técnicos ao longo do tempo fizeram com que o homem pudesse criar mecanismos diferentes para se comunicar cada vez mais. O uso humano das tecnologias de comunicação fazem com que as mídias se tornem novos ambientes sociais com transmissão de palavras, imagens e sons transformando lugares de geração de sociabilidade. O acesso facilitado a estes meios fazem com que a comunicação se torne mais acessível e assim, passa a aproximar pessoas que, devido à distância geográfica, nunca poderiam se conhecer; e as que já se conhecem, têm nas mãos novos canais de comunicação, reforçando os laços já existentes no espaço físico.

A disseminação do telefone móvel abriu oportunidades inéditas de comunicação. O caráter portátil do novo meio e seu uso social fez com que o homem inventasse novas e diferentes formas de interação e de se “estar junto” na contemporaneidade. O surgimento de fenômenos como o Flash Mob vêem demonstrar o impacto que uma determinada tecnologia pode causar na sociedade. Certamente, o telefone celular, foi decisivo para a constituição desta nova conjuntura em que explodem ativismos políticos e Flash Mobs. Estes episódios que eclodem no mundo físico demonstram que a materialidade do telefone móvel altera o nosso comportamento social, cria novos sentidos e novas formas de nos organizarmos na sociedade.


Notas:

1 WADE, Rowland, 1994: p.96. No original: “Had I know more about electricity, and less about sound, I would never have invented the telephone”. (tradução minha)
2 WADE, Rowland. 1944: p. 103. No original: “The telephone switchboard was the system’s linchpin that made the world a noticeably more secure and predictable place”. (tradução minha)
3 WADE, Rowland. 1944: p. 106. No original: “Binary information could be replicated ad infinitum with little or no error”. (tradução minha)
4 HAVELOCK, E. 1961: caps. 11 e 12.
5 ALMEIDA, Maria Isabel Mendes de. 2003: p.35
6 BOLTER, J.D e GRUSIN, R. 1998.
7 RHEINGOLD, Howard. 2003. disponível em: <http://www.smartmobs.com/book/book_summ.html>
8 RHEINGOLD, Howard. 2003. disponível em: <http://www.smartmobs.com/book/book_summ.html> No original: “Smart mobs emerge when communication and computing technologies amplify human talents for cooperation. The impacts of smart mob technology already appear to be both beneficial and destructive, used by some of its earliest adopters to support democracy and by others to coordinate terrorist attacks. The technologies that are beginning to make smart mobs possible are mobile communication devices and pervasive computing – inexpensive microprocessors embedded in everyday objects and environments”. (tradução minha).
9 RHEINGOLD, Howard. 2003. disponível em: <http://www.smartmobs.com/book/book_summ.html>. No original: “Smart mobs consist of people who are able to act in concert even if they don't know each other. The people who make up mart mobs cooperate in ways never before possible because they carry devices that possess both communication and computing capabilities. Their mobile devices connect them with other information devices in the environment as well as with other people's telephones. (…) When they connect the tangible objects and places of our daily lives with the Internet, handheld communication media mutate into wearable remote control devices for the physical world”. (tradução minha)
10 ALMEIDA, Maria Isabel Mendes de. 2003: p.57.
11
Idem. Ibidem. Entrevista concedida por um dono de uma boate famosa em Ipanema, RJ.
12 MCLUHAN, Marshall. 1972: p. 46.
13 PEREIRA, Vinícius Andrade. Comunicação, Memória, Linguagem e Tecnologia: 2002.
14 PFEIFFER, K. Ludwig. 1994. p. 6.
15 Idem, Ibidem.
16 MCLUHAN, Marshall. 1972. p. 57


Referencias:

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Giovana Azevedo Pampanelli Lucas
Jornalista brasileira