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FOLKCOMUNICAÇÃO E EXTENSÃO RURAL BRASILEIRA: AS ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO RURAL PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL

Por Irenilda de Souza y Ana Paula Gomes
Número 60

RESUMO:

Este texto pretende sistematizar alguns aportes teóricos que façam a relação da Folkcomunicação com a atividade da extensão rural. Os agricultores familiares carregam em si fortes tradições culturais revelados nas formas de cultivar a terra, a tradição agrícola, no saber endógeno, suas histórias, lendas, ritos, representações, patrimônio imaterial, artístico e suas manifestações culturais. Estes campos de conhecimentos devem ser relacionados e considerados como aportes teóricos para a compreensão, uso de metodologias e estratégias de comunicação para a prática da assistência técnica em prol do desenvolvimento local e das diversas formas de ação coletiva com objetivo de transformação social no campo.

Introdução

A cultura popular é um dos elementos estratégicos a serem considerados nos planos e ações de políticas públicas que visem o fomento ao desenvolvimento local e sustentável para o meio rural. Este novo paradigma de desenvolvimento valoriza que é endógeno, o que é local. Para as bases epistemológicas deste enfoque, a oportunidade da aproximação de vários campos de saberes, que sinalizam para a comunicação com princípio básico nas ações para o desenvolvimento rural brasileiro.

Para Gobbi (2006), A análise da comunicação popular como manifestação própria dentro de um determinado grupo cultural estão referidos na Folkcomunicação. E esta área cujos estudos estão se consolidando, está associada à trajetória pioneira de Luiz Beltrão e ao seu pioneirismo no tratamento das teorias da comunicação levando em conta as tradições populares, definiram as linhas mestras de interpretação de uma ciência já conhecida e difundida. Para a autora a perspicácia de Beltrão, levou-o a mostrar a Folkcomunicação como um potencial estratégico para o diálogo com as classes marginalizadas e não apenas como “objeto de curiosidade, de análise mais ou menos romântica e literária”.

O momento de consolidação dos estudos de Folkcomunicação como área de conhecimento está norteado pelo reconhecimento de sua complexidade, de sua natureza interdisciplinar e multidisciplinar. Concordamos com as idéias de Hohlfeldt (2006) quando diz que em Folkcomunicação, a interdisciplinaridade não aparece apenas nas áreas de ciências sociais, em aproximações horizontais e eqüitativas. E o caráter multidisciplinar ocorre visivelmente nas diversas relações epistemológicas que compreende desde a etnografia à sociologia, passando pela antropologia, o folclore, a comunicação social, a lingüística, a literatura , semiótica, a música, etc.

O objeto de estudo da Folkcomunicação é a comunicação popular como manifestação. Para Marques de Melo (2006,p.18): Trata-se de um campo de estudo que vem sendo fortalecido e atualizado, justamente pela permanência, na sociedade de classes, daquelas formas de sentir e agir dos segmentos economicamente pauperizados, das comunidades situadas na marginalidade cultural ou dos grupos que padecem a segregação política.

Neste enfoque de complexidade, interdisciplinar e multidisciplinar que a Folkcomunicação contempla, o cenário para contextualização é o mundo rural e mais precisamente a extensão rural como atividade gestora do desenvolvimento da agricultura familiar.

Para melhor compreensão s obre o cenário apontado e a importância social do apoio ao desenvolvimento deste, podemos dizer que predomina no cenário agrícola brasileiro a pequena propriedade, nas quais se pratica a agricultura familiar. A agricultura familiar por sua vez depende de políticas agrícolas adequadas, do acesso ao crédito e da imprescindível assistência técnica conveniente ao seu tipo de atividade.

A agricultura familiar tem como característica principal o fato de que os trabalhos feitos em nível de unidades produtivas são realizadas com a participação dos membros da família, mantendo um alto grau de diversificação produtiva. Havendo uma relação do que é consumido com o que produzido, tendo alguns produtos relacionados com o mercado, ou seja o excedente pode ser comercializado.

A agricultura familiar não pode ser considerada apenas a partir dos índices econômicos naquilo que ela represente para a renda nacional, deve ser pensada a partir de suas práticas sociais, de sua lógica econômica, da cultura campesina e da sua importância para o desenvolvimento brasileiro.

Neste aspecto, a pertinência da comunicação que possibilite o conhecimento de novos padrões de desenvolvimento e que na base do diálogo produza o empoderamento dos sujeitos envolvidos num determinado grupo social. Considerar a cultura popular como estratégia para a comunicação com comunidades rurais, está automaticamente associado às escolhas de metodologias e práticas coerentes com os princípios e diretrizes de uma nova proposta de Assistência Técnica e Extensão Rural. A nova proposta de ATER - Assistência técnica e Extensão Rural do Brasil foi definida pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário em 2004. Esta proposta se contrapõe a anterior, substituindo pelo menos formalmente às velhas práticas que carregavam com forte traço o tipo de comunicação persuasiva, por novos enfoques metodológicos e novas abordagens com uma proposta de comunicação dialogada.

Por força de políticas públicas, o governo brasileiro sinaliza para um novo modelo de desenvolvimento diferente do modelo difusionista, excludente por natureza. Outro tipo de desenvolvimento deverá contribuir para o fortalecimento da agricultura familiar em bases sustentáveis, apoiada no enfoque de agroecologia. Deverá assegurar a produção de produtos de boa qualidade e melhores condições de vida para a população rural para o protagonismo dos sujeitos envolvidos neste segmento que são os agricultores familiares, povos indígenas, pescadores artesanais, remanescentes de quilombos, entre outros, no intuito de promover a inclusão social e o almejado desenvolvimento rural sustentável.

Faz opção pela comunicação dialogada e os sujeitos envolvidos não serão percebidos como meros objetos e repositórios de conhecimentos originados dos centros de pesquisa agrícola. Privilegia e promove a participação através de metodologias e enfoques coletivos. Propõe ainda que o público, o campesinato, seja considerado como sujeito histórico, culturalmente inserido, pelo saber que traz e que pode construir conjuntamente com o saber do técnico, numa abordagem de diálogo de saberes, onde a cultura local experienciada tem um grande valor no fortalecimento identitário.

A relação da Folkcomunicação com a prática da extensão rural pública encontra apoio no que sinaliza Marques de Melo (2006) ao dizer que enquanto sistema de expressão cultural das classes subalternas ou dos grupos marginalizados a Folkcomunicação, permanece como objeto de estudo por ser útil para acelerar a integração da cultura popular com o sistema de comunicação massiva.

METODOLOGIA

A partir de observações diretas e vivencias de extensão rural em comunidades como Sirinhaén, Afogados da Ingazeiras, Caruaru, Ouricuri, Triunfo, Iguarassu e Ribeirão em Pernambuco, Nordeste do Brasil, este texto retrata os questionamentos que apontam a necessidade imperativa de cultura local é uma excelente fonte de conhecimento e troca de saberes para uma prática de extensão rural educativa e que vise a relação horizontal entre técnicos e agricultores e agricultoras. Acreditamos que a cultura é a marca impressa da alma coletiva de um povo e por isso atuar no meio rural como agente de desenvolvimento de Extensão Rural requer que se compreenda e se promovam atividades e experiências educativas a partir destes significados. Portanto, enfatizando a valorização dos sujeitos históricos e culturalmente situados. Este texto pretende sistematizar alguns aportes teóricos e citação de dois trabalhos concluídos e apresentados. Ensejamos fazer a relação da Folkcomunicação como pertinente aos aportes teóricos para a compreensão, escolhas e uso de metodologias e estratégias de comunicação para a Extensão Rural brasileira, por ser esta atividade indispensável ao desenvolvimento agrícola brasileiro. Os agricultores familiares situados geograficamente em territórios férteis em termos culturais. Esta fertilidade diz respeito aos aspectos da tradição agrícola, o jeito peculiar de exercerem o saber endógeno, suas histórias, lendas, ritos, representações, patrimônio imaterial, artístico e suas manifestações culturais.

Fica, portanto, claro a pertinência dos conteúdos da Folkcomunicação associando-a nas estratégias de comunicação rural. Deve ser considerada na formação do extensionista rural, do gestor de desenvolvimento local e do educador do campo. R ecuperar fundamentos, discussões, evidenciando que a folkcomunicação é retomada enquanto instrumento associado a diversas formas de ação coletiva com objetivo de transformação social. Esperamos que o resultado desta sistematização poderá contribuir com subsídios nas discussões sobre desenvolvimento local, comunicação e cultura popular campesina.

Fruto de um processo participativo, onde os movimentos sociais e sociedade organizada numa linha propositiva a nova proposta de Extensão Rural não poderia deixar de ter sempre a perspectiva do diálogo subjacente a todas as suas práticas.

Nesta transição paradigmática, entre a antiga para a nova proposta de extensão rural, valoriza-se a participação. Uma prática educativa e, portanto, que valorize os aspectos culturais para o enforque de desenvolvimento local e que possa promover, reconhecer, valorizar o diálogo de saberes e como diz Freire (1983) restaurar o homem e a mulher das camadas sociais menos privilegiadas de sua dignidade, reconhecendo-os como sujeitos cognoscentes mediatizados por uma cultura e pelo mundo. Estudando sobre os obstáculos epistemológicos para o diálogo de saberes (LIMA, 2006) realçou a peculiaridade do agir profissional dos extensionistas rurais ou dos educadores do campo que tem como condição sine qua non de sua prática dialogada a valorização da cultura local.

As inserções de temas relacionados com as manifestações culturais locais são bem vindas quando tratamos do conceito de desenvolvimento local. Este enfoque de desenvolvimento compreende a necessidade de um esforço localizado e concertado. Podemos compreender que na promoção do desenvolvimento os moradores de um determinado lugar se articulam com vistas a encontrar possibilidades e atividades que favoreçam mudanças nas condições de produção e comercialização de bens e serviços de forma a proporcionar melhores condições de vida aos cidadãos e cidadãs, partindo da valorização e ativação das potencialidades e efetivos recursos locais, incluindo a valorização da cultura local experienciada (JESUS, 2003. P.72).

Para a prática dialogada proposta na prática da extensão rural contemporânea que se propõe a ser dialógica, encontramos no pensamento comunicacional e interacionista de Paulo Freire (1983), que educação é comunicação, é diálogo na medida que não é transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados. Focaliza ainda Freire que os processos comunicacionais se inserem no agir pedagógico libertador. Aproximou educação e comunicação fazendo reflexões sobre o trabalho dos extensionistas rurais chamando a atenção do modelo comunicacional subjacente ao modelo pedagógico da ação destes profissionais. Freire destaca a importância da comunicação na construção do conhecimento que colabora para a autonomia do educando e que considera a sua cultura como princípio de sua autonomia e liberdade.

Esta opção de desenvolvimento implica assumir o caráter político da prática da extensão rural que devem reforçar um projeto radicalmente comprometido com a promoção da vida e com a formação cidadã. Devem também reforçar a convivência com a sociedade, respondendo a sua demanda, que na agricultura, em sua maioria se situa na dimensão familiar. Na perspectiva da agricultura familiar, deve-se considerar a sua multifuncionalidade, economia e lógica e a cultura campesina construída historicamente e socialmente referenciada. Valorizar e reconhecer que existe uma cultura local já há muito experienciada e significativa, que é transmitida através das gerações campesinas tradicionais e que precisam ser consideradas como referências em um processo educativo que considere o conhecimento local, o dialogo de saberes, reconhecendo o patrimônio imaterial localmente instituído.

O destaque seria de que a ação e reflexão se alimentam mutuamente para transformar a realidade local deve considerar o conhecimento dos outros protagonistas envolvidos no processo: os agricultores e agricultoras familiares. Considerar a cultura que historicamente se instituiu e que tem toda relação com a identidade do grupo local é imprescindível. Mesmo porque, segundo Edgar Morin (1996), existe ciência e um conhecimento racional-empírico em todas as sociedades. Esta ciência e este conhecimento não se desencantaram da esfera simbólico-mítico-mágica. Não se transformaram numa esfera separada como em nossas sociedades ocidentais modernas. Mesmo porque a razão e desrazão convivem no meio da universidade. Não há corte epistemológico radical. E neste sentido se coloca a questão da complexidade. Da epistemologia complexa para leva Morin a afirmar que o ato do conhecimento é ao mesmo tempo biológicos, espirituais, lingüísticos, culturais e históricos. Fundamentado no cérebro, não pode ser dissociado da vida cósmica, no espírito, na sociedade, na cultura, no mundo.

ANÁLISE:

O grupo de docentes do Departamento de Educação ligados ao programa de Mestrado em Extensão Rural e Desenvolvimento Local, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, que pesquisam e ensinam sobre os temas de Agricultura familiar mediados por aspectos da valorização da cultura popular. Dentre eles, há os estudos de: Betania Maciel e Irenilda Lima, associando-os ao arcabouço teórico da área de extensão rural e desenvolvimento local.

Como exemplo desta enunciação Lima e Silva (2000) ao pesquisarem sobre as o tema que abordava as manifestações espontâneas da folkcomunicação, sistematizou um trabalho sob título: Os Festejos Juninos Como Recurso Didático (2000), no Folkcom, realizado em João Pessoa.

Também de Lima e Silva (2007) em no congresso dão INTERCOM foi apresentaram os resultados da pesquisa que avaliou de que forma a identidade, o patrimônio natural, cultural e artístico, do maracatu produzido em Caruaru, Pernambuco, está relacionado aos aspectos de desenvolvimento local. Com este resgate objetivaram as autoras a levar ao reconhecimento das necessidade de continuidade do Boi Tira-Teima e as várias articulações e parcerias que podem ser feitas na tentativa de revitalização deste importante patrimônio cultural, como i nstrumento de desenvolvimento local.

As idéias de como revitalizar o folguedo popular combina com as idéias já referidas de Desenvolvimento Local conforme diz Bianchini (2004) sinalizando que se trata do resultado de ações articuladas de diversos agentes sociais, culturais, políticos e econômicos, públicos ou privados, existentes no município e na região no uso racional e dos recursos locais, incluindo nestes os valores culturais.

É importante tratar a cultura com a perspectiva de desenvolvimento local sustentável, p romovendo a democratização da produção e do conhecimento artístico pela inserção cultural da população menos favorecida, para que esta não só uma busque a valorização da identidade cultural, mas também o estímulo ao desenvolvimento sócio-econômico-cultural.

As bases teóricas destes textos estão nos referencial sobre cultura popular, antes considerada apenas como objeto de estudo, conforme afirmava Williams (1983), citado por Escosteguy, “Cultura popular não foi identificada pelo povo, mas por outros” (WILLIAMS Apud ESCOSTEGUY, 1983, p. 237), conquista destaque inicialmente na Inglaterra, onde foi fundada, em 1878, a primeira Sociedade do Folclore.

Ao longo dos anos esta temática foi sendo associada às idéias de nacionalidade, modernidade, formação da identidade nacional em um contexto de industrialização e democratização. Destacando que os estudos dedicados às culturas populares estão estreitamente articulados à política, á direção política e cultural das sociedades.

A perspectiva conservadora tende a cristalizar as manifestações culturais, dissociando-as do seu contexto social e de quem as produz. Segundo Cabral (2004) a cultura popular não deve ser pensada como um conjunto de objetos, práticas e concepções consideradas tradicionais, nem tampouco como uma coisa do passado. Sendo assim a cultura deve ser pensada como parte integrante da dinâmica do processo social.

Para entender a cultura popular, conforme se faz necessário salientar as relações de conflito e dominação entre os grupos sociais - ela só se torna compreensível quando considerada em oposição à cultura erudita e cultura de massa. Seguindo a mesma linha, Nestor García Canclini estuda as manifestações culturais populares inseridas em um contexto sócio - cultural e passando por contrastes sociais no capitalismo e pelo confronto entre as culturas hegemônicas e subalternas, onde para ele,

"As culturas populares (termo que achamos mais adequado do que cultura popular) se constituem por um processo de apropriação desigual dos bens econômicos e culturais de uma nação ou etnias por parte dos seus setores subalternos, e pela compreensão, reprodução e transformação, real e simbólica, das condições gerais e específicas do trabalho e da vida" (CANCLINI, 1982, p. 42).

Além de enfocar a heterogeneidade da cultura popular, o autor percebe que toda produção cultural surge a partir das condições materiais de vida. Nas classes populares "(...) as festas estão ligadas de modo mais estreito e cotidiano ao trabalho material ao qual se entregam quase todo tempo" (CANCLINI, 1982, p. 42).

A Folkcomunicação como área de conhecimento que segundo Marques de Melo (2006) dedica-se ao estudo dos agentes e dos meios populares de informações de fatos e expressão de idéias, pode trazer a evidencia de que a cultura é a marca de um grupo social e isso tem que ser considerado. Para apoiar e ou animar os grupos populares tanto no rural como no urbano, a cultura é o elemento ideal de mediação. Por isso atuar no meio rural como agente de desenvolvimento de Extensão Rural para o Desenvolvimento Local requer compreender e promover estas atividades e estes significados.

Se para Nestor Canclini, o povo ao se apropriar de forma diferenciada e desigual do que a sociedade possui, através de uma interação conflitiva com os setores hegemônicos, produzem no trabalho e na vida formas específicas de representação, reprodução e reelaboração simbólica das suas relações sociais.

A cultura é a marca impressa da alma coletiva de um povo e nela se reflete seus símbolos, valores e inspirações. Em Pernambuco, por exemplo, encontramos uma verdadeira multiculturalidade e grande variedade de ritmos musicais e manifestações do folclore pernambucano. Foi por isso que ao referir-se ao ethos de pernambucanidade, Medeiros (2005), afirma que o carnaval do Recife ficou famoso pela presença do frevo, a partir da década de 90, e do o maracatu rural e esses elementos culturais vem progressivamente sendo reconhecido como símbolo de pernambucanidade.

Esse resgate cultural pode ser analisado sob a perspectiva teórica a seguir: segundo Bachelard (1996) não é válida a idéia de partir do zero para fundamentar ou aumentar o conhecimento, tanto para as situações de educação escolar, educação popular e também para as ações de extensão rural para o desenvolvimento local. Ainda para o autor tal idéia, de não considerar a cultura local, só pode vingar em culturas de simples justaposição, em que o fato conhecido é imediatamente uma riqueza.

Para uma ação comunicativa na perspectiva do empoderamento e da autonomia dos sujeitos é impossível desconhecer em bloco todos os conhecimentos habituais, cotidianos ou tradicionais. Os obstáculos neste tipo de ações para o desenvolvimento local se dão em muito pela falta de conhecimento sobre a importância de se considerar o conhecimento já existente ou da cultura local que forma as identidades locais.

Diz ainda Bachelard a tarefa mais difícil é colocar a cultura científica em estado de mobilização permanente, substituir o saber fechado e estático por um conhecimento aberto e dinâmico, dialetizar todas as variáveis experimentais, oferecer enfim à razão razões para evoluir, respeitando um saber existente como subsídios para outros conhecimentos articulados com os que existem e libertários nos seus efeitos.

Mais do que uma festa cultural ou da promoção de um folguedo popular estamos proporcionando acesso ao reencantamento no resgate do que emana do povo e deles depende a sua continuidade. E a idéia é promover cidadania com base nos aspectos culturais.

Nesse contexto, há um novo assunto em debate, que contribui no entendimento de um efetivo desenvolvimento local, onde há uma revalorização de aspectos, não incluídos no pensamento econômico, que gira em torno de Capital Social.

Na reformulação do pensamento econômico convencional ora em curso o capital humano entrou como tema central. Já que este, segundo o autor Sen (SEN, 1981, apud KLISKBERG, 2002), constitui uma via fundamental para alcançar a produtividade, o progresso tecnológico e a competitividade nos cenários econômicos do final do século XX, nos quais o papel do capital humano na produção é decisivo.

Neste conjunto de dificuldades da realidade que provocaram uma crise no pensamento econômico e um profundo processo de revisão de enfoque, insere-se a integração do capital social e da cultura nas análises.

A crise do capitalismo, que se instaurou no final de século imediatamente passado, trouxe a necessidade de novas alternativas, não só no que se refere à organização da produção e da economia de uma forma mais contundente, mas, principalmente, na formação do homem para enfrentar os novos desafios nas sociedades industriais ou agrícolas, sem perder de vista os valores da sua identidade que passam por valores culturais (KLISKBERG, 2002).

Um bom subsídio para pensarmos sobre este questionamento está em Canclini (1997), em Culturas Híbridas, ao repensar a heterogeneidade da América Latina como uma complexa convivência do tradicional e do moderno e na existência de países onde coexistem diferentes lógicas de desenvolvimento. Não acredita o autor que o global esteja substituindo o local, assim como não vê o atual modo neoliberal de globalização como o único possível. Propõe uma luta pela reforma do Estado que assegure iguais possibilidades de acesso aos bens da globalização.

Se a cultura popular se moderniza, como de fato ocorre, isso é para os grupos hegemônicos uma confirmação de que seu tradicionalismo não tem saída; para os defensores das causas populares torna-se outra evidência da forma como a dominação os impede de ser eles mesmos (1997 p. 206).

Ao mesmo tempo em que fomentamos a discussão sobre o uso de produções estranhas ao local, concordamos sobre o valor de lidarmos com a universalidade dos conteúdos, sob pena de cairmos noutro extremo, ou seja, atribuir importância conteúdos pertinentes à cultura local, mas de forma indesejavelmente fragmentada.

Nesta reflexão entre o local e o global, buscamos apoio no pensamento de Milton Santos, em Retorno ao Território (1998) e em O Novo Mapa do Mundo: fim de século e globalização (1997). Para Milton Santos, mesmo nos recantos onde os valores de mundialização ou de transnacionalização são mais fortes e eficazes, repensar a questão do local surge como uma revanche, que revela o conflito entre o local e o global. Estaríamos hoje perante uma dialética do território, das geografias da desigualdade produzidas pelo sistema-mundo, as quais permitem ver o território como dimensão histórica do processo de globalização e fragmentação.

Este espaço global tem conteúdo ideológico de origem distante. Na democracia do mercado, o território é o suporte das redes que transportam regras egoísticas (do ponto de vista dos atores hegemônicos), chamadas verticalidades. Em contrapartida, as horizontalidades, que são espaços dos subalternos, estão hoje enfraquecidas. Por sua vez a união vertical se dá entre os países ricos que se colocam à disposição dos países pobres para permitir que as redes se estabeleçam a serviço do grande capital. O resultado é a fragmentação, porque ao invés de cooperação, o forte aqui é a competição. As tentativas de construção de um mundo só sempre conduziram a conflitos porque o objetivo é unificar e não unir.

Já em Ferrara (1997, p.170), um povo será tanto mais livre das suas contradições locais quanto mais apto for para integrá-las e, assim, superá-las. O povo deve:

A perspectiva de reinterpretação e de reelaboração, à luz de uma identidade cultural de um povo nos remete novamente para Canclini (1997), quando este adverte que existem tendências mundiais que imaginaram que a modernização acabaria com as formas de produção, as crenças e os bens tradicionais. Os mitos seriam substituídos pelo conhecimento científico, o artesanato pela expansão da indústria, os livros pelos meios audiovisuais de comunicação. Diz o autor que a modernização e as novas tecnologias podem diminuir o papel do culto e do popular tradicionais, no conjunto do mercado simbólico, mas não os suprime. Por isso, do lado popular vale preocupar-se menos com o que se extingue do que com o que se transforma, ou seja, com o que se reelabora ou se redimensiona.

Voltando a referir sobre a importância do local, Milton Santos (1990) diz que a indubitável realidade como um fim comum da crescente globalização/mundialização não permite, em todo caso, que esqueçamos das tendências desagregadoras, regionalizadoras, que, sempre presentes e vivas, podem corrigir os excessos de universalização perversa; amiúde presente e causa fundamental de muitos dos problemas agudos, cruéis e injustos, derivados da tendência espaço-homem.

Outra forma de saída é a negociação proposta por Canclini (1997), que critica a polarização no enfoque de uma realidade, onde as complexas relações entre hegemonia e subalternidade, foram reduzidas a um confronto rígido e bipolar. A partir daí sinaliza para a negociação como componente-chave no funcionamento das instituições e campos socioculturais.

Para tanto, essas estratégias propostas de concertação e organização para revitalização do maracatu na cidade de Caruaru, devem ser trabalhas a partir de ação comunicativa para que a participação ocorra. Em Beltrán (1981) encontramos que no caso de um modelo de comunicação horizontal, participativa, dialógica e comunitária, a comunicação é um processo de interação social. E também sugere a oportunidade de que ocorra o intercâmbio de símbolos mediantes os quais os seres humanos compartilham voluntariamente suas experiências sob as condições de acesso livre e igualitário, diálogo e participação de sua cultura, de uma participação identitária.

CONCLUSÕES

Concluindo, novamente remetemos-nos a Milton Santos, quando sentenciou que em certas circunstâncias, que a união, mediante as novas formas de articulação e horizontalidades podem ser estimuladas para a organização de vários segmentos em torno da valorizar a memória, a identidade, o patrimônio natural, cultural e artístico, do maracatu produzido em Caruaru, Pernambuco. Bem como de promover o resgate e a continuidade do Boi Tira-Teima, discutindo gestão compartilhada na cultura. Estaremos apoiando a promoção da região Nordeste através do que temos de mais caro, a cultura de seu povo.

Assim, devemos pensar na construção de novas formas de valorizar o local e, a partir da base da sociedade territorial, encontrar caminhos que nos liberem da maldição da globalização perversa, que estamos vivendo, e nos aproxime da possibilidade de construir outra globalização, capaz de restaurar o homem de sua dignidade revitalizando os valores culturais tradicionais e peculiares. E com diz Marques de Melo (2006) A cultura brasileira é resultado de fusões e intercâmbios, de culturas antigas, como as indígenas, as africanas, as migrantes e da própria imigração do norte e do sul, do leste e do oeste num país de dimensões continentais.

Uma visão importante desta perspectiva é a que trabalha a mediação pela cultura como elemento principal do processo de construção de significados. Portanto, a partir da cultura local ou de cada local neste país de dimensão gigantesca a negociação dos significados onde todos os sujeitos são igualmente congnoscentes, como diria Paulo Freire.

Cada um dos atores tem sua própria cultura e da interação e do diálogo entre essas culturas se constróem os significados de cada sujeito mediatizado por seu mundo e sua cultura.


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Dra. Irenilda de Souza Lima
Professora do Depto de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

Ana Paula Gomes da Silva
Licenciada em Ciências Biológicas. Mestranda do POSMEX – UFRPE

 

 

 

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