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2006

 

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A Guerra Transposta à Política!

 

Por Davys Sleman
Número 52

As eleições1, no sistema democrático, são batalhas importantes da guerra entre as diversas facções políticas. Essa é uma das formas de como, com bastante frequência, a linguagem jornalística utiliza-se para tratar das campanhas eleitorais. As mais comuns são as que comparam campanhas a corridas de cavalos “horse race”, jogos de azar, futebol, lutas corporais e guerras. Esta última parece-nos, por várias razões, a mais apropriada, até porque desse fundamento se forma uma visão beligerante da política, segundo a qual:

La política es la continuación de la guerra por otros medios, y el adversario es visto como un enemigo o, en cualquier caso, como un peligro o una amenaza (GLEICH, 1999:252).

Nesse contexto, as campanhas eleitorais constituem estratégias de combate, que envolvem o volume e o tipo de armas utilizadas (o conjunto de recursos materiais e humanos), tendo como objetivo imediato vencer a batalha – e, a longo prazo, a guerra. Desse ponto de vista, nossa conceituação de campanha deve abranger não apenas ações mais palpáveis, como a propaganda, o programa de governo, discursos, recursos materiais, militância, “boca-de-urna”, mas também aspectos cuja percepção é menos imediata e não menos importante. Neste último caso se enquadram as atuações dos partidos na elaboração das regras que regem as eleições; disputas internas aos partidos (como as Convenções, que no caso brasileiro, ao contrário, entre outros, dos americanos, não possui tamanha importância); coligações e alianças; imagem e comportamentos de partidos e candidatos; fiscalização e atenuação de organismos não partidários como a imprensa, igreja, sindicatos e outros, desde que tenham exercido influência no processo.

Dessa forma, as eleições produzem efeitos diversificados no processo, não se limitando jamais à sua precípua finalidade institucional de recompor as Assembléias e órgãos de governo2. Desdobra-se em vários níveis, sobretudo por afetarem as expectativas e projeções de indivíduos e grupos diferentemente situados na estrutura de poder.

Assim, por mais que se martele a tecla da “falta de interesse”, da “falta de participação” e da “despolitização” da maioria da população, não se pode negar que a eleição é um acontecimento importante e mobilizador, enfim, pode se afirmar que o período das eleições por si próprio é um momento excepcional.

Além das repercussões que produz no processo político nacional, talvez seja a única ocasião em que a política assume um significado na vida cotidiana, ainda mais quando se trata desse período nos Municípios, onde ocorrem os primeiros contatos dos cidadãos com as esferas do Poder. Afastados de outras formas de participação, a maior parte da população sente, em geral, a política como algo externo e distante. Mas as eleições obrigam a uma participação: mesmo contra a vontade, as pessoas têm que votar. O processo eleitoral, contudo, não se esgota na obrigação, embora essa possa ser a primeira idéia: as pessoas optam por um partido ou por um candidato e, se inicialmente mostram-se relutantes, com o decorrer da campanha, terminam encontrando motivos para defender seu partido ou candidato, ainda que pese toda a descrença nos políticos e na política.

Não há como ignorar o assunto, se no início se consegue esquivar-se com um “não quero nem saber, não falo e nem gosto de política”, acaba-se sendo obrigado a se definir por um partido e/ou candidato, ou pelo menos a falar de eleições, já que não há outro tema nas conversas nos bares e nos comentários com os vizinhos.

Isso ocorre em decorrência de como a campanha vai sendo incluída pouco a pouco na vida diária dos cidadãos, independente do seu nível sócio-político-cultural. Pode-se facilmente deduzir que as eleições Municipais, independente da estrutura da Cidade, colocam o eleitor dito marginal - aquele que em condições normais não armazena muitas informações e tem escasso interesse pela política - diante de exigências e pressões consideráveis, afinal esse eleitor marginal é intensamente procurado na campanha em todas as suas modalidades: são cartazes nas ruas, o assédio dos cabos eleitorais e dos candidatos, as peruas circulando com alto-falantes, isso sem contar os meios de comunicação - televisão e rádio (com as exibições do Horário Gratuito Político Eleitoral - HGPE e dos “spots” durante as programações) e os jornais (com propagandas pagas, nos quais se divulgam as fotografias e os currículos dos candidatos em suas páginas) - tendo em vista que um pequeno contingente de votos pode fazer (como de fato fez no caso de São Carlos) toda a diferença. Mobilizar essa periferia da vida política, que não apenas geográfica e social, mas também psicológica, é uma questão vital para qualquer candidato ou partido.

Como o resultado de uma eleição é fruto de milhares e milhões de decisões individuais autônomas, vale dizer, livres de qualquer coordenação global ou imperativa, que a escolha eleitoral é algo incerto. Não é possível saber de antemão se o eleitorado em sua maioria seguirá ou não a orientação dos partidos, dos meios de comunicação ou de qualquer entidade. Pode-se ter como certo, apenas, que alguns seguirão determinado cânone ideológico, outros, certa sedução personalista, mas é impossível dizer quanto ou quais serão uns e outros, e até se serão os mesmos do começo ao fim da campanha, ou de uma eleição a outra. Eleitores altamente motivados e interessados numa eleição podem mostrar-se apáticos na seguinte. Neste sentido, o cerne democrático não está de modo algum numa suposta igualdade ou uniformidade de capacidades e interesses, e sim nessa incerteza fundamental do processo. O que os partidos e candidatos fazem durante a campanha é tentar reduzir essa incerteza, ganhando o maior número possível de apoios, a partir de um número básico de militantes ou adeptos próximos. O que se submete ao teste é, portanto, a capacidade de expansão3 de cada candidato, imagem ou proposta.

O que torna “difícil” essa expansão não é apenas a reação dos adversários. É também a estratificação normal de qualquer eleitorado, que tem aspectos facilmente perceptíveis, como as clivagens sócio-econômicas, culturais e regionais, a identificação com siglas, programas ou candidatos, mas que implica também em grandes diferenças no tocante à motivação para participar e à capacidade de assimilar informações4. A campanha é um momento mobilizador que se superpõe a um sistema altamente estratificado de participação política. Abaixo de um núcleo básico formado pelos militantes e pelas adesões seguras, há uma camada média de eleitores que não participam ativamente, mas que se interessam pela campanha e fazem uma escolha bastante firme desde os primeiros momentos. Abaixo destes, ainda, há os que chamamos de eleitor marginal, com o cuidado de não conferir a este termo uma conotação valorativa: trata-se simplesmente daqueles que permanecem à margem, vale dizer, que normalmente não se envolvem, ou o fazem muito superficialmente. Há quem acredite que esse não envolvimento resulte sempre de uma atitude de sobranceira autonomia.

Os indecisos e os que se decidem sem muita convicção seriam , nessa ótica, o que se poderia chamar de ‘outer space’ do sistema de participação política, ou seja, eleitores ‘independentes’, que se reservam para uma decisão mais amadurecida ou que não se sentem tocados pelas alternativas apresentadas (LAMOUNIER et alii., 1986:18).

O termo “independente” tem esta conotação intelectualizada, designando de preferência aqueles eleitores que não votam partidariamente, e menos ainda em função de personalidades, mas sim em termos programáticos, analisando a posição assumida pelos candidatos diante de cada questão. Esta imagem, podemos afirmar, é delirantemente idealizada. Na verdade, o eleitor marginal a que nos referimos é formado por indivíduos que em sua maioria manifestam os traços exatamente opostos. Marginais são os excluídos em virtude de situações objetivas de carência sócio-econômica e os que se auto-excluem por desinteresse ou por dificuldade de compreensão dos processos políticos5.

É preciso considerar também aqueles, sobretudo os muito jovens, que apenas começam a participar, e que às vezes o fazem manifestando uma volubilidade acentuada, ou seja, mudando freqüentemente de direção de uma eleição a outra, ou mesmo no transcorrer de uma campanha. O eleitor jovem, a menos que tenha um nível elevado de instrução e um ambiente familiar razoavelmente receptivo à discussão política, tem também um estoque limitado de informações e memórias6. Se considerarmos que a capacidade de assimilar e sobretudo de contextualizar novas informações depende desse estoque previamente constituído, não parece descabido incluir em nosso conceito de eleitor marginal uma parcela dos novos contingentes que apenas se iniciam na participação.

Por fim, embora não haja derramamento de sangue durante a disputa eleitoral, a escolha que dela resulta no fim é, não obstante, tão irracional quanto efetuada por qualquer grande Nação do mundo que recorra a processos secretos e sanguinários para eleição de seus políticos. Enquanto não for fundada a “República” dos filósofos, de Platão, os representantes dos homens continuarão a ser escolhidos não pela lógica, mas pelo instinto e pela fé.

As campanhas eleitorais são organizadas tendo por objetivo despertar o instinto e as emoções do povo. Os problemas “ventilados” nessas ocasiões, quaisquer que sejam eles, têm por única finalidade provocar emoção nas massas. É necessário incrementar o registro de eleitores, incutir entusiasmo nos cidadãos, colocar em ação um fenomenal meio de propaganda que são os meios de comunicação, em especial a televisão. E tudo com uma única pretensão: para que os cidadãos – enquanto participam de comícios, lêem os jornais e/ou revistas ou ficam vendo o seu candidato na televisão – possam ponderar, remoer, refletir e argumentar, até que tome forma, por fim, no íntimo de cada um, a sua decisão sobre a escolha do seu candidato.


Notas:

1 Sobre um estudo da história eleitoral paulistana de 1945 a 1964, notar os trabalhos pioneiros de SIMÃO, Aziz. “O voto operário em São Paulo”, Revista Brasileira de Estudos Políticos, n° 01, 1956:130-141; FERREIRA, Oliveiros S. “Comportamento Eleitoral em São Paulo”, RBEP, nº 08, 1960:162-228; do mesmo autor, “A crise de poder do “sistema” e as eleições paulistas de 1962”, idem ibid, nº 16, 1964:179-226; WEFFORT, Francisco. “Raízes Sociais do Populismo em São Paulo”, Revista Civilização Brasileira, nº 02, 1965:39-60.
2 Concordando com essa idéia ver MANCINI, Paolo & SWANSON, David L. “Politics, Media and Modern Democracy: na International Study of Innovations in Electoral Campaing and Their Consequences”, Westport, Connecticut, London:Praeger, 1996.
3 É aqui pertinente a discussão de Antonio Gramsci sobre o mecanismo eleitoral:”Um dos lugares-comuns mais banais que se repetem sobre o sistema eleitoral de formação de órgãos estatais é o de que nele o número é lei suprema e que as opiniões de um imbecil qualquer que saiba escrever (e inclusive de um analfabeto, em determinados países) vale para efeito de determinar o curso político do Estado, tanto quanto as opiniões de quem dedica à Nação as suas melhores forças, etc. Mas a verdade é que, de modo nenhum, o número constitui a ‘lei suprema’,nem o peso da opinião de cada eleitor é exatamente igual. Os números (...) são simples valor instrumental, que dão uma medida a uma relação , e nada mais. E depois, o que é que se mede? Mede-se exatamente a eficácia e a capacidade de expansão e de persuasão das opiniões de alguns, das minorias ativas, das elites, das vanguardas, etc.Isto é, sua racionalidade ou funcionalidade”. In “Maquiavel, a Política e o Estado Moderno”, RJ, Civilização Brasileira, 1968:89.
4 Os fatores que estratificam a participação política e eleitoral são pouco estudados nos países que adotam o voto obrigatório, como é o nosso caso. De uma eleição a outra e entre diferentes grupos sociais, tem-se uma ilusão de uniformidade. Executados os que não compareceram para votar, aparentemente todos participam, e o fazem da mesma maneira. Na realidade, há diferenças enormes entre os eleitores. Diversos estudos têm mostrado que um fator decisivo nessa estratificação é a escolaridade. Na realidade, o efeito da posição sócio-econômica deve ser analisado principalmente através da educação, dado o papel desta como “facilitador” da participação. A variável escolaridade associa-se, é claro, à estratificação social. Baixos níveis de escolaridade significam menor qualificação ocupacional, chances mais limitadas no mercado de trabalho, menor renda. Mas significam também uma menor assimilação de informações políticas e, portanto, menor continuidade na memória política. “Education (...) increases cognitive skills, which facilitates learning about understanding and working, with complex, abstract, and intangible subjects – such as politics. This heightens one’s ability to pay attention to politics, to understand politics, and to gather information necessary for making political choices. Thus education (...) reduces the costs of voting..” Conforme WOLFINGER, Raymond & ROSENSTONE, Steven J. “Who Votes”, New Haven, Yale University Press, 1980:35-36.
5 Situando-se nessa idéia notar o trabalho realizado no Bairro de São Miguel Paulista na Zona Leste de São Paulo, um dos bairros mais pobres do Município. CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. “Para que serve o voto? (As eleições e o cotidiano na periferia de São Paulo)”in Voto de Desconfiança – Eleições e Mudança Política no Brasil: 1970-1979. LAMOUNIER, Bolívar (org.). Petrópolis, Editora Vozes/CEBRAP, 1980.
6 Com relação a esse aspecto da denominada “memória política” não só em relação aos jovens mas, especificamente, de uma região interiorana notar MARTINEZ-ALIER, Verena & BOITO JÚNIOR, Armando. “1974:Enxada e Voto”in Os partidos e as eleições no Brasil. CARDOSO, Fernando Henrique & LAMOUNIER, Bolívar. RJ, Paz e Terra, 1978:243-262.


Referencias:

CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. “Para que serve o voto? (As eleições e o cotidiano na periferia de São Paulo)”in Voto de Desconfiança – Eleições e Mudança Política no Brasil: 1970-1979. LAMOUNIER, Bolívar (org.). Petrópolis, Editora Vozes/CEBRAP, 1980.
FERREIRA, Oliveiros S. “Comportamento Eleitoral em São Paulo”, RBEP, nº 08, 1960.
-------------------------- “A crise de poder do “sistema” e as eleições paulistas de 1962”, idem ibid, nº 16, 1964.
GLEICH, Uli.”Importancia de la comunicación política en los processos electorales” in “Globalización, democracia y medios de comunicación”. THESING, Josef & PRIESS, Frank (Editores). Buenos Aires, CIEDLA-Konrad Adenauer, 1999.
GRAMSCI, Antonio. “Maquiavel, a Política e o Estado Moderno”, RJ, Civilização Brasileira, 1968.
LAMOUNIER, Bolívar & MUSZYNSKI, Maria Judith Brito. “A eleição de Jânio Quadros” in 1985: O Voto em São Paulo. LAMOUNIER, Bolívar (org.). SP, IDESP, 1986.
MANCINI, Paolo & SWANSON, David L. “Politics, Media and Modern Democracy: na International Study of Innovations in Electoral Campaingning and Their Consequences”, Westport, Connecticut, London:Praeger, 1996.
MARTINEZ-ALIER, Verena & BOITO JÚNIOR, Armando. “1974:Enxada e Voto”in Os partidos e as eleições no Brasil. CARDOSO, Fernando Henrique & LAMOUNIER, Bolívar. RJ, Paz e Terra, 1978.
SIMÃO, Aziz. “O voto operário em São Paulo”, Revista Brasileira de Estudos Políticos, n° 01, 1956.
WEFFORT, Francisco. “Raízes Sociais do Populismo em São Paulo”, Revista Civilização Brasileira, nº 02, 1965.
WOLFINGER, Raymond & ROSENSTONE, Steven J. “Who Votes”, New Haven, Yale University Press, 1980.


Mag. Davys Sleman de Negreiros
Professor Universitário, pesquisador NEMP-UFSCar/CNPq - Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política, Brasil.